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JOÃO RIBAS
João Ribas (n. 1979, Braga) vive e trabalha em Nova Iorque, onde é comissário independente e crítico de arte para The New York Sun; foi anteriormente editor da ArtReview e LTB Media. Com um notável domínio teórico no campo da Estética, traduz e reformula numa singular articulação clássica o que é ver arte contemporânea. A sua actual exposição, “Aspects, Forms and Figures” (08 Fevereiro - 10 Março), na galeria Bellwether, em Nova Iorque, assenta na eficácia formal e num conceito sofisticado em termos de pensamento formalista.
Esta entrevista, na sequência de uma conversa no meu estúdio, dirigiu-se aos assuntos fulcrais da arte contemporânea, na relação entre arte e política, na produção artística e valores de mercado, nas responsabilidades do crítico e do comissário e na própria formação dos interesses de João Ribas no campo da estética. A entrevista foi feita em inglês.
Por Ana Cardoso
Nova Iorque, Dezembro de 2006
P: Quando começou o teu interesse pela arte? Foi quando te mudaste para Nova Iorque?
R: Em criança tinha um amor profundo pela música e pela pintura, que mais tarde se profissionalizou, por assim dizer. O meu envolvimento com a arte é ao mesmo tempo discursivo e afectivo – interesso-me por arte como fusão do conceptual e do sensível, para parafrasear Hegel, mas também como género de fenómeno específico da economia pós-Ford. Foi por isso que me atraiu a disciplina de estética, enquanto modo particular de conceptualizar o tipo de entendimento e experiência que deriva da arte e da literatura, oposto, por assim dizer, à racionalidade científica ou metafísica – mas partindo do espanto da minha experiência em criança.
Quero dizer que, enquanto o pensamento científico exige a validação de um tipo específico de conhecimento, por exemplo, a arte visa implicitamente o horizonte da experiência humana. Sem querer ser demasiado técnico, isso surge de uma linhagem particular na filosofia e também de uma necessidade de articular o lugar da experiência sensorial e emotiva, ou seja, o que fica de fora do projecto racional. Ou, como diz o cartesianismo, de o naturalizar, de o adaptar. O começo do termo “estética” é justamente uma tentativa de fazer isso, de domesticar o afecto, no sentido de racionalizar como “ciência da experiência sensorial” o que supostamente a razão deixa fora do seu campo, ou não consegue conter. Foi essa a exacta experiência da arte que eu tive com quatro ou cinco anos – com Bach e a música sacra, por exemplo, – essa experiência aparentemente indizível.
Isso fez com que me interessasse pelo modo como a arte, neste sentido, pode revelar uma possibilidade de entendimento partilhado – a ideia Hegeliana da arte como pensamento que se torna externo. Daí a estética como modalidade distinta – e falo de uma forma geral.
Dou um exemplo: a “transformação do padeiro” ou mapa do padeiro, em física. Baseia-se num mapa caótico, com origem numa forma quadrada simples, que é esticada e “cortada” ao meio. Põe-se uma metade em cima da outra e depois continua a alterar-se – como se amassa pão. Com alterações suficientes, quaisquer dois pontos do quadrado original acabarão em metades diferentes. Ora, isto tem implicações importantes para um matemático preocupado com a probabilidade e o caos determinista, mas podemos encontrar exactamente as mesmas implicações tratadas de forma intuitiva, não matemática – através da forma e da narrativa, – como nos filmes de Alain Resnais, ou naquilo a que geralmente se chama o romance pós-moderno. Acho fascinante esse tipo de ressonância ou confluência mútua, e não atribuo qualquer primazia a um modo de articulação em detrimento do outro – estou interessado na “verdade” altamente específica, provisória e mediada, que a estética representa, nesses termos. Por exemplo, no sentido de imperativos morais atingidos por meio da literatura, ou na função catártica do teatro. Tomemos o exemplo do Huckleberry Finn: o romance, ou melhor, os mecanismos formais deste romance permitem-nos entrar no mundo psicológico duma sociedade esclavagista, numa parte do seu tecido sociológico, e fazer-nos entender a irracionalidade, a desumanidade dessa experiência – eu diria que capta as patologias dessa sociedade melhor do que a mera descrição histórica, e isso acontece pela própria construção formal do romance.
