TERRITORIAL PISSINGS - Exposição Colectiva
Territorial Pissings – o acto criativo como circunscrição “Territorial Pissings” é o nome de uma das mais conhecidas músicas da banda ícone do movimento grunge, os Nirvana. É, antes disso, uma expressão que designa “marcar o território”, numa clara analogia a um comportamento de sobrevivência animal que consiste em urinar (to piss) em determinados locais de forma a delimitar um espaço de existência.
A escolha desta expressão para conceito de uma exposição colectiva que reúne artistas com os mais variados modos de expressão e intenções conceptuais, não só é acertada como extremamente eficaz na consecução de uma coerência irrefutável, mais óbvia do que poderá a princípio afigurar-se. Aliás, como veremos, ela possui um grau de aplicabilidade extremo no que toca à apresentação de vários artistas num mesmo espaço.
Ainda que à partida possamos entender este conceito como “tema”, esperando assim obras que reflictam sobre as questões de lugar, território, pertença, identidade, fronteira – tão em voga neste início de século -, ele revela-se acima de tudo uma metodologia, melhor, uma prática intrínseca do fazer artístico. Se não vejamos: cada um destes artistas esforça-se por conseguir uma linguagem própria que lhe sirva para veicular uma mensagem, ideia ou sensação mais ou menos específica e deliberada. Cada um deles está, portanto, a marcar o seu território.
Todo o acto criativo produz uma marca, apropria um espaço – imaterial numa primeira instância podendo depois materializar-se – que antes apenas existia em latência. No terreno fértil do pensamento – potência – inscreve-se, através da vontade, uma acção – existência –, dando-se nesse encontro a criação. Isto não significa que esta inscrição se dê no vazio, pois até o terreno baldio conhece a terra que lhe permitirá ser cultivado. Assim, a criação enquanto impressão territorial convive com assentamentos preexistentes, deixando-se contaminar por referentes localizados em terrenos com as mais diversas latitudes. E cada um destes territórios pessoais (micro-território) está sob a jurisdição de outros, mais vastos (macro-território), tal como uma sala pertence a uma casa, que pertence a uma rua, bairro, freguesia, cidade, região, país... A decisão de pertença a esses outros territórios já não concerne somente ao artista; ela depende de outras instâncias do macro-território: críticos, curadores e historiadores que fazem dessa deliberação um modo de delimitação do seu próprio campo operativo. Independentemente desta contigência o artista continuará sempre a fazer o que a sua existência enquanto tal lhe impõe: criar, deixar marcas.
Cada obra é, no percurso de um artista, uma inscrição entre as várias que contribuirão para delimitar um trilho e, consequentemente, a sua pertença a outros territórios de maior escala. O artista movimenta-se numa circunscrição que lhe é própria pois só ele a pode habitar, mas endemicamente incerta e transitória na medida em que exige uma permanente demanda em busca de zonas de sentido, num constante processo de identificação e conquista. A sua acção deriva numa estratégia pessoal e intransmissível, mais ou menos consciente e direccionada, que se confunde com o próprio ser artístico. No limite, o artista e o seu território são um só, deslocando-se na mesma cadência, partilhando o mesmo espaço e tempo numa simultaneidade entre o que é e a sua construção. Um território artístico não é portanto uma realidade física ou geográfica, mas sim uma criação do seu habitante, resultante imperativo da sua existência. Ou, como diria Husserl, ele constitui-se enquanto “Lebenswelt”, modo de ser-no-mundo do homem.
Rita Sobreiro
Junho 2008
No texto “A Terra não se move”, Edmund Husserl defende que cada ser humano possui um terreno que viaja individualmente consigo. Essa superfície não se move, não existe enquanto veículo, antes somos nós que a transportamos. (Edmund Husserl, A Arca da origem, a Terra não se move (manuscrito de 1934) – tradução Editions de Minuit, Paris, 1989.