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ANNA RAMOS (RÀDIO WEB MACBA)
Este mês entrevistamos Anna Ramos, responsável pela Ràdio Web MACBA que nos fala sobre este projecto inovador. A rádio online, que foi vencedora do Museums and the Web Best of the Web 2009 Podcast Award, começou por ser um espaço de divulgação para as exposições e atividades do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona - um gerador de conteúdos para projetos específicos, com foco na exploração da arte sonora, rádio-arte e música experimental – e é agora um projeto que produz o seu próprio conteúdo como base para a construção de pontes entre a produção radiofónica e outras linhas de trabalho.
Maio de 2012
Por Ana Sena
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P: De onde surgiu a ideia da RÁDIO WEB MACBA (RWM) e como se tem desenvolvido?
R: O projeto surgiu em 2006 e acaba de celebrar seis anos de vida. Seis anos durante os quais construímos um património sonoro de mais de 250 podcasts e inúmera documentação com eles relacionada, em forma de ensaios, bibliografia, etc. Atualmente temos cinco linhas de programação radiofónica, uma secção de publicações digitais (www.rwm.macba.cat/es/quaderns-audio) e uma secção que contém e permite visualizar documentação e processos de investigação (www.rwm.macba.cat/es/extra). Toda a programação está disponível gratuitamente para escuta online ou por subscrição através de podcast.
A Rádio Web MACBA começou como uma experiência com o formato podcast. Com a prática diária e o empenhamento dos nossos colaboradores transformou-se num repositório de podcasts que estende e expande as linhas discursivas e de investigação do MACBA, tendo o áudio e o sonoro como matéria-prima. O projeto nasceu como um altifalante da programação de atividades e exposições do Museu, mas assim que começámos a trabalhar com artistas sonoros, músicos e entusiastas de rádio no desenvolvimento das nossas séries radiofónicas, transcendemos esta condição e começámos a ver-nos cada vez mais numa terra de ninguém, a meio caminho entre a arte radiofónica e o ensaio sonoro. A natureza web do projeto permitiu-nos assim dar visibilidade aos processos e transformar a plataforma num projeto híbrido entre o arquivo e a rádio online.
P: A rádio é uma forma de ultrapassar as barreiras físicas do museu?
R: É uma forma de estender as linhas discursivas do MACBA a um local com uma arquitetura espácio-temporal alternativa, com regras e possibilidades distintas das salas e de outros espaços do Museu. A rádio permitiu-nos gerar, articular e partilhar online um património que não só captura o fluxo constante de cérebros (filósofos, comissários, artistas…) que passam pelo Museu, como nos proporciona a observação e estudo da nossa matéria-prima: o sonoro. Deste modo, partimos das ideias e conceitos desenvolvidos in situ para desenvolver uma narrativa própria, que complementa o que ocorre no Museu com entrevistas de fundo (como na série sobre os artistas da Coleção MACBA - www.rwm.macba.cat/es/fons_audio_tag - ou tudo o que fazemos na nossa secção de Especiais (www.rwm.macba.cat/es/especials). Também desenvolvemos linhas de investigação próprias. Partindo de conceitos-chave, estamos a explorar cenários e contextos musicais tão diversos como o colecionismo sonoro, a música generativa, a apropriação sonora, a produção experimental underground na Europa de Leste ou, sem ir tão longe, a vanguarda sonora no Estado Espanhol (um cenário até então, tão interessante como pouco documentado). Para destacar alguns. Há muitos mais.
P: Quais são as diferentes áreas da RWM e em que consistem?
R: Quando imaginámos o projeto, concebemos diferentes espaços, alguns relacionados com a programação expositiva e de atividades e outros que olhem para fora, com a ideia de explorar a arte sonora, a música experimental e o pensamento contemporâneo. A ideia era traçar uma linha de investigação (www.rwm.macba.cat/es/investigacion) e outra comissariada (www.rwm.macba.cat/es/curatorial). Mas cedo nos deparámos com a arbitrariedade destes compartimentos. Na hiper-completa historiografia de Jon Leidecker sobre a apropriação sonora (uma série de escuta obrigatória www.rwm.macba.cat/es/variaciones_tag) existe tanto de ensaio sonoro como de exercício de comissariado. Colaborar com artistas sonoros ajudou-nos a conviver com esta arbitrariedade e sobretudo, incentivou-nos a trabalhar de forma rizomática. Faz parte da magia do projeto: acabar de ouvir uma mistura de library music de Jonny Trunk da mais obscura quando a intenção inicial era ouvir um podcast sobre colecionismo sonoro. Seguindo relações mais ou menos visíveis, mas existentes, temos explorado a relação entre a matemática e a música, a psicoacústica, a cena distópica do movimento alemão Kassettentäter, paisagens radiofónicas do Magreb, a prolífica cena experimental de improv da California dos anos oitenta, etc.
