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ALEX KATZ
Uma noite, em Fevereiro passado, o artista Alex Katz realizou uma pequena reunião informal no seu estúdio no SoHo, exibindo uma série de pinturas recentes. Entre elas estava uma paisagem monumental, azul, cinza e branca com árvores invernosas. Outra era um retrato aproximado de uma mulher de camisa preta, a sua imagem repetida cinco vezes – não no modo de impressão pop com uma duplicação infinita, mas num formato de ecrã dividido do cinema New Wave em momentos de mudança, íntimos. (Havia também uma particularmente atraente pintura de pequenas dimensões de um cão pastor na entrada.) O estúdio de Katz, para onde se mudou no final dos anos 60, é um dos raros remanescentes espaços artísticos de trabalho ao vivo que ainda existem no bairro – não foi amputado ou remodelado ou inundado por designers de interiores; é apenas este encantador e quente sótão com piso de linóleo, que ocupa a sua secção estabelecida no edifício. Por outras palavras, parece mais um quarto real porque não foi obsessivamente pensado ou reconsiderado ou diminuído por modas passageiras. O trabalho de Katz não é assim tão diferente disto.
Como qualquer mestre, o artista de 88 anos de idade desenvolveu um estilo autoral com um espaço colapsado de pintura; planos achatados, assuntos condensados; cores brilhantes e antigas – isto é imediatamente identificável como um Katz e ainda assim consegue existir nalguma realidade fora do tempo ou das tendências. É um auto-proclamado candidato à procura do Agora, mas eu diria que ele é mais um ilusionista do eterno presente. As suas paisagens e retratos fazem-me logo lembrar os álbuns de fotos pessoais na maneira solta e enquadrada como capturam o momento sincero e temporal, e as gravuras japonesas com o seu imaginário altamente modificado e compreensivo. Também não é uma surpresa pensar nele mais em jeito de poeta da New York School, como Frank O´Hara, em vez dos seus contemporâneos pintores pop ou expressionistas abstratos – a poesia transcende onde a pintura tende a permanecer confinada ao seu movimento e lugar. Isso não significa que Katz tenha parado de experimentar. Sempre inspirado pelos meios de comunicação, tem recentemente usado fotos tiradas com o seu iPhone como fonte de material.
Este verão tem três exposições em mão, começando com a Gavin Brown´s Enterprise, onde mostra novos trabalhos sobre papel; uma exposição inaugurada em Junho na Serpentine Gallery, em Londres, que incluiu esculturas exteriores de silhuetas de banhistas feitas de porcelana; e outra exposição a partir de Junho no Center for Maine Contemporary Art, que inclui 52 pequenas pinturas em cartão que o artista criou ‘en plein air’ na e em torno da sua casa de verão.
O artista Rob Pruitt visitou Katz no seu apartamento no SoHo para falar sobre a sua vida, o trabalho, o interesse na moda e, sem qualquer temor, das suas pinturas fazerem par com a mobília. Se a memória de Pruitt não falha, os dois artistas encontraram-se pela primeira vez há 17 anos, quando Pruitt o convidou a vender algo na sua primeira feira de tralhas na galeria de Gavin Brown; Katz escolheu canecas de café com uma pintura que ele tinha feito da sua mulher, Ada.
Christopher Bollen
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Rob Pruitt: Fala-me sobre a tua rotina diária. Muda de estação para estação?
Alex Katz: Há uma grande mudança em breve porque eu vou para o Maine durante três meses no verão. Comecei a ir para lá quando tinha os meus vinte anos. Na cidade, eu acordo, faço calistenia, corro e vou buscar o papel. No campo, eu acordo, tomo o pequeno almoço e vou trabalhar.
RP: Então deixas de lado a calistenia no campo?
AK: Oh, não! Eu faço calistenia também no campo. Mas não corro. Além disso, tomo um banho na cidade. Mas no campo tomo um duche de tarde. Isso é uma grande diferença. [risos]
RP: Que tipo de calistenia é que fazes?
AK: Isso varia um pouco. Eu era atlético quando era jovem. Tive um trabalho durante dez anos a esculpir molduras, que era muito físico. Depois quando me tornei crítico convidado em Yale parei de fazer coisas físicas. Também saía muito para bares. Na altura em que estava nos meus trintas já não me sentia tão atraente. Então parei de ir a bares e comecei a ir para o ginásio. Parei de fumar também. Fazia natação, corrida e basketball em dias diferentes. Nos meus quarentas fiz corrida a sério. Comecei a ter lesões nos meus cinquentas, por isso abrandei da corrida para o jogging, que não coloca qualquer pressão sobre as pernas. Agora pela manhã faço alongamentos, flexões e agachamentos como meu principal exercício. E corro um quarteirão e, em seguida, faço um sprint noutro.
