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JENS RISCH
12/09/2023
Passadas duas semanas sobre a última lua cheia azul — que afinal não era azul nem mesmo super lua, mas que nos fez parar para olhar para o céu — e depois desta entrevista a Jens Risch, já só consigo pensar num outro fenómeno lunar porvir. Desta feita, uma lua cheia super pequena, há muito em execução, bem antes até de o artista ter nascido, em 1973, em Rudolstadt. O leitor perceberá se escolher ficar connosco até ao fim…ou, até se se sintonizar com O Eterno...
Jens Risch é um artista alemão que vive há muito em Berlim, cuja obra (também) nos fala sobre uma tal lentidão maior que o próprio movimento de uma vida individual. Persegue, como refere nesta entrevista, O Eterno, que em lingua portuguesa transporta consigo uma sonoridade terna…E-terno — A mesma ternura de se saber em boas mãos, paradoxalmente, enquanto sentimento terreno, redescoberto pelo artista este Verão no Promontório da Arrifana, em Portugal. Porventura, a mesma ternura com que o Eterno guia as suas próprias mãos…“o processo trará o resultado” — Eis a verdadeira segurança e possibilidade de libertação esquecida por muitos de nós. Talvez precisemos de nos sintonizar com outras temporalidades...
Através do seu labor diário, i.e., o diligente Ofício de Fazer Nós, revela-nos inusitadas relações entre o seu microcosmos e o Macrocosmos. Mas, também, de como o cósmico se torna facilmente cómico. Jens Risch tem uma poderosa arquirrival.
Tudo está em tudo. E, tudo é uma questão de jogo cósmico com as escalas de tempo e espaço...Estivemos deste sempre ligados — Existe de facto um Lugar Comum, não importa o quão lugar-comum soe esta afirmação.
Esta entrevista foi tornada possível após uma primeira visita à sua cozinha-atelier, na sua casa em Berlim, onde fui gentilmente recebida, no final de Junho de 2023. Conversamos em inglês, mas brincamos com possíveis traduções nas nossas línguas natais. As traduções podem implicar-nos em pertinentes deslocações de sentido; retomar orbitas esquecidas e/ou novas considerações sobre o que é, verdadeiramente, o tempo — Con-sidere-ações; i.e., con sidere (latim), com o imenso espaço sideral em nós. Por um significativo acaso, em lingua portuguesa usamos uma única palavra para nós e nós.
Por Madalena Folgado
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MF: O teu trabalho é sobre nós — afirmação dúbia em português, considerando a polissemia da palavra nós. Vês-te nalgum tipo de processo neurótico, quando tens de atar os teus ou os sapatos de alguém?
JR: Não, são apenas nós funcionais.
MF: Elevemos o tom da nossa conversa biblicamente.
Quando penso no que fazes — e por ter estado na tua cozinha, i.e., o teu atelier — facilmente me lembro da resposta enigmática de Jesus Cristo a Marta, irmã de Lázaro e Maria de Betânia, quando a encontra numa azáfama, entre várias tarefas domésticas, diferentemente da sua irmã que escolhe apenas escutá-lo:
Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada. (Lucas 10:41-42).
Escolhes-te ‘uma só coisa’; porventura, a ‘boa parte’…Fala-nos um pouco do teu Curriculum Vitae — Curso de Vida — e de como, na sua aparente linearidade, surgiu o processo de fazer nós.
JR: Em 1983 a minha mãe quis que eu renovasse o fio de um colar de pérolas. Comprei fio de pesca...enfiei conta por conta...e para fechar o colar dei um nó simples. Mas não segurou. Dei um segundo nó...terceiro...No final, era uma espécie de emaranhado caótico de nós.
Anos mais tarde... do tédio, dei nós num dos meus cabelos...O resultado foi para mim fascinante; estimulou questões como "O que é a forma?", "O que é trabalho?", "O que é arte?", "Para o que é que estou aqui?" Com estes nós e questões, entre outros trabalhos que estava a fazer por essa altura, concorri à Universidade. O meu Professor, Thomas Bayrle, na Städel, Staatliche Hochschule für Bildende Künste, Frankfurt am Main, tinha uma mente bastante aberta e apoiou o meu caminho.
Em 1996 fiz a minha primeira peça de (cósmicos e não caóticos) nós; dei tantos nós quantos os possíveis num cordel de juta de 100m. Seguiram-se nós em cordel de cânhamo (100m). Em Outubro de 2000, realizei a minha primeira peça em fio de seda (1000m). A mudança de magnitude (de 100m para 1000m e de cordel para fio) teve consequências maiores.
O tempo passou a ser um aspecto central no meu trabalho. Para fazer uma peça de seda (1000m), tenho que dar nós aproximadamente durante 1500 horas de trabalho...Isso corresponde aproximadamente a um ano e meio...Significa que desde 1983 até agora a maior parte do meu Curruculum Vitae é um "Caminho de Nós", apertado por mais de 25 peças de nós.
