FERNANDO LEMOS
FERNANDO LEMOS: PARA UM RETRATO COLECTIVO EM PORTUGAL, NO FIM DOS ANOS 40

MUSEU COLEÇÃO BERARDO
Praça do Império 1499-003 Lisboa
26 OUT - 31 DEZ 2016

FERNANDO LEMOS: FRAGMENTOS DE UMA SOLIDÃO COLECTIVA

O movimento aparenta-se pendente.
Na escuridão sobressai uma cabeça encoberta por uma nuvem, assemelhando-se a uma explosão de fumo e luz. Sobressai a lâmina de um punhal, lembrando a origem dilacerante do pensamento. Lá no fundo, uma lâmpada abandonada jaz entre papéis amarrotados, como uma ideia vadia. É Fernando Lemos / Auto-Retrato, uma das imagens icónicas do artista luso-brasileiro Fernando Lemos (1926) integrada na exposição Fernando Lemos: Para um retrato colectivo em Portugal, no fim dos anos 40, da curadoria de Pedro Lapa.
Escritores, actores, artistas e intelectuais, pertencentes a uma geração enclausurada na ditadura fascista, posam em retratos a preto e branco. Lemos, apercebendo-se dessa identidade inquieta e emergente, aproveita a união de companheirismo e cumplicidade presente no grupo e, conscientemente, representa-a através da sua lente, numa estética visual ímpar e, sobretudo, com aroma a liberdade.
Enquadrado na linguagem surrealista, o artista manifesta-se subversivamente. Utiliza- se das técnicas deste movimento – como a dupla-exposição, as exposições múltiplas, a solarização e as impressões em negativo e positivo - para introduzir novidades visuais e explorar contextos abstracionistas.
Perspicaz, Fernando Lemos capta a atenção do observador e dá-lhe espaço para que este descubra, vagarosamente, o processo de fusão no qual também é participante. Em atos sucessivos de interrupção e continuidade, experienciam-se tempos distintos e em simultâneo. Como um enigma oferecido pela coexistência entre elementos inanimados e as figuras retratadas, o tempo permanece na sua própria verdade, um pouco avesso a explicações adicionais.
Entre as penumbras e os recortes de luz, estabelece-se uma silhueta: é Manuela Torres / Toupeira Voluntariosa. Sophia de Mello Breyner agarra a força da geometria em Sophia de Mello Breyner / A Guerreira. Adolfo Casais Monteiro, frontal e pensativo, intimida a câmara em Casais Monteiro / O Bom Adolescente. Vespeira/ Alexandre O’Neill / Nora Mitrani /Abraços Lisboetas reforça a ideia de acção colectiva. Enquadrada pela sua pintura, Vieira da Silva surge tenuemente contra a silhueta do cavalete em Maria Helena Vieira da Silva / Muralha Infinita. Num jogo de planos e profundidade, revela-se Lucília Farinha que perfila como uma bailarina em Lucília Farinha / Movimento Sonoro.
A obra fotográfica de Lemos não está fixa. Antes move-se no sentido exacto do que procura: documentar o acaso, captar o automatismo psíquico, observar a estranheza das coisas e as relações que o rodeiam. No fundo, são encenações e histórias ao acaso que arquitectam o seu próprio universo.

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