RP: Eu sou o oposto. Odeio ter de ser desportivo e atlético. Desejava sê-lo, , mas simplesmente não nasci assim.
AK: Fui criado em Queens. Era o início dos subúrbios. Havia imensos miúdos atléticos lá e eu cresci com esses tipos. Jogava à bola o tempo todo. Depois havia estes dois artistas que eu conhecia e que não eram atléticos. Eles eram realmente interessantes. E havia um outro tipo, eu não sei se ele era gay, mas era efeminado. Gostava de teatro e queria ser um atleta do bastão.
RP: [risos] Vês, esse sou eu, mas demasiado descoordenado para rodopiar.
AK: Fui a peças com ele. Portanto, realmente tive este equilíbrio muito bom ao crescer. O pai de um dos artistas afundou-se num navio durante a guerra e ele saiu da Pratt para sustentar a família e começou um negócio de design de interiores. Deu-me livros sobre Mondrian. E estava a trabalhar num catálogo e perguntou-me: "Porque não o ilustras?" Eu tinha 16 anos. Ele tinha 19. Então comprámos um aerógrafo e eu fiz estas ilustrações para ele. O outro amigo artista que tinha teria competido com Andy Warhol. Ele era simplesmente brilhante. Abandonou a escola de comércio. O professor perguntou: "Porque é que desistes da escola? Tu és tão bom." Ele disse "Porque não tem nada mais para me ensinar." [Risos] Mas aos 19 anos era um diretor de arte fazendo imenso dinheiro. Foi para os fuzileiros navais e quando saiu conseguiu um emprego melhor. Quando finalmente o encontrei outra vez nem estava mesmo a fazer trabalhos artísticos. Disse: "Eu pago a pessoas para fazer isso."
RP: Gostava de saber se ele sentiu que fez todas as escolhas certas.
AK: Bom, ele sentia-se muito bem. Podia fazer tudo.
RP: Vocês os dois foram para a mesma escola de comércio para arte.
AK: Sim. Na escola de comércio se aparecesses e te sentasses no teu lugar terias um 80.
RP: Mas a Cooper Union, para onde foste depois, era mais desafiadora.
AK: Eu vim logo após a guerra. Havia imensos veteranos naquele ano que tinham acabado de chegar e eram muito sérios e extremamente competitivos. Muitas pessoas não conseguiam libertar-se da tensão. Das 90 pessoas que começaram apenas 60 se formaram. Nova Iorque era mais ou menos provinciana na época e a Cooper Union foi uma das poucas escolas sofisticadas.
RP: Sei que um dos teus professores foi Robert Gwathmey. Os pais do meu marido têm uma das suas pinturas por cima da lareira.
AK: Ah, sim. Ele era o paraíso. Estava sempre a dizer-me que eu era um artista. Disse: "Ouve, Alex, faz-me uma coisa política. Eu coloco-a na minha galeria." Mas eu não conseguia. Odiava a política. Estava tão envergonhado. Nunca suportei a política.
RP: Gostaste da escola de arte?
AK: Sim. O momento mais feliz da minha vida foi na escola de arte. Eu não tinha que trabalhar. Tive assistência do estado porque estive na Marinha durante um ano. Portanto tinha muita sorte. E joguei basketball pela Cooper Union. Ganhei o concurso de oratória pública. Tinha uma namorada muito bonita. [risos]
RP: Eras ouro! A vida não poderia ser melhor.
AK: Tinha uma aptidão fantástica, mas não tinha nenhuma verdadeira competência. Decidi só que durante um ano e meio na escola eu iria passar toda a gente. E assim o fiz. Comecei a ter um vontade férrea, que continua até hoje.
RP: Talvez tenha a ver com a tua capacidade atlética. Por outro lado, as tuas pinturas parecem muito fáceis de fazer, e ainda assim eu também estou ciente de que elas exigem muito esforço físico.
AK: É físico.
RP: É por isso que eu estava a perguntar qual era a tua rotina diária. Eu posso relaxar durante horas e procrastinar, mas tu pareces ser o oposto disso. Pareces muito focado.
[versão portuguesa do original inglês publicado na revista Interview a 5 de Março de 2016]