As minhas peças têm viajado pela Alemanha e Europa, através de exposições a solo, duetos e colectivas. Mais recentemente, este ano, para Fürth e Heilbronn; Blind Date com a Batia Suter na kunst galerie fürth, Städtische Galerie; e, Kunst Stoff. Textil als künstlerisches Material, uma exposição colectiva na Kunsthalle Vogelmann, Städtische Museen Heilbronn.
Silk Piece VII, (1000m de fio de seda), 13/01/2017 — 06/29/2018 © Arquivo de Jens Risch
MF: Diferentemente de algumas das principais religiões, nas coisas da arte há que escapar à dualidade — o Bem e o Mal. Mas, como sabes, tens uma poderosa antagonista artística e religiosa…Que mensagem deixarias à Nossa Senhora Desatadora de Nós?
JR: Cara Senhora, posso convidá-la para tomar um expresso na minha cozinha?
Eu mesmo irei moer os grãos frescos.
Estou a pensar Untier & Tier (inglês) em alemão.
(Untier = bruta, monstro).
(Tier = animal).
MF:...Um por um...nós e grãos...
...Ainda assim ambos tem uma espécie de aspecto de Virgem em comum, tendo em consideração o sentido mais subterrâneo da palavra Virgem em grego, enquanto "uma consigo mesma" — A Desatadora e o Atador (Untier & Tier) a trabalhar diligentemente como Um.
O teu trabalho é belissimamente saturado em Presença...Ou, em infinito, como de alguma forma referes em the infinite fineness of the web of causality [1], também mencionando a maior conquista de John Cage — na minha opinião. Neste sentido, a Presença toma o lugar da Ausência; a ausência de "de controlo criativo sobre a sua arte", i.e., a Presença torna-se uma verdadeira experiência de liberdade. Poderias comentar, por favor?
JR: Antropocentrismo, lógica, controlo, exploração...Isto não é tudo. Estou mais interessado em alternativas.
As operações de acaso são uma técnica simples para abrir a tua mente. Simpatizo com o modo do John Cage ver as conecções do mundo. Ele criou uma diversidade divertida.
Eu estou concentrado num só projecto...duas abordagens diferentes...mas ambas com a mesma atitude de que "o processo trará o resultado"...e com o mesmo objectivo: Entrar em contacto com a essência! O Uno está em tudo e tudo está no Uno!
MF: Usas vários tipos e tamanhos de cordas, como também uma vasta variedade de materiais; da seda à linha de pesca, e, o teu próprio cabelo. Este último é usado de duas maneiras, como se estivesses a brincar com as distâncias; encurtando, e, através de um processo de adição, extendendo distâncias. Um destes dias podes vir a transformar um fio (= line) de cabelo (= hair) numa (h)airline company (airline company = companhia aéria)...Já tentaste circunscrever o Aeroporto de Templhofer...Por favor entretece estas duas questões: É diferente trabalhar com uma linha que, literalmente, sai de dentro de ti, a um ritmo biologico? O quão poeticamente distante pode se tornar o processo?
JF: Sim, há uma diferença entre comprar um material e produzires tu mesmo o material. São precisos anos para deixar o cabelo crescer. É um pouco sobre consciência e responsabilidade.
O Holismo é algo que vale a pena para mim. Quando eu uso o meu próprio cabelo, uso o meu ADN e o dos meus antepassados. Mais forte e escuro proveniente do lado da minha mãe...Do lado do meu pai, é mais claro e raramente existe cabelo ruivo. Esta diversidade ajuda-me a entender de onde venho...e que não sou uma ilha. Eu sou e toda a gente está ligada entre si.
MF: Vi uma analogia de imagens entre uma das tuas peças e um rochedo numa praia no Algarve. A tua peça assemelhava-se a uma rocha, embora numa escala menor — ou seria ao contrário? Em geral, os lugares influenciam o teu trabalho, em particular o seu espaço/ritmo interior — inner (s)pace (= espaço e cadência) — e/ou escala?
JR: Este Verão fiquei muito impressionado pela vista das Ruínas da Fortaleza da Arrifana sobre a Costa Oeste Portuguesa e no sentido Norte...As dimensões continentais massivas de terra ...O conjunto formado pelo rochedo acidentado e pontiagudo fazendo frente e criando perspectivas até longa distância...Fez-me sentir pequeno e em boas mãos.
Um outro aspecto do espaço é o lugar...devido ao facto de eu dar nós todos os dias, os meus ambientes de trabalho são muito variados...No Verão tento o mais e sempre que possível trabalhar no exterior...Em Berlim a nossa cozinha é o meu espaço favorito. Por vezes tenho de trabalhar num quarto de hotel que pode ser apertado...No combóio ou no carro não posso trabalhar por causa do balanço...
Mas de avião....É realmente especial mover-me a 900 kilometros por hora sobre as nuvens e dar nós ao mesmo tempo (18 centimetros por hora). Quando olho para as minhas peças, vejo uma paisagem da minha vida...preenchida por tempo e emoções experienciados...pequenina e enorme ao mesmo tempo.