No fundo é o que Platão não toleraria, as pretensões ao conhecimento que a arte não deveria ter. Mas lá está, o enquadramento platónico já foi virado de pernas para o ar, não foi? É a ciência que se preocupa com as aparências, hoje em dia, não é a arte nem a metafísica.
Isto tem uma implicação mais vasta em termos da função da estética como parte de uma ética de reflexão, ou como provedora de um sentido comum de valores – que basicamente faz parte do que Heidegger defendia. Esta é uma das coisas mais convincentes sobre a arte e a estética em geral. O exemplo clássico vem de Kant: ao discutirmos a beleza de uma flor em particular, tu e eu vamos acabar por dizer um sem fim de coisas sobre o que acreditamos ser o mundo, ou sobre como deveria ser. A estética pode deste modo elevar a universal um particular abstracto. E, ao falarmos da beleza, estamos na realidade a falar da justiça, etc…
Tomemos o exemplo da pintura de David, Lictors e Brutus – o sentido comum do dever cívico estóico, que a pintura encarna, e a relevância dessa ideologia para o ideal republicano. Está ali tudo, e não seria ambíguo para um observador contemporâneo. Diz muito sobre a Revolução Francesa, o que a simples prosa não conseguiria – muito sobre a sua caracterização política, mas de maneira diferente, através da pintura. Foi algo de que só me apercebi mais tarde, mas acho que foi isso que vi na arte desde a infância.
P: Como é que a política se insinua no mundo da arte, hoje em dia, e vice-versa?
R: Essa é uma pergunta realmente importante, que penso se encontra toldada por uma divisão entre política e estética, divisão herdada e largamente aceite, que me parece falsa. Não é certamente verdadeira para a pintura de David, que mencionei, nem para muita da arte russa – arte pós-Outubro, quero dizer. Já aludi um pouco à minha rejeição dessa divisão – nessa função da arte que oferece um sentido de entendimento comum. A divisão, tão facilmente aceite por uma quantidade de críticos, não é tão clara na história da filosofia. De facto, uma pode ser vista em relação directa com a outra, quer explicitamente, como na rejeição de Platão da poesia no interior da comunidade política, quer indirectamente, como no entendimento que, por exemplo, Hanna Arendt tem da representatividade do discurso auto-explicativo. Mas o que realmente é arrastado nesta diferença são questões de activismo e orientação política, que penso serem mal dirigidos. A função política da arte é muito mais profunda – até Trotsky, que tentou inferir o âmago revolucionário de uma arte proletária oriunda de condicionalismos burgueses, entendeu isso.
Trata-se mais propriamente de tornar visíveis as complexidades entre poder, ideologia e controlo social, incluindo aquilo a que eu chamaria o nosso próprio “fascismo interior”, a nossa necessidade ou consentimento em sermos dirigidos e em cedermos à autoridade – e o mundo aparentemente autonómo da produção cultural. Pensemos na função política da música dodecafónica para Adorno. Ele viu nela um exemplo da maneira pela qual a arte podia romper o padrão em que a sociedade se apoia, ou seja, como resiste à mudança radical, escolhendo a resistência como uma falsa negação. Assim, os mecanismos da arte podem ser usados para lidar com a natureza da realidade social, para desmontar as próprias contradições que a ideologia se esforça por ocultar. Ao ajudar a ver para lá desses padrões estabelecidos, qualquer obra que fure a teia de familiaridade ideológica é política.
Neste sentido, tanto a política como a beleza implicam uma dialética e não uma oposição, isto é, apresentam ideias sobre o género de coisas que devem ser feitas, incluídas, excluídas, etc., dentro de uma comunidade específica. Assim, a arte pode inspirar a experiência colectiva de um modo que creio que a nossa vida política já não consegue, para chegar ao “vice-versa” da tua pergunta.
A própria política só se torna possível com a instituição de uma comunidade, comunidade que começa com alguma coisa em comum, um logos partilhado. O que é necessário para a acção política é um lugar partilhado, um local onde a política se torne uma possibilidade. É isso que, no nosso tempo, torna a arte política – a possibilidade deste espaço. Hoje em dia, os artistas russos percebem-no em primeira mão, por experiência directa – é talvez uma das únicas áreas de discurso político real. Ou consideremos a utilização do Expressionismo Abstracto nas guerras culturais contra o comunismo. A questão não está portanto na oposição entre estética e política, mas em saber se estamos a criar as condições para este espaço de aparências, para usar a expressão de Arendt, do político ou não. Penso que hoje, no mundo da arte, a preocupação política mais premente é de facto a mesma da teoria política inicial: quem está representado e de que maneira?
