|
Curadoria de Patrícia Trindade
Com a participação de Alexandre Farto, Ana Rito, Ângelo Ferreira de Sousa, Catarina Mil-Homens, Hugo Barata, Louise Hervé & Chloé Maillet, Nuno Sousa Vieira, Rodolfo Bispo, Sara & André, Tom Jarmusch
2012. Ano lendário de previsões apocalípticas. Ano de contenção, de austeridade, de crise. Com um cenário desolador de crescimento do desemprego, da dívida, de juros e de compromissos que se têm de cumprir “custe o que custar”. Vendemos os recursos básicos do nosso país, hipotecamos a educação e dizemos que afinal a saúde não é para todos, é para quem pode pagar. Neste contexto, a cultura (refiro-me aqui sobretudo às artes visuais), tal como a economia, está a estagnar mais rapidamente do que se esperava. Há pouco tempo atrás, ninguém calculava que hoje, a cultura, “ (…) estivesse em vias de extinção.”(1)
Haverá lugar para a produção artística no meio desta crise financeira? Qual o papel a desempenhar pelo artista nestas circunstâncias? Qual a posição da arte numa sociedade comandada pela direita?
Perante o cenário sombrio que se tem vindo a desenhar, onde as únicas regras aplicadas são as do capital, a cultura ficará sempre em segundo plano. Contudo, no meio da penumbra, é fundamental encontrar luz ao fundo do túnel. Para isso, é preciso escavar: DIG DIG é uma proposta expositiva que pretende refletir acerca do passado e futuro da cultura. Os artistas convidados mergulharam no universo de referências do século transato para as trazer a debate e as desconstruir, assumindo os trabalhos, na sua maioria sítio-específicos, como cápsulas do tempo. De um tempo em que a palavra cultura era sinónimo de civilização, de valores, de conhecimento, enfim, de um modo de vida.
Os trabalhos apresentados nesta exposição são um testemunho do pensamento, da identidade, da cultura e do contexto sociocultural contemporâneos. Uma forma de recordar que uma sociedade livre só existe quando existe cultura: “sem cultura não pode haver liberdade, só um perigoso simulacro”(2).
Catarina Mil-Homens (1979) foi convidada a apresentar “As Coisas Que Eu Sei, sem título #1” (2012), surgindo na introdução à exposição. Esta peça, que só existe por contraste, desenterra, traz à superfície, o que a matéria dá, em parte, a ver.
"Aktion" (2010) surge como uma espécie de imagem de arquivo que confronta o espectador com uma ação contínua, sem clímax. Assistimos a um registo de uma performance que coloca em cena dois corpos que experienciam as suas próprias convulsões e contraturas.
Nuno Sousa Vieira (1971) expõe “44 years” (2009), um trabalho inédito, intervenção a partir da página onde se representa a obra “De la nada vida a la nada muerte” (1965), no catálogo da primeira exposição de Frank Stella no MOMA em 1970, “Frank Stella: Paintings”, publicação da responsabilidade de William S. Rubin. 44 anos é o intervalo de tempo entre a pintura de Stella e a data deste trabalho.
Rodolfo Bispo (1981) cria “Museum Shop” (2012) e “Este ano vamos todos ser p*tas” (2012), especificamente para esta mostra. Fugindo da cor, surpreende com um trabalho a tinta da china, mas mantém o sentido de humor que o caracteriza. Bispo quer deixar na sua “time capsule” um testemunho, a sua perspetiva da situação presente dando voz às suas imagens com frases como “a moody’s é um Adamastor”, “ainda vamos todos a tempo de fazer BIRRA pelos nossos direitos” ou “acorda Pinóquio, Portugal nunca vai ser um país de verdade”.
Louise Hervé & Chloé Maillet (1981) chegam pela primeira vez a Lisboa com uma peça de 2010, apenas apresentada uma vez. “We do not live on the outside of the globe” é um discurso a duas vozes (as das autoras), em inglês, em torno de elementos arqueológicos e históricos, de ficções e documentos. O tema central é o subterrâneo, a escavação e teorias que advogam não vivermos de facto na superfície do planeta, mas sim, no coração de um mundo subtérreo.
