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GARY HILLCutting Corners Creates More Sides![]() GALERIE IN SITU / FABIENNE LECLERC 6, Rue du Pont de Lodi 75006 Paris 13 SET - 27 OUT 2012 ![]() ![]() Depois de Chicago, é em Paris que a exposição Cutting Corners Creates More Sides pode ser visitada. Prosseguindo um trabalho que a partir dos anos 90 se concentrou maioritariamente na performance [2], Gary Hill foca-se nos hiatos entre as representações da carne e a experiência ou entre a palavra e a fisicalidade, constituindo-os como principais motivos de um conjunto de explorações divididas em cinco partes. O conjunto é dominado pelo uso do vÃdeo, médium em relação ao qual foi pioneiro no que concerne à investigação de potencialidades artÃsticas. Em Cutting Corners Creates More Sides, Hill inclui o campo das substâncias alucinogénas, não para proceder a uma investigação no quadro de qualquer (neuro)ciência, mas precisamente para as reclamar para esse campo hoje omnipresente da poiesis dita artÃstica – é que, se uma das mais frequentes preocupações das manifestações artÃsticas (expressas ou implÃcitas) é a problematização da perceção, essas mesmas manifestações não podem ignorar o conjunto de tecnologias desenvolvidas ao longo do século XX, criadas precisamente para compreender as possibilidades percetivas – que têm na criação de substâncias em laboratório um dos exemplos mais acabados. Deste modo, Hill toma para a sua experimentação aquele campo que interseta os estudos artÃsticos com o da neurociência – se uma estuda, entre outros, os efeitos do consumo de determinadas substânicas ao nÃvel fisiológico, o estudo pela via artÃstica foca-se nos impactos sobre perceção, seja por via direta – criando a obra em torno do consumo – ou por via indireta – utilizando as perceções causadas pelas substâncias como parte integrante da obra, estando neste caso o seu vestÃgio presente na feitura, imbricado na sua composição, tanto quanto o pigmento ou a textura, para utilizar o exemplo da pintura. Utilizando tecnologias de ponta como imagens geradas a computador, Hill explora cenários hiperrealistas ou abstratos para uma experimentação que é, por vezes literalmente, muito cerebral (no site do artista – www.garyhill.com – as hiperligações estão divididas em Right Brain e Left Brain e a frase at least from the brain’s point of view digitada em rodapé). Todos os resultados da sua investigação estão sob o signo de uma certa procura conceptual que os cinco momentos da exposição testemunham. Isolation Tank [3] (2010-11) surge como prefácio à s instalações que se seguirão. Num primeiro plano o oceano imenso, infinito e pacÃfico é focado por um zoom in que aumenta a textura dessa que aparentava antes ser uma unidade hermeticamente fechada. Surge uma prancha, em plano picado, numa solidão quase absoluta (ou não estivesse o observador também a partilhá-la), com um padrão que se revela um rosto no meio do amarelo da prancha. Um helicóptero (é reconhecÃvel pelo som que entrecorta a ação) roda robre a prancha e é subitamente interrompido por uma onda que quase o submerge – como um golpe inesperado, a entrada de uma força estranha que interrompe a possibilidade de prolongar essa contemplação Ãntima que já se iniciava. A câmara procede então ao movimento inverso, para nos voltar a dar o mar no seu silêncio majestático de indiferença: o movimento é de uma visão do mar enquanto infinitude à atenção a uma prancha perdida, sob a qual os efeitos da maré se fazem sentir. Num segundo espaço, uma leitura de um poema caótico que decompõe e reorganiza palavras (“one less one/un-less/loss less (…)†é acompanhada de imagens do cérebro obtidas por ressonância magnética essa técnica popularizada na segunda metade do século passado, que, ao ritmo da leitura, denunciam o fosso irredutÃvel entre a representação do fenómeno e a sua experiência subjetiva – sendo o cérebro a fonte das palavras, como é possÃvel não conseguir averiguar nos registos da ressonância magnética algo mais que a quietude das imagens? Onde está a potência e a intensidade da experiência? Um terceiro momento contrapõe palavra e imagem, desta vez numa narração que ocorre em simultâneo com a projeção de dois filmes. Um triplo diálogo estabelece-se: duas sucessões de imagens projetadas focam e desfocam objetos do quotidiano – uvas, pregos, fios, objetivas, caixas de excedentes – repetidas em loop, como se de dois olhos desconexos se tratasse. O caos da aparição dos objetos é apenas interrompido quando um deles é focado, assumido: “I only ruminate on certain ones that seem to appear and disappear for no apparent reason except that at one time or another I assumed them†[4]. Os efeitos das substâncias sobre a perceção não lhe acrescentam algo, aprofundando antes certos gestos do pensamento: “I have the distinct sense of being backwards – thoughts are eating themselves before any kind of linguistic traction takes place†[5]. A questão é a da sincronia do tempo, da sua possibilidade percetiva, da sua impossÃvel falta de linearidade, já que “Everything seem to be aligning itself within if with nothing else. Was it simply a question of synchronicity?†[6]. Os movimentos súbitos jogam-se indefinidamente e de um modo arbitrário e, contudo, formam um sentido. Num quarto espaço o drama da possibilidade de abolição das fronteiras do percecionado aprofunda-se: cinco ecrãs distribuÃdos anarquicamente pelo chão, simulando o próprio corpo de Gary Hill, que neles é representado, deitado em alucinadas declarações sobre os seus sentimentos (“I want to be deadâ€), a vida (“What is normal?â€) ou silencioso, escutando o riso de uma mulher que o filma. Encimando os ecrãs uma projeção psicadélica em luz azul de um saxofonista, uma melodia fúnebre. O último espaço consiste numa projeção de vÃdeo, no qual o fundo de ecrã é gerado a computador e em frente ao qual o artista disserta, como se estivesse a proferir uma palestra para um público cientÃfico – Gary Hill, que proferiu todas as palavras ao contrário na feitura do vÃdeo, apresenta-o do fim para o princÃpio, permitindo compreender o que está a dizer (se bem que de um modo extremamente afetado) e invertendo simultaneamente a ação. O palco parece ser um laboratório e o artista calça luvas e veste uma bata, reconstituindo uma molécula de LSD a partir de um modelo, daqueles hoje em dia frequentemente utilizados em aulas e eventos de divulgação. Na parede, um excerto da sua dissertação declara: “I am taking the liberty, as artists do, to declare Lysergic acid diethylamide (LSD) as the art experience par excellenceâ€. O problema é que o próprio texto está escrito do fim para o princÃpio, numa linguagem à primeira vista crÃptica, mas que logo se revela fonética. Nesta exposição extremamente exigente, Gary Hill coloca assim o corpo (do observador e do próprio artista) em questão, evidenciando o milagre inglório que é o facto desse mesmo corpo ser suporte, tão indispensável quanto manipulável, da mente. NOTAS [1] Deleuze, Gilles e Guattari, Félix (1991), Qu’est-ce que la philosophie. Paris: Éditions de Minuit, 2011, p. 210. [2] Por exemplo, em Splayed Mind Out (1996-98) ou o trabalho desenvolvido em colaboração com os poetas George Quasha, Charles Stein e Paulina Wallenberg-Olsson. [3] Trabalho também exibido em The Psychedelic Gedankenexperiment. DisponÃvel em www.vimeo.com/45863952 [4] Excerto do texto escrito por Gary Hill em relação à exposição. [5] Excerto do texto escrito por Gary Hill em relação à exposição. [6] Excerto do texto escrito por Gary Hill em relação à exposição. ![]()
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