P: Manténs-te actualizado em relação ao mundo da arte portuguesa? Qual a tua opinião sobre a situação artística em Portugal?
R: Sim, muito. Estou particularmente interessado na situação da diáspora dos artistas portugueses, e na relação da arte contemporânea com as projecções da identidade nacional – os mitos fundadores que estabeleceram uma identidade política singular face ao projecto comum europeu. É claro que há também a longa experiência de imigração que se relaciona com a situação actual dos artistas portugueses – a ideia de ir para o estrangeiro estudar ou expor. Eu sou um emigrado e escrevo numa língua que, na adolescência, me era totalmente estranha, uma língua que não está ligada a nenhuma das minhas experiências de formação cultural. Por isso, é uma situação que me diz respeito. Olho a arte portuguesa através deste vidro quebrado, para usar a metáfora de Joyce em relação à cultura irlandesa.
P: O que é comissariar? Consideras que isso é arte?
R: Tenho muitas vezes vontade de responder a essa pergunta em termos puramente pragmáticos: comissariar exposições. Mas até essa resposta simples é tão tautológica que não quer dizer nada… Não considero de maneira nenhuma que seja arte – e o chavão jornalístico do “comissário como artista” parece-me um sintoma do colapso das velhas divisões laborais, num mundo da arte cheio de metástases. Também está ligado à diminuição do lugar da crítica, numa era de conteúdos e opiniões fabricados pelo utilizador. Digo isto na qualidade de alguém que trabalha como crítico num jornal e que tem verdadeiro respeito por essa esfera pública – mas no entanto é verdade.
É estranho que a função de comissário seja efectivamente privilegiada pelo espírito do capitalismo de informação, dominado por escolhas – a democracia de massas aplicada ao gosto, em que ter uma opinião equivale hoje a ter autoridade para a expressar. A pessoa que produz o conteúdo é a mesma que emite opinião – coisa que Nietzsche, aliás, defendia desesperadamente: a estética do produtor em vez da do espectador. Esta hipotética democracia tecnológica – o blogger, o tipo de democracia do You Tube – cria uma conversa pluralista, que coloca a opinião ao nível do consenso.
Mas a lógica da prática curatorial baseia-se efectivamente nesta democratização, porque não se trata de ter uma opinião mas de seleccionar, coordenar e apresentar “conteúdos” de uma série, uma profusão de coisas aparentemente interminável. Reunir obras numa colecção é ao mesmo tempo um trabalho e um modelo conceptual. Por isso, esta “função de comissário” faz mesmo parte de um modelo mais vasto e actual de consumo e também de produção de informação e media. Já poucos se lembram que houve uma “crise”, aliás bem teorizada, na prática curatorial dos anos 80…que é de onde provém esta teoria de auteur mal aplicada. Hoje em dia, a escala do mundo da arte baralha ainda mais as divisões laborais, para piorar as coisas.
Na realidade, tudo isso faz parte da história do termo – o comissário como mediador cultural não é um fenómeno nada novo. Esteve sempre ligado a uma função alargada de protecção, contextualização e apresentação da arte. Mas na origem, no Império Romano, por exemplo, o comissário era responsável pelos projectos públicos, ou por manter uma espécie de ordem cívica. Na Idade Média, isso torna-se em grande parte religioso.
Interessam-me muito mais as limitações práticas e correr riscos – seguir um caminho imprevisível, através do que os artistas produzem e fazem, e aberto à possibilidade de falha na produção. Tento trazer sempre para uma exposição o entendimento sensível do trabalho de um artista, uma compreensão responsável e articulada da sua prática, e enquadrá-la num contexto. O meu maior medo é ficar preso na tentação do novo. Acho que uma das coisas que definem a prática curatorial, hoje em dia, é a ideia de pensar no modo anterior-futuro, “o que terá sido”, em termos históricos. É uma maneira de ser continuamente seduzido pelo presente, pelo novo, o que é uma armadilha. Em vez disso, estou interessado nos espaços de mediação e, de facto, nos mediadores – tal como em bases de colaboração e numa metodologia multidisciplinar. Uma exposição é sempre um local de troca.
