THE AGE OF DIVINITY
Johanna Billing, Eric Corne, José Drummond, Jan Fabre, Raquel Melgue, Catarina Mil-Homens, João Onofre, Raúl Perez, Ana Rito, Ernesto de Sousa, Pedro Vaz, Liao Chi-Yu, Hugo Barata Uma proposta de Hugo Barata
Exposição produzida por Balaclava Noir: consultoria técnica artes visuais e Plataforma Revólver
site: http://theageofdivinity-exhibition.com
«En aquel tiempo, el mundo de los espejos y el mundo de los hombres no estaban, como ahora, incomunicados. Eran, además, muy diversos; no coincidÃan ni los seres ni los colores ni las formas. Ambos reinos, el especular y el humano, vivÃan en paz; se entraba y se salÃa por los espejos.
Una noche, la gente del espejo invadió la Tierra. Su fuerza era grande, pero al cabo de sangrientas batallas las artes mágicas del Emperador Amarillo prevalecieron. Éste rechazó a los invasores, los encarceló en los espejos y les impuso la tarea de repetir, como en una especie de sueño, todos los actos de los hombres. Los privó de su fuerza y de su figura y los redujo a simples reflejos serviles. Un dÃa, sin embargo, sacudirán ese letargo mágico.» Jorge LuÃs Borges, “Animales de los espejosâ€,
in Libro de los seres imaginarios.
Esta jornada poderia ser encarada como o inÃcio de uma estória, um relato ténue daquilo que se poderia apelidar de imaginação manifesta. É uma jornada acerca da nossa condição de seres imaginantes, entidades não governadas por normas da ciência, da razão ou da verdade, mas antes governadas pelo tributo dos sonhos e dos pesadelos na configuração de uma expressão do mundo. No conto de Jorge LuÃs Borges descreve-se um tempo no qual as criaturas que viviam nos espelhos, ao apoderar-se do espaço terreno que era pertença do ser humano, são novamente aprisionadas e condenadas eternamente a mimetizar e a refletir a imagem do mundo “realâ€. Nesta obra do escritor argentino, baseada no mito chinês do Imperador Amarelo e da fauna existente nos espelhos como universo alternativo, somos confrontados com a ideia de “seres†irrequietos – imagens desobedientes – que se transportaram para a nossa realidade para aà iniciarem a destruição e o caos. Dir-nos-á a história das crenças que, graças a um poderoso feitiço do Imperador Huang Di, os entes foram controlados e derrotados.
A estória que se deseja contar cresce da reflexão em torno da relação “real†↔ “imaginárioâ€, imagem e reflexo. Ambos os conceitos são considerados como momentos que se nos impõem e que, através da arte, se cruzam ou trocam de lugar, produzindo sombras, aterrorizando padrões de representação, razão ou verdade, fundindo ou deformando relações simbólicas que esperarÃamos estáveis. Assim sendo, observe-se o artista como aquele que lança falsificações para a “realidade real†e também, vice-versa, aquele que aprisiona essa mesma “realidade†nas representações e nos objetos que cria. A noção de parergon, exposta por Jacques Derrida1 como o espaço entre – o dentro e fora simultâneos - institui interpretações de simultaneidade, ambiguidade, permeabilidade e contaminação. O artista enquanto pecador demiúrgico, ilusionista e falsificador, xamã e feiticeiro, é consciente da força das imagens que criou durante milénios (e de outras que renovou, substituiu ou raptou) e da sua eterna função em fazê-las coincidir com a imago da divindade. Na sua obra Hyperion oder Der Eremit in Griechenland (Hipérion ou o eremita da Grécia, 17972), Hölderlin apresenta, num formato estruturado por cartas, a nostalgia relativamente aos dramas seculares exaltando a natureza divina, sublinhando um conjunto de forças invisÃveis, conflitos, ideais de beleza e de esperança.