MF: Sou particularmente interessada pelo trabalho da Batia Suter pelo modo como as imagens são colocadas em relação umas com as outras, evocando coisas sem as representar; são uma aproximação possível ao Real (o real lacaniano, e portanto não a realidade). Assim como no teu trabalho, existe esta inextricável, e deste modo, inefável qualidade, que literalmente ocupa lugar; corporiza o espaço, mesmo que, no caso da Batia, o espaço seja o espaço de um livro, ou entre livros. Para mim, que monto imagens e também escrevo, as imagens da Batia convocam uma tal textualidade, contexto ou experiencia de textura textil, onde nos tornamos conscientes do espaço entre linhas. Elas não são unidimensionais, pode-se sentir o atrito tanto quanto a atração entre si — O campo magnético.
O teu recente Blind Date (= encontro às cegas), na kunst galerie fürth com a Batia Suter despertou o(s) sentido(s) em mim. Não foi sobre os encontros românticos na contemporaneidade...ou até mesmo profissionais, precedidos de um utilitário processo de recolha de dados, envolvendo formas subterrâneas de legitimação artística. Para mim, o vosso encontro é mesmo sobre o excesso de ver a partir da cegueira. Fala-nos por favor desta exposição:
JR: Conheço o trabalho da Batia a partir do seu projecto Parallel Encyclopedia. Uma série de livros de artista com imagens recolhidas de diferentes fontes e contextos, organizadas em quadros...de modo simplesmente associativo...após a sua intuição. Instantaneamente senti-me familiar com a sua visão...Pensei que ela estaria à procura da mesma coisa que eu, contudo, de um modo diferente. A estratégia da Batia é inclusiva por relação a essa mesma coisa. Eu ao invés tento excluir quase tudo; reduzo as minhas possibilidades a um simples fio...Onde é que estas diferentes abordagens se tocam entre si? Esta questão inspirou-me a convidar a Batia para um dueto na kunst galerie fürth em Fürth, no Sul da Alemanha, e ela aceitou. Intuitivamente, pensei que poderia acontecer uma interessante combinação.
O nome da exposião foi Blind Date porque nós nunca nos havíamos conhecido antes, e porque foi planeado um cenário aberto de novas obras. Eu fiz uma peça de grande escala; a minha maior peça, uma peça de corda chamada Knotenzyklus (cinco cordas, cada uma com 100m).
As obras da Batia dialogaram com Knotenzyklus no espaço da galeria: Próximo, estava uma obra de parede, uma espécie de relevo fragmentado feito de embalagens descartáveis de fruta, recolhidas do mercado; e uma outra obra de parede chamada Maxiscule, com impressões de imagens de estrelas, galaxias e frutos apodrecidos. Ver esta constelação pela primeira vez fez-me sentir realmente surpreendido com as diversas sobreposições e ecos.
MF: Uma linha pode evocar muitas coisas e experiências...Contudo, é preciso discip-lin(h)a. Para nos encontrarmos contigo, é preciso ter o teu email ou o teu número de telefone de casa; não tens telemóvel — para alguns de nós, não ter telefone, redes sociais ou estar off-line é igual a não existir; o que, paradoxalmente, nos força a enfrentar o derradeiro nó existencial.
É o teu trabalho um posicionamento disciplinado integrado ante a sobrestimulação; o excesso de informação prolixa, diferente de um excesso que emerge enquanto dom através da arte?
JR: Podes ver desse modo se quiseres. Eu trabalho tanto quanto possível sem nenhumas intenções...apenas executo o que o Eterno deixa jogar em mim; me inspira a fazer. O Eterno é o único material/ coisa/ assunto no qual estou permanentemente interessado.
MF: É para mim claro que não crias 'coisas para serem vistas', antes:
[...] raras obras que extendem, enquanto distinto de transpor, a experiência do espectador [...] [tais trabalhos] nunca removem aparências ao corpo de significado essencial e específico atrás de si. Elas não esfolam os seus objectos. Negam a validade de qualquer prémio exterior. (John Berger). [2]
...Contrair com nós, é para mim extender dentro. O teu trabalho é sobre todos nós. Obrigada Jens.
MF: O que vem a seguir, que já está a acontecer; in continuum?
JR: No dia anterior a ontem, terminei Piece11 (1000m de fio de algodão, sete vezes atados, 17/06/2022 — 06/09/2023, 8 x 12 x 8 cm). Ontem começei a Piece12 (no mesmo material). Um outro projecto em curso é em fio de cabelo branco (da minha cabeça)....O objectivo é atingir um kilometro...até ao momento tenho quase 600m recolhidos. A forma final será uma esfera brilhante...como uma pequena lua.
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Notas:
[1] Libreto concebido por Jens Risch, em conjunção com a exposição colectiva The Forces Behind the Forms. Geology, Matter and Process in Contemporary Art, 2016, (Jonathan Bragdon, Nina Canell, Julian Charrière, Olafur Eliasson, Ilana Halperin, Rogers Hiorns, Per Kirkeby, Katie Paterson, Giuseppe Pepone, Jens Risch & Guests, Hans Schabus, George Steinmann), que teve lugar na Galerie im Taxispalais Insbruck, Kunstmuseen Krefeld, Museen Haus Lange Haus Esters and Kunstmuseaum Thun.
[2] Tradução livre.