P: Como é que a RWM complementa as exposições e programas públicos do Museu? Como se relacionam?
P: Fazemo-lo através de duas linhas de programação, o SON[I]A e os Especiais. Em SON[I]A (www.rwm.macba.cat/es/sonia) trabalhamos com um formato muito radiofónico, baseado em entrevistas in situ. O objectivo é partilhar as ideias ou a trajetória pessoal dos comissários, filósofos, artistas e críticos que circulam pelo Museu, criando programas que, na medida do possível, tenham um interesse que vá além da atividade ou exposição. Tentamos não perder de vista a utilização remota dos nossos conteúdos e a ideia de produzir cápsulas que sobrevivam o melhor possível ao passar do tempo. Ou pelo menos, que capturem os sinais do tempo da forma mais fiel e transcendente possível.
Em Especiais (www.rwm.macba.cat/es/especials) tentamos ir um pouco mais além. Partindo das exposições, seminários e outras atividades, pretendemos expandir ideias que fazem parte da sua narrativa, mas que não são necessariamente o seu foco ou tese central, com o intuito de documentar e complementar as linhas discursivas a partir de uma perspetiva diferente do que se expõe. E sobretudo, tirar proveito da rádio, o meio no qual nos movemos.
Com exemplos compreende-se melhor. A propósito da exposição de John Cage - A anarquia do silêncio - em 2010, elaborámos dois especiais: um sobre a relação de John Cage com a rádio (como instrumento, como espaço de experimentação, como meio de difusão das suas hörspiels ou rádio dramas) e outro sobre Fluxus, um coletivo vanguardista e muito prolífico do qual fez parte. Ambos eram temas que apareciam mencionados no discurso da exposição, mas que para nós tinham um interesse especial. E isto deu lugar a dois podcasts maravilhosos: Fluxradio, a cargo de Joe Gilmore e Rhiannon Silver (www.tinyurl.com/clovzn5); e John Cage. Apontamentos para uma releitura do “Roaratorio”, a cargo de José Manuel Berenguer e Carlos Gómez: (www.rwm.macba.cat/es/especials/cage_jose_manuel_berenguer-_carlos_gomez/capsula). Outro exemplo é aquele em que estamos atualmente a trabalhar: estamos a preparar um especial sobre a filosofia orientada ao objeto, com entrevistas aos filósofos Graham Harman e Luciana Parisi, e o ponto de partida foi um seminário sobre coreografia expandida, que teve lugar no passado mês de abril.
P: A secção Extra é um arquivo da vossa investigação e trabalho. Como surgiu a ideia de incorporar esta secção?
R: Um dos privilégios de um projeto destas características é que permite aprofundar os temas que tratamos sem as restrições de tempo do meio radiofónico, sujeito a horários de programação, anúncios publicitários, etc. Paralelamente, o formato online permite-nos a acumulação e a conceção do nosso património como arquivo.
Dito isto, a ideia surgiu de uma forma muito natural: simplesmente apercebemo-nos que nos nossos processos de investigação e realização de projetos acumulávamos materiais muito interessantes que ficavam nos nossos discos rígidos mas que se podiam partilhar, ajudando a aprofundar e complementar as diferentes linhas de programação. Trata-se de material muito diverso, desde cenas eliminadas, que surgem das extensas entrevistas que realizamos e que por diversas razões são descartadas do programa final mas que podem ter interesse por si só (www.rwm.macba.cat/es/escenas_eliminadas), até às transcrições dos podcasts (www.rwm.macba.cat/es/transcripcion_tag), que podem acompanhar a escuta e propiciam a reflexão e assimilação de conceitos e ideias. Nesta secção também publicamos conversas com artistas, comissários e colecionadores que realizamos nos nossos processos de investigação. Conceitos como documentação e processos fazem parte do ADN do MACBA, de modo que poder partilhá-los na rádio faz também parte da nossa lógica interna.
P: Há programas que reúnem não só o áudio mas também textos e desenhos. Fale-nos sobre esta combinação.