Sara & André (1980/1979) apropriam-se do trabalho icónico de três dos nossos grandes autores, reclamando-os em três propostas que, no fundo, lhes prestam homenagem. Obras sobejamente conhecidas de Nikias Skapinakis, Lourdes Castro e Eduardo Batarda são desconstruídas e repensadas pelos autores de “Claim to Fame” (2004).
Ângelo Ferreira de Sousa (1975) encarna um calceteiro no vídeo "Guerra Santa" (2012). Este procura talhar a pedra de calçada portuguesa perfeita na busca do ricochete ideal nas águas do Tejo. O gesto é ao mesmo tempo cuidadoso, agressivo e inútil, espelhando uma fatalidade nacional.
Hugo Barata (1978) afirma que pensar uma exposição que "desafia ao questionamento da historicidade da arte e do quotidiano para que, assim, possamos perspetivar algo no futuro, traz consigo algo de repetitivo e de constante regresso a modelos e tipologias agora vistas e sentidas à luz dos nossos dias". A determinado momento do seu livro "Painting at the edge of the world", Daniel Birnbaum reflete sobre a temporalidade da obra de arte para afirmar que, depois de produzida e apresentada ao mundo, a obra é determinada por um diferimento inescapável; devido ao facto de que o sujeito não consegue coincidir consigo mesmo num instante imediato, pressupõe-se que este presente (o agora) é sempre fugidio. As pinturas e os desenhos apresentados por Barata pretendem, dentro de um processo idiossincrático e diário, evocar a memória de uma tipologia da pintura - o retrato - e a possibilidade da narrativa, quer através de composições que se assemelham a pequenos teatros, quer pela utilização de referências fotográficas de universos distintos como a moda ou a produção pornográfica.
A utilização de imagens reconhecíveis na pintura, adensa o discurso desviante e traz para o "presente" uma certa aura de deslocação, talvez pela carga que pejorativamente lhe foi entregue pelas vanguardas iniciais. Birnbaum conclui noutra passage do livro supracitado que a interpretação, a reinterpretação ou a má interpretação de uma pintura é precisamente aquilo que possibilita a sua constante ressurreição.
Alexandre Farto (1987) surge com “CONSOME-TE” (2012), uma obra que faz referência ao trabalho dos affichistes, da década de 1950 e 60. De grande formato, esta série de cartazes recolhidos na rua, são posteriormente esculpidos pelo artista, que lhes inscreve imagens ou texto. Sublinhando a efemeridade das coisas, o artista afirma que esta décollage é “um ato simbólico de arqueologia, em que trago à superfície pedaços esquecidos, fragmentos da história e cultura deixados para trás; um processo que tenta reflector sobre as várias camadas que nos formam individual e coletivamente.”
Tom Jarmusch (1961) é convidado a apresentar, numa sessão única, na abertura da exposição, o seu filme/ documentário “Sometimes City”, que pretende criar um retrato daquilo que acontece a uma cidade como Cleveland, quando surge a crise económica. “Sometimes City” dá a conhecer, através de uma série de testemuhos, a “destruição” da cidade levada a cabo pela banca e o reflexo da crise económica na vida das pessoas. Apesar de perspetivada nos EUA, esta imagem espelha o que acontece agora na Europa, a países como a Grécia, Espanha e Portugal.
DID DIG: Uma exposição a ser desenterrada, aberta e descoberta pelo público a partir do dia 27 de setembro na Plataforma Revólver, em Lisboa.
1 In REVISTA ÚNICA (24 de Setembro de 2011) , Clara Ferreira Alves, Para acabar de vez com a Cultura
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/para-acabar-de-vez-com-a-cultura=f675167#ixzz1tjMGlMwL
2 Dionísio, Mário; “Cultura:Paradoxo e Angústia”. Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº5 (28 Abril 1981), p.16
3 Helder, Herberto, “Ou o poema contínuo” (súmula), Lisboa: Assírio&Alvim, 2001, p.37