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ISAAC JULIENWESTERN UNION: Small Boats![]() MNAC - MUSEU DO CHIADO Rua Serpa Pinto, 4 1200-444 Lisboa 30 OUT - 18 JAN 2009 ![]() ![]() A apresentação de “WESTERN UNION: Small Boats†de Isaac Julien (Londres, 1960) no MNAC – Museu do Chiado, integrada no Festival Temps d’ Images deste ano, não deixa de ter um significado particular, apesar de casuÃstico, para o contexto nacional. Se, por um lado, corresponde à estreia internacional do último capÃtulo de uma trilogia de vÃdeo-instalações iniciada em 2004, por outro, faz com que Portugal seja o primeiro paÃs a exibi-la integralmente. No conjunto, “True North†de 2004 (apresentada no Centro Cultural de Belém em 2006, aquando da exposição “Helga de Alvear – Conceitos para uma colecçãoâ€), “Fantôme Afrique†de 2005 (integrada na exposição “Ida e Volta: Ficção e Realidadeâ€, apresentada pelo CAM-Fundação Calouste Gulbenkian em 2007) e “WESTERN UNION: Small Boats†de 2007 (agora em exposição no MNAC – Museu do Chiado), perfazem uma série de trabalhos que analisam diferentes paradigmas que atravessaram e continuam a assombrar a história e cultura africanas, nomeadamente as expedições modernas e suas narrativas ideológicas, o colonialismo ou o fenómeno da migração a par do da exclusão social. Mas ao invés de reportar aqueles factos num registo meramente documental, Isaac Julien opta por baralhá-los com referências literárias e cinematográficas ou ainda elementos performativos, para então construir jogos de significação abertos. Assim, é o próprio mundo que retorna mas sempre ficcionado. É neste sentido que podemos também olhar para a sua obra mais recente como uma ficção. Ao reconfigurar a temática da viagem, que se estende a toda a trilogia, Julien faz de “WESTERN UNION: Small Boats†uma reconstituição imaginária do drama que actualmente assola milhares de imigrantes provenientes do norte de Ãfrica e que tentam chegar à Europa através do mar Mediterrâneo e, em particular, da SicÃlia em busca de uma vida melhor. De facto, e dada à sua privilegiada localização geográfica, esta ilha tornou-se desde cedo um posto de intersecção de muitas civilizações, tendo sido ao longo dos séculos sequencialmente dominada por diversas culturas, chegando apenas a ser integrada no reino de Itália, em 1860, por Garibaldi. Contudo, a narrativa em causa é outra, se bem que nos trabalhos de Isaac Julien o presente se organize a partir de uma arqueologia. Ela chega-nos, então, através do olhar de uma mulher crioula que regressa dos dois vÃdeos anteriores para agora testemunhar a viagem de um pequeno grupo de imigrantes que parte da LÃbia e da TunÃsia, acedendo à ilha siciliana por via do magnÃfico rochedo branco Scala dei Turchi, cena esta que, aliás, repete um mito local (*). E tal como em “True North†ou “Fantôme Afriqueâ€, aquela mulher assume aqui o papel enigmático de anjo espectral que transporta todo um passado, participando igualmente na contemporaneidade, mas da qual apenas nos devolve pequenos traços - destroços de barcos, corpos em movimento, sonhos, memórias, desejos, roupas, lugares e paisagens - que convergem num encontro de imagens de extrema beleza e violência. No entanto, e apesar de promoverem um forte efeito de sedução no espectador, estas mesmas imagens actuam criticamente, ao lembrarem, por um lado, as promessas da modernidade, vejam-se as cenas filmadas no Palácio Gangi, as quais revisitam o filme “O Leopardo†de Visconti, bem como a queda da aristocracia e a vinda de um mundo novo, e, por outro, os fracassos daquele amplo projecto representados pelos corpos mortos dos imigrantes que, esquecidos na praia de La Tonara, entram em confronto com os dos banhistas. “WESTERN UNION: Small Boats†desenvolve-se, assim, indistintamente entre o sensÃvel e o inteligÃvel numa contÃnua deslocação espácio-temporal, que extravasa qualquer modelo narrativo fundado numa unidade de causa-efeito, ao mesmo tempo que fragmenta o trabalho em segmentos e repetições que, por sua vez, vão preenchendo os cinco ecrãs da instalação, ao longo de quase vinte minutos. De facto, desde meados da década de 1990, que Isaac Julien nos tem habituado a complexas e estimulantes instalações áudio-visuais, mas que nem por isso deixam de ser pertinentes no contexto da sua obra. Um olhar mais atento perceberá, então, que a utilização de um aparato tecnológico diversificado, como é o caso, não constitui um fim em si, mas antes um território perceptivo descentrado, sobre o qual o sentido deste vÃdeo se vai também produzindo. No ano em que a Carta dos Direitos Humanos atinge o sexagésimo aniversário e em que o número de imigrantes desaparecidos alcança os milhares, “WESTERN UNION: Small Boats†adquire uma relevância particular no actual debate sobre a migração, sobre quem pode ou não entrar na Europa ou a discrepância das polÃticas de imigração, ao mesmo tempo que interroga poeticamente a validade de uma globalização que despe os sujeitos de direitos e singularidades. NOTA (*) A lenda conta-nos que em tempos um grupo de piratas muçulmanos escalou o rochedo da provÃncia de Agrigento invadindo a ilha. ![]()
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