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DOMINIQUE GONZALEZ-FOERSTER & CIEEXPODROMEMUSÉE D’ART MODERNE DE LA VILLE DE PARIS 11, avenue du Président Wilson 75116 Paris 17 FEV - 06 MAI 2007 MONOPÓLIOA mais recente exposição de Dominique Gonzalez-Foerster no Musée d’Art moderne de la Ville de Paris é uma exposição que parte de uma reflexão sobre o espaço da exposição: o que se dá a experimentar é a correlação entre a descontinuidade do espaço e a multiplicidade da experiência, o que se dá a pensar é a imbricação entre o espaço “real†e o espaço da representação. Como o indica a etimologia greco-latina do sufixo que entra na composição do nome da exposição (-drome) – embora não se trate propriamente de um terreno destinado a corridas ou a exercÃcios olÃmpicos –, o espaço em questão será um espaço de jogo e de acção, um espaço manifesto mas também de manifestação, um espaço que se forma na utilização, uma paisagem potencial, ou como refere a artista, um “parque†(“terrain de jeu†/ “playgroundâ€), uma “possibilidade de pensamentosâ€, uma “superfÃcie erótica†ou um “espaço limiteâ€. O espaço prático é pois o catalisador da experiência sensitiva (sinestésica), o mobilizador da intelecção, o revelador do discurso estético e o argumento para uma revisitação contemporânea de alguns dos principais modelos expositivos que marcaram a história das artes. Participando da determinação pós-moderna de questionamento da pureza dos “géneros†e de transgressão das fronteiras entre campos disciplinares, Dominique Gonzalez-Foerster tem, desde o inÃcio da década de 90 (e tal como o impõe a doutrina vigente, isto é, a doutrina que se quer não doutrinária), testado os “limites†das artes plásticas, questionando as relações da criação artÃstica com as disciplinas adjacentes, nomeadamente a arquitectura, o cinema, a música, a moda e a literatura, prática que tem resultado em experiências tão diversas como intervenções em jardins ou em edifÃcios emblemáticos do modernismo (“Parkâ€, Documenta 11, Kassel, 2002, ou “Double Terrain de jeu (pavillon, marquise)â€, 27ª Bienal de São Paulo, 2006); concertos, ateliers de criação radiofónica ou instalações sonoras em parceria com músicos (“Satellite Blue Palaceâ€, 2003, ou “Ed Kuepper’s MFLLâ€, Bienal de Sydney, 2004); a remodelação das lojas Balenciaga em Nova Iorque, Paris e Hong Kong (2003-2004). Apesar da aparente dispersão, todos os trabalhos se unificam na procura de uma solidariedade entre as artes – as “artes do espaço†(a pintura, a escultura e a arquitectura) e as “artes do tempo†(a literatura e a música), de acordo com a divisão estabelecida por Lessing, no século XVIII –, sÃntese que se realizará através da recuperação de alguns paradigmas artÃsticos que marcaram a década de 1960, ao nÃvel da metodologia criativa e da colaboração com artistas provenientes de diferentes áreas disciplinares, como é o caso da presente exposição. Remetendo para alguns dos fundamentos teóricos da Psicologia Ambiental – a interdependência e a interacção entre o sujeito e o meio, particularmente no que se refere à influência deste último sobre o comportamento do primeiro –, bem como da Estética Relacional – a preocupação com o contexto e a interactividade, com a relação entre o artista, o espaço social e o espectador (aspectos que definiriam a produção artÃstica dos anos 90) – “Expodrome†propõe ao visitante um percurso por oito espaços hiperdiferenciados que apelam a outras tantas modalidades de recepção: a proposição de Dominique Gonzalez-Foerster joga-se na directa proporção entre as qualidades fÃsicas dos espaços (definidos e caracterizados de acordo com as respectivas funções) e os usos que estes suscitam. Por outro lado, e fazendo eco de alguma “fotografia de museu†– pensamos, por exemplo, no trabalho de Thomas Struth ou de Louise Lawler –, a concepção expositiva de Dominique Gonzalez-Foerster afirma o espectador como parte integrante da exposição, transformando a contingência em imanência e convertendo assim o “ruÃdo†em objecto central da investigação sobre o dispositivo: espectador e obra estão em pé de igualdade, encontram-se no mesmo plano da encenação: o visionamento de um objecto num contexto expositivo implica, inevitavelmente, o confronto com outros visitantes: a Gioconda não é apenas um quadro de Leonardo da Vinci, mas também a massa de turistas que se amontoam à sua frente. Em “Expodromeâ€, o lugar (e o papel) do