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CANDIDA HÖFEREm PortugalMUSEU COLEÇÃO BERARDO Praça do Império 1499-003 Lisboa 01 DEZ - 25 FEV 2007 Em Portugal: a EuropaAo contrário do que o título da exposição sugere, não se trata bem de um olhar sobre o nosso País, como se alguém pretendesse aqui desvendar uma identidade específica ou qualquer imagem mais ou menos turística. “Em Portugal”, um dos últimos projectos fotográficos da artista alemã Candida Höfer, resulta antes de uma encomenda realizada pelo CCB, herdeira ainda da programação de Delfim Sardo, surgindo assim enquanto etapa de continuidade desse projecto de inventariação sobre as realizações humanas de matriz iluminista que o mundo pode ainda hoje apresentar. Discípula de Bernd e Hilla Becher na Kunstakademie de Dusseldorf – tal como outros grandes artistas contemporâneos que trabalham a disciplina da fotografia, nomeadamente Thomas Ruff, Andreas Gursky, Thomas Struth ou Axel Hüte – a artista tem vindo a desenvolver um apurado trabalho de registo visual, marcado pela monumentalidade dos espaços arquitectónicos, vazios ou só subtilmente habitados. Captando, com objectividade e distanciamento, imagens panorâmicas do interior de construções tão emblemáticas da matriz civilizacional europeia como igrejas, palácios, museus, bibliotecas, arquivos, teatros, auditórios ou outras salas de espectáculos, Candida Höfer observa uma espécie de imponência vazia e silenciosa (como observa José Saramago no livro que acompanha a exposição), que levanta a suspeita simultaneamente sobre o passado e o futuro do projecto humanista. Entre o purismo visual da Nova Objectividade (Moholy-Nagy) e as primeiras abordagens de teor tipológico (August Sander) dos anos 20 e 30, Candida Höfer realiza assim, com as suas fotografias de grande escala, uma homenagem crítica sobre as realizações e os valores que a Europa produziu nos últimos três séculos, como se a essência da cultura ocidental aí repousasse, já quase como ruína ou vestígio de uma era distante. Essa atmosfera é sublinhada pela ausência nestas imagens da figura humana. Despidas dos gestos e das emoções que a vida empresta à dinâmica dos espaços, essas imagens ganham um tom enigmático, sobrevivendo sobretudo enquanto valor formal, entre o belo iconográfico e a geometria da arquitectura que as determina. A ordem instituída com a racionalidade iluminista, nomeadamente a recuperação da harmonia proporcional herdada da Antiguidade Clássica ou o investimento na observação directa da natureza e no princípio da sua catalogação sistemática, é na verdade uma lógica de actuação inspiradora do próprio trabalho de Candida Höfer, na esteira dos Becher, entre a elegância formalista e a obsessão arquivística. O que diferencia o trabalho desta artista relativamente aos seus mestres são três factores afinal essenciais: a escala, o protagonismo da cor e a tipologia escolhida para a elaboração de um exaustivo inventário visual. Enquanto os Becher escolheram a arquitectura industrial, produzindo vastos conjuntos de séries a preto-e-branco, Höfer prefere os espaços de lazer e cultura, privilegiando essencialmente uma perspectiva interiorista desses espaços nobres, reveladores do poder, da riqueza material e de uma certa dimensão cultural do velho continente. Se a artista alemã percorrera grande parte da Europa em busca daquilo que aproxima as suas cidades de uma matriz comum – projectando inclusivamente esse estudo documental e iconográfico na geografia não-europeia, como a América do Norte e a América Latina – Portugal continuava apesar de tudo ausente desse processo de observação fotográfica. Com a presente mostra no CCB e a publicação do respectivo catálogo, Candida Höfer promove finalmente a sua imagem de Portugal, confirmando-o assim, apesar do seu isolamento atlântico, como um país profundamente determinado pela sua ligação à Europa, do Iluminismo à contemporaneidade. Dos teatros oitocentista de São Carlos, D. Maria, São Luiz e São João aos auditórios da Gulbenkian e da Casa da Música, ou dos Museus aos Palácios, Portugal é revisto pela objectiva de Candida Höfer enquanto expressão mais ou menos particular dos valores que fizeram da Europa um “farol” da humanidade. Mas, entre a prática documental e elaboração estética, estas imagens deixam ainda uma margem de significação alternativa, como se o vazio humano que as ocupa neutralizasse qualquer tentativa de as transformar em ícones de um Portugal imediatamente identificado.
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