A noção que temos ao ler algumas das suas passagens, noção essa perfeitamente ilustrada pela luta da independência grega, é a de que, agora, trata-se antes de saber falar com os deuses, estar verdadeiramente ao seu nÃvel («O primeiro filho da beleza humana, divina, é a arte. Nela o homem divino rejuvenesce», Hipérion). O que significa que homem e deuses estão juntos, nenhum se suplanta ao outro, não existe desafio possÃvel. Heidegger, intérprete de Hölderlin, afirma em jeito de epÃgrafe na sua obra completa3 «Wege – nicht Werke!», «caminhos – não obras!», intitulação que apresentará em torno de vários dos seus escritos, por exemplo Marcas do caminho (1935-1946) ou A caminho da linguagem (1950-1959). Na sua conferência Hölderlin e a essência da poesia (1936), Heidegger induz uma aproximação da poesia a uma compreensão quasi-instrumental, tendo na palavra poética uma espécie de excelência da palavra em si mesma, do rigor de sentido, a partir do qual a nomeação poética consagra um resvalamento do ordinário para o transfigurado, para o extraordinário (Paul Valéry acerca de Mallarmé afirmará mesmo que a poesia se veicula a um estado anterior à escrita e à própria crÃtica). Não poderemos, contudo, assegurar que o poeta ou o artista visual – como aqui pretendemos – domina a natureza apenas pelo facto de a nomear ou que a determina através de uma sua representação, mas que tal nomeação é uma escuta sensÃvel a partir da subjetividade criativa, desembocando nos “caminhos da linguagemâ€, ou seja, nas múltiplas bifurcações de que nos fala Borges. Poder-se-ia também afirmar que em Borges se encontra aquilo que Paul Virilio salientou como a “inutilidade†dos mapas, das referências, da cartografia, dirÃamos por assim dizer, da representação.
Algumas das linhas de Borges também perscrutam a crença utópica de Virilio na qual, num futuro possÃvel poderÃamos encarar esta possibilidade da “inutilidadeâ€, de forma a afastarmo-nos da obsessão com a metafÃsica e com o virtual (virtual aqui entendido como algo que não se encontra aqui e agora), caminhando na senda de valorizar e testemunhar, antes, a realidade na sua imediaticidade. Ora, como se viu em autores como Kant, Heidegger ou Zizek, é ao homem impossÃvel obter uma experiência direta dessa mesma realidade por existir sempre uma distância Ãnfima entre a nossa compreensão do mundo e a experiência de estar no mundo. Aquilo que a história de Borges ilustra (e que se pode reler a partir de Virilio) é que a distância entre a apreensão cognitiva da realidade (mundo) e a realidade ela mesma foi algo trabalhado pela modernidade e pela pós-modernidade como uma espécie de “desertificação do mundo†(por exemplo descrita por Zizek em Bem-vindo ao deserto do real)4. Passemos então através do espelho e, aÃ, encaremos o ponto de vista que não reflete, mas que deixa ver através. O que nos chegará primeiro enquanto criaturas que olham: o espelho ou aquilo que vemos nele refletido? Talvez como no conto de Borges, estes “entes-reflexos†possam
agora reemergir do “ecrã-espelho†como verdadeiras presenças. Assim sendo, e a partir da poesia como pretexto, a exposição THE AGE OF DIVINITY é uma leitura aberta que procura desapontar a esperança de um qualquer literalismo, e que solicitou a cada artista a apresentação de uma obra que envolvesse e que explorasse alguns dos devaneios descritos anteriormente.
Hugo Barata, Lisboa, novembro de 2012
1DERRIDA, Jacques, The truth in painting. Chicago: University of Chicago Press, 1987, p.9.
2Cf. HÖLDERLIN, Johann Christian Friedrich, Hipérion ou o eremita na Grécia. Lisboa: AssÃrio&Alvim, 1997.
3Cf. HEIDEGGER, Martin, Gesamtausgabe. Frankfurt : Vittorio Klostermann, 1975.
4 C.f. ZIZEK, Slavoj, Bem vindo ao deserto do real. Lisboa: Relógio de Ãgua, 2002.
Programação paralela: 13.04.2013, Sábado, 16h30
Autonomia do Ver: espelhamento e visão com vontade própria, por Carlos Vidal
Jorge LuÃs Borges - Atlas, por José A. Bragança de Miranda
Apresentado por: Hugo Barata
ENTRADA LIVRE
16.03.2013, Sábado, 16h30
Visita orientada com o curador Hugo Barata
ENTRADA LIVRE
________________________________________________________________________
Para mais informações:
plataformarevolver@gmail.com | M 961106590 T 213433259
www.artecapital.net/plataforma.php |
transboavista-vpf.net Fundada em 2006, a Plataforma Revólver é uma inovadora estrutura de arte contemporânea localizada em Lisboa. Promove um programa de exposições e de residências artÃsticas internacionais, participando ativamente na promoção e no diálogo internacional da arte.
A Plataforma Revólver funciona genuinamente para benefÃcio público, operando um espaço independente e não lucrativo, de entrada livre. Visitas por marcação. Aberta de quarta a sábado das 14:00 à s 19:00.