espectador-transeunte na paisagem-exposição fica imediatamente clarificado à entrada. Nas escadas que dão acesso à exposição foi montada uma plateia com cadeiras reclinadas, semelhante à de um planetário, de onde os visitantes assistem à projecção de imagens luminosas que remetem para o Sol (a instalação chama-se “Solariumâ€), ao mesmo tempo que, ocupando essa posição, se dão a ver, a partir de um ângulo privilegiado, aos outros visitantes que chegam. O reflexo dos espectadores postos frente a frente – imagem de simetria que o cinema não se cansou de explorar – é, nesta transposição para o espaço do museu, posto ao serviço da desmontagem da situação espectacular. Disposição mais convencional tem a sala “Cinéma†onde se projecta uma selecção de filmes produzidos pela artista desde 1996. Numa grande sala vazia, “Promenade†– obra sonora que acusa, também ela, uma inspiração cinematográfica – propõe uma travessia “debaixo de chuva†(uma chuva que só se ouve, em todo o caso). Ainda no domÃnio do som, “La Fée Électrecitéâ€, enorme pintura panorâmica realizada por Raoul Dufy para o Pavilhão da Luz da Exposição Internacional de 1937 (em exposição permanente no Museu, conjuntamente com “L´Olympe de Gouges in La fée électroniqueâ€, de Nam June Paik), é integrada em “Expodrome†sendo a sua carga histórica recontextualizada (e a sua percepção modificada) por uma banda sonora. “Panorama†é, como o nome o indica, uma versão contemporânea dos panoramas do século XIX que dá a ver uma visão luminosa e nocturna dos grandes aglomerados urbanos do planeta. ExercÃcio paradoxal de planificação do globo e tridimensionalização do planisfério, de convexidade luminosa e concavidade reverberadora, o panorama constitui-se como um corredor circular de reflexos ao qual não escapa a imagem do espectador. Desenvolvendo noutro sentido esse mesmo gosto do século XIX por paisagens artificiais (qualquer coisa como viajar sem sair do sÃtio), “La Jetée†metamorfoseia uma acumulação módulos poliédricos numa cordilheira que dificulta a passagem, enquanto “Cosmodromeâ€, espectáculo multimédia de luz e som apresentado na mais absoluta escuridão, se propõe como uma “rampa de lançamento espacial†em que a música e a voz de Jay-Jay Johanson, interpelam directamente o espectador. Finalmente, “Tapis de Lecture†prefigura, no confronto com os livros (e com os leitores), aquela que pretende ser a possibilidade mais radical de “evasão†da exposição – na medida em que os livros proporcionam uma infinidade de outras paisagens –, ao mesmo tempo que desvenda uma das principais estratégias criativas de Dominique Gonzalez-Foerster. A literatura (muito particularmente a ficção cientÃfica) é, com frequência, o ponto de partida de muitos dos trabalhos de Dominique Gonzalez-Foerster. Desenvolvendo, a partir das artes plásticas, uma “adaptação literária†(processo comum no cinema), uma transposição do romance para o espaço, a artista cria lugares ficcionais esvaziados de personagens e conteúdos exegéticos que, como amplamente praticado no Noveau Roman, atribuem ao espectador-leitor um papel activo, convertido que é em personagem principal do “textoâ€, colocado em espaços psicológicos repletos de indÃcios materiais (veja-se o caso da série “Chambresâ€) a partir de onde poderá reconstruir uma narrativa. E é nessa transposição que a estranheza, a transformação do reconhecÃvel em irreal, o trânsito entre ordens de representação radicalmente distanciadas, deverá emergir do próprio médium. Retomando uma ideia cara ao Romantismo, a viagem é simultaneamente o médium e o método que unifica os ensaios de Dominique Gonzalez-Foerster: “É preciso deslocarmo-nos para deslocar o espaçoâ€. É a viagem que preenche o “vazio central†da experiência, esse descampado polivalente semelhante ao eixo monumental de BrasÃlia, objecto de um dos filmes da artista que pensa a condição contemporânea como um turismo consciente – aquilo a que chama “Exotourisme†– pelos grandes espaços (e pelas ideias) do modernismo. Por isso, “Uma nova paisagem é como um filme que não precisasse de narração. É uma imagem panorâmica que reflecte os turistas numa colonização melancólica dos paraÃsos perdidos ou artificiaisâ€, refere Dominique Gonzalez-Foerster, sendo que há qualquer coisa que aproxima a criação contemporânea desse turismo, acrescentamos nós: porque a translação não é a transformação.
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