R: Referes-te com certeza ao maravilhoso Caderno de Yokohama de Llorenç Barber (www.rwm.macba.cat/es/quaderns-audio/qa_yokohama_llorenc_barber/capsula). Foi um puro acaso, um achado inesperado e fantástico. É o que comentava antes... à medida que trabalhamos e investigamos, deparamo-nos com materiais que sabíamos que existiam e que é um luxo e privilégio poder partilhar. Estas partituras gráficas do compositor valenciano Llorenç Barber estavam no seu estúdio, dentro de um envelope manchado, quando fomos vê-lo para uma entrevista. Mostrou-nos as partituras e, apesar de acreditar mais na aleatoriedade do que no destino, a conexão foi imediata: a nossa linha de ensaios digitais tinha exatamente o formato do caderno no qual as desenhou, a modo de passatempo, quando esteve em Yokohama. Llorenç é de uma generosidade imensa e não só nos cedeu as partituras, como escreveu uns pequenos poemas para a publicação.
Fast-forward: há uns meses, recebemos a alegre notícia de que o compositor norte-americano Joel Peterson as ia interpretar em Detroit, razão pela qual mantivemos com ele uma conversa por email sobre o objetivo da interpretação da anotação gráfica, uma das perguntas que nos surgiu quando as publicámos: podem ser interpretadas mais além do que um poema visual? Joel Peterson respondeu-nos: www.rwm.macba.cat/es/extra/conversation_joel_peterson/capsula. Outro momento mágico do acaso...
P: A rádio é mais que um arquivo. É também um espaço expositivo para a arte sonora?
R: Assim como com a prática, apercebemo-nos que a nossa condição de repositório de podcasts online nos tornou num arquivo, e seria um equívoco afirmar que a Ràdio Web MACBA é um espaço expositivo para a arte sonora. A arte sonora e a música merecem espaços nos quais a escuta esteja especificamente desenhada para o seu desfrute e nos quais o artista tome as decisões pertinentes segundo a sua visão. Dito isto, ao trabalhar com artistas sonoros e músicos, encontramo-nos frequentemente com resultados que transcendem o formato radiofónico e situamo-nos num território de ninguém no qual coexistem a arte sonora, o ensaio sonoro e a rádio-arte. Esta foi sem dúvida uma das surpresas mais gratificantes do projeto.
P: Os programas da rádio foram já inseridos numa exposição? Como?
R: Não exatamente. O que nos ocorreu foi que, do mesmo modo que a rádio documenta o fluxo de ideias que circulam no MACBA, abriu-se um vaso comunicante na outra direção: da rádio ao Museu.
Em 2008 realizou-se a exposição Possibilidade de ação. A vida da partitura (www.macba.cat/es/expo-posibilidad-de-accion) e o gérmen desta foi a série de Barbara Held e Pilar Subirà, Linhas de visão (www.rwm.macba.cat/en/linesofsight-tag), que explorava conceitos como transmissão e interpretação no terreno da música, da arte sonora e da rádio-arte. Assim, estamos a levar a cabo uma série de conferências/audições sobre colecionismo sonoro, a partir das quais articulamos a série Memorabilia. Colecionando sons com… Mas temos de deixar claro que o nosso objetivo não é levar a rádio às salas do Museu, mas sim gerar sinergias e facilitar o contexto na qual esta interação faça sentido. A escuta radiofónica requer condições ambientais determinadas, que não se reúnem necessariamente nas salas. Para quê forçar a situação no Museu se se pode consumir tranquilamente em casa, no escritório, no trânsito ou no momento que seja mais conveniente?
P: Qual é o feedback e a aceitação do público em relação à rádio?
R: Através do Twitter da Rádio Web MACBA @Radio_Web_MACBA recebemos feedback constante dos nossos usuários de todos os cantos do mundo. Desta forma, a utilização remota dos nossos conteúdos transcende as ondas hertzianas e a rádio tradicional, com colaborações de diversa índole com estações de rádio à volta do mundo, do México à Nova Zelândia, passando por Nova Iorque e Sydney. Isto é algo que não esperávamos mas que nos enche de alegria.
Paralelamente, vemo-nos cada vez mais reconhecidos não só pelos meios tradicionais como por instituições, criadores e outros agentes que respeitamos, desde Ars Acustica a Kenneth Goldsmith da UbuWeb, Galen Joseph-Hunter de free103point9 ou Vicki Bennett, que recentemente produziu a maravilhosa Radio Boredcast. A nível local também se está a criar uma rede de iniciativas paralelas (RRS, SONM, etc.) muito interessante e cada vez mais ativa.
P: Quais são os objetivos da RWM para o futuro? Como é que esta pode evoluir?
R: Queremos redesenhar o nosso interface e melhorar a sua navegação web e móvel adaptando-a à complexa estrutura rizomática dos seus conteúdos. Não há campos estanques no projeto. Gosto de pensar nas perspetivas impossíveis de M.C. Escher, nas quais todos os caminhos se interligam entre si.
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