Também penso que isso implica pensar de forma crítica, ou reflexiva, sobre a história, a natureza das exposições e a produção artística, em vez de pensar na função do comissário de uma forma não histórica. Quero dizer, as instituições que mostram arte têm a ver com o crescimento da riqueza urbana que originou a ideia do trabalho artístico como uma actividade produtiva, sujeita à competição de mercado – a partir da Idade Média. Por isso, ser comissário implica a abordagem dos espaços envolvidos, isto é, o espaço institucional, criativo, financeiro, teórico e público, bem como o espaço em sentido literal. Mas, primeiro e acima de tudo, acho que se trata de criar uma certa acuidade visual e de pensar num contexto, de dar um sentido de história e de espaço que, para mim, implica uma dedicação sincera àquilo que os artistas produzem. A minha curiosidade empenhada estende-se de facto a isso e ao que isso pode dizer sobre o que a arte é ou pode ser. Por isso a minha resposta é: comissariar exposições.
P: Podes falar sobre “Dice Thrown (Will Never Annul Chance)”, a exposição que comissariaste recentemente para a galeria Bellwether, em Nova Iorque?
R: Essa exposição é o exemplo perfeito do que eu estava a tentar expressar. Surgiu da ideia de como a história da fotografia foi construída, e naquilo que eu vi como uma ruptura nessa narrativa aceite, particularmente em termos da fotografia na prática pós-conceptual. Tanto o modernismo como a arte conceptual dominaram a discussão crítica sobre fotografia, e falharam largamente o carácter actual da fotografia contemporânea, como ela de facto existe. Vi artistas a fazerem um trabalho que se desviava muito desse campo – isso acontece bastante. Segui-lhes então a pista, tentei dar-lhe um sentido e organizá-la, destacando ao mesmo tempo as preocupações de cada artista. Não houve um tema totalizador, nada que atalhasse o que cada uma das práticas envolvia – apenas uma descoberta baseada no seu próprio trabalho, na sua própria prática, mas que não tinha sido expressa por eles colectivamente, nem por comissários, nem por críticos, pelo menos no meu entender. Foi portanto uma exposição sobre o corte com a maneira como os artistas conceptuais relegaram a fotografia para usos arquitectónicos, mas também uma correcção às mudanças aceites, que afastaram a fotografia do modernismo e à perda de uma relação empírica, objectiva, com a realidade. Foi sobre o espaço conceptual específico da fotografia enquanto meio.
P: Quais são as responsabilidades do crítico de arte, hoje, em Nova Iorque? Qual é a tua opinião sobre a relação entre o mercado da arte e a prática artística, estando a arte profundamente relacionada com a prática curatorial?
R: Penso que muita da crítica de arte, hoje em dia, está atolada numa falácia normativa. Muitos críticos tentam, neuroticamente, formar um campo de influência, tentam marcar uma posição, manifestando, por exemplo, o dever de eficácia da crítica perante o mercado, em vez de apresentarem incondicionalmente o seu projecto. Porque é que agora, que falamos tão abertamente de conivência entre arte e negócio, é que queremos que a crítica desempenhe a sua maior função de vanguarda?
De qualquer modo, muitos críticos caem pelo menos numa falácia, ao acreditar que a crítica é nula. O que está implicito nessa ideia é basicamente uma recusa, uma falácia normativa em torno da ideia de que a obra de arte, ou o mercado da arte devia ser diferente daquilo que é, ou que pode e devia ser corrigido de algum modo através da crítica – como se o crítico fique de fora destas operações. Entendes isto? É uma espécie de recusa, ou resistência em lidar com a arte nos seus próprios termos, ou esta crença de que algo correu mal na produção e que vai ser corrigido no acto da crítica. É devido a esta insatisfação que existe muito mais descrição do que interpretação; na verdade, interpretação implica a inclusão do objecto da pesquisa, enquanto a descrição cai na falácia empirista, como se a obra existisse meramente como uma série de factos que serão descritos, contidos pela linguagem e desse modo assimilados. Isso aproxima a arte da destruição, sujeita-a à heresia da paráfrase.
Considero isto perturbador – tal como a crença de que a obra de arte é uma forma de psicologia expressiva que tem ser decifrada, por exemplo. Como crítico, talvez me possa interessar a possibilidade de uma diferença, a possibilidade de um significado para lá daquilo a que uma forma ou um gesto se referem – como diria Nietzsche, o que escondemos quando dizemos o que dizemos, – mas não como correcção. Refiro-me, por exemplo, a isto: até que ponto as maçãs de Cézanne estão preocupadas em representarem fielmente as maçãs? Como disse Barnett Newman, não são maçãs, são projécteis de canhão! Moby Dick é um livro fraco, se comparado com livros sobre caça à baleia e a teoria das mónadas de Leibniz não nos ajuda propriamente a programar uma TiVo, apesar de falar de instruções… Entendes? Mas os meus exemplos estão a ficar cada vez mais perversos…
Estou certamente interessado em resistência e crítica – mas não vejo o efeito no mercado como barómetro de nenhuma dessas coisas. Acho que isso é entender muito mal o facto de a arte ter estado sempre numa tensão dialética e, em última instância, criativa, com toda e qualquer realidade económica em que se desenvolva. Ao fim e ao cabo, não passa pelo horizonte da experiência humana.
Trata-se de públicos, não de mercados. Devíamos tentar lidar com uma esfera pública decrescente, e não convencer o mercado de que uma coisa não vale o suficiente para circular. É má economia Keynesiana. A nossa ameaça real é provavelmente o entretenimento de massas informatizado, e não o mercado da arte, embora este tenha a capacidade de mudar de foco, como a projecção de Mercator num mapa – talvez a metáfora seja pertinente, de facto.
Em minha opinião, honestidade e clareza são as responsabilidades mais prementes. Não decerto apaixonarmo-nos constantemente pelo novo, nem escrevermos unicamente para os nossos iguais. Essa é a verdadeira ameaça para a importância da crítica.
P: Quem decide o que é arte? É verdade, como disse uma vez um antigo director da Tate, que uma carreira pode ser construída pelo estímulo constante e persistente?
R: Não sou um essencialista, o que normalmente leva a questão para o lado do pluralismo, de que também não sou defensor, por isso não tenho uma definição do que é arte, nesses termos, ou de quem chega a decidir… mas não acho que alguém decida. Tenho um problema com a forma como essa questão é formulada, quase sempre, porque implica uma autoridade central e uma definição – e nenhuma das duas é verdade. Heidegger sugeriu que um acontecimento podia, tão facilmente como a Vitória de Samotrácia, ser uma obra de arte. Pergunta a um conselheiro de arte e terás uma resposta muito diferente.
Ter uma carreira de sucesso não é sinónimo ou equivalente a fazer arte relevante ou mesmo interessante, logo, não vejo a relação necessária entre as duas perguntas.
P: Jovens artistas como mulheres e homens de negócios. Deveria haver formação universitária também nessa área, em artes plásticas, conhecimentos para lidar com um mercado duro? Muitos artistas estão hoje interessados em negócios reais – alguns dedicam-se a fórmulas rentáveis, e não à prática livre e imprevisível da vida ligada à arte.
R: Agora estamos a chegar a algum lado! Penso que a profissionalização do mundo da arte responde à tua questão sobre quem decide o que é arte: ninguém. Como não há critérios objectivos no mundo da arte, pluralista e inundado de metástases, com uma área crítica ineficaz – assim são os tempos – os diplomas são um novo aferidor de critérios. Houve um intenso período de crescimento no mundo da arte, que coincidiu com o aparecimento da profissionalização artística. É como a Revolução Francesa, é difícil dizer quando é que as coisas começaram a correr mal… Há imensos factores atenuantes – um quadro económico que não quero aprofundar, porque o bond market e os cortes de Bush nos impostos são demasiado maçadores para falarmos deles aqui, – mas criou uma quebra de valor, ou melhor, uma enfâse sobre o valor específico, como um diploma de mestrado. O dinheiro é o grande equacionador, não é? Bem, talvez ajude a branquear privilégios e os transforme em autoridade.
Penso que o mais importante é abordar a lógica do trabalho artístico no mercado global da era pós-Ford, supostamente autónoma. O que significa que aos artistas, e também de resto aos comissários, sejam concedidos direitos, como o de circulação, negados a outros sujeitos políticos? Até artistas que não visam o negócio se encaixam nesta reconfiguração do trabalho… Que fazemos com isto?… É a existência política inevitável.
Links:
Aspects, Forms and Figures
www.bellwethergallery.com/upcoming_01.cfm?fid=349
Notes and Queries
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