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ALEXANDRA CRUZ
30/05/2025
Em Oslo a criar diálogos transdisciplinares na arquitetura
“A minha maneira de usar o cérebro, perceber os problemas e as metodologias do processo criativo vem muito da arquitetura.”
Estudou Arquitetura na Universidade de Lisboa, mas a visão transdisciplinar e a necessidade de estabelecer diálogos com o design, o cinema e as artes performativas levaram-na a procurar, no início de carreira, novas abordagens e processos de descoberta que possibilitassem o testar e o falhar, bem como pensar como é que o sujeito ou o corpo humano habitam o espaço, para além do desenhar e do construir. Depois de um estágio com o arquiteto e seu professor na licenciatura Manuel Aires Mateus, no Atelier Aires Mateus & Associados, de trabalhar em dois projetos como assistente do arquiteto João Mendes Ribeiro e de colaborar com o artista-fotógrafo Daniel Blaufuks, Alexandra Cruz decidiu que o caminho também passaria pela cenografia. Para consolidar conhecimentos, realizou um Master of Arts em Cenografia, na Central Saint Martins, em Londres, que englobou um intercâmbio de três meses na Escola de Art e Design de Zurique, onde trabalhou com filme, storytelling e dramaturgia.
De regresso a Portugal, foi convidada para desenvolver o conceito expositivo e desenhar a instalação no âmbito das comemorações do aniversário da Casa de Serralves, Serralves 1940, com curadoria de Victor Beiramar Diniz, inaugurada em 2004. No mesmo ano, assinou a cenografia da peça “Vagabundos de Nós, no Teatro Maria Matos, com encenação de Luís Osório, a partir to livro de Daniel Sampaio, e interpretação de Márcia Breia e Nuno Lopes.
Das intersecções entre territórios que se misturam e, por vezes, se fundem, acabou por ser convidada, em 2004, por Manuel Henriques, à época coordenador do Gabinete de Arquitetura e Design, da Direção-Geral das Artes, do Ministério da Cultura, para se juntar à equipa. Contribuiu para a coordenação e organização das representações portuguesas na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2004, Bienal de São Paulo 2005 e na Bienal de Veneza de 2006, altura em que acabou por abandonar tudo para viajar o Norte da Europa. Quis o destino que Alexandra Cruz estivesse no lugar certo à hora certa. Desde essa altura que integra a equipa da Trienal de Arquitetura de Oslo. Quase vinte anos depois, a arquiteta, cenógrafa e responsável pelo programa e colaborações internacionais no âmbito da Trienal norueguesa continua a aplicar a mesma abordagem transdisciplinar e de diálogo de convergência entre a arquitetura e a arte contemporânea.
Por Fátima Lopes Cardoso
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FLC: Como é que recorda o trabalho que desenvolveu no Instituto das Artes, especificamente na representação portuguesa na Bienal de Veneza de 2005 e 2006?
AC: O tema da representação portuguesa na 9ª Bienal de Arquitectura de Veneza intitulava-se “Metaflux-Duas Gerações da Arquitectura Portuguesa Recente”. A exposição foi comissariada por Luís Gadanho e Luís Tavares Pereira. O meu papel no Instituto das Artes, juntamente com o arquiteto Manuel Henriques, era a parte da coordenação, organização e produção. Nos projetos da Bienal de São Paulo, em 2005, com curadoria do arquiteto Pedro Bandeira, e Veneza em 2006, com curadoria da arquiteta paisagista Claúdia Taborda e do compositor Ricardo Jacinto, assumimos exatamente as mesmas funções. A curadoria em São Paulo foi do arquiteto Pedro Bandeira.
Existia sempre uma dimensão crítica e um dominador comum: trazer a arte para a arquitetura; onde estão as fronteiras e como é que se cruzam? Foi uma altura com muita energia e espaço para poder definir direções e experimentar. Tenho ótimas memórias desse período.
FLC: Vinte anos depois, qual entende ter sido o seu contributo maior para a divulgação da arquitetura nacional?
AC: Os projetos e as iniciativas que desenvolvemos no Gabinete de Arquitetura e Design, do Instituto das Artes, foi sempre um trabalho de uma equipa grande na qual estava envolvida. Acho que se mostrou as representações oficiais com profissionalismo. Foi a partir desse momento que comecei a ter a noção do que é montar um projeto, trabalhar na produção, mediar colaborações, o que é preparar uma disseminação. Proporcionou a viragem no meu percurso profissional.
FLC: Como é que aconteceu a mudança de direção, de Sul para Norte?
AC: Quando vim para Oslo, acabei por mergulhar na cidade. Na altura, a mudança aconteceu por razões pessoais. Decidi despedir-me e vir. Tinha a ideia inicial de ficar um mês. Na altura, Oslo era muito exótico para mim. Não havia tanta informação como hoje sobre a arquitetura norueguesa. O discurso da arquitetura nórdica estava dominado pelas tendências da geração dos anos 2000 da Dinamarca.
Esse desconhecimento aliado à vontade de perceber e de explorar a natureza e o território levaram-me a permanecer. Cheguei em julho de 2006, que é o mês de férias na Noruega, e comecei a trabalhar em agosto. Na altura, fui bater às portas e, por coincidência, conheci o arquiteto Gary Bates, que tinha sido nomeado para ser o curador da Trienal de Oslo, em 2007. Quando viu o meu currículo e experiência, entendeu que eu era a pessoa certa para trabalhar com ele. De repente, acabada de chegar, estava na equipa curatorial da Trienal de Oslo 2007. No início, a posição era mais de assistente, de colaborar na investigação e montar as diferentes fases do projeto. Mas foi uma oportunidade excecional de ter uma overview daquilo que se passava. Saber quem estava a fazer o quê, ter acesso a conversas, às ideias; colaborar com diferentes arquitetos e organizações, como o Museu e a Faculdade de Arquitetura. Não podia ser melhor.
FLC: Como é que descreve a experiência de ser uma arquiteta portuguesa em Oslo?
AC: É muito interessante. Sempre me mantive na arquitetura do lado mais institucional, a trabalhar com programas, mediação, coordenação, com conceitos, festivais, o que é um pouco singular. Claro que existe toda uma lógica de trabalho diferente da de Portugal. O contraste evidencia-se mais nos arquitetos que trabalhem num escritório ou atelier. No meu caso, a diferença não é tão significativa. Aprecio muito as rotinas laborais na Noruega. No dia a dia, há um imenso respeito por aquilo que é o espaço pessoal e da família. É muito bom e, para mim, é imprescindível. Tenho dois filhos e, quando eram pequenos, era preciso levá-los à creche, ir ao supermercado... Todos percebem por que existe um respeito pela família que está estabelecido socialmente. Faz parte do sistema. Não há pressão social. Mas ao mesmo tempo, os dias são muito compactos. A maneira de trabalhar é muito eficiente, muito focada e produtiva. Como toda a gente tem os mesmos desafios, tudo funciona de forma planeada. O sistema está preparado para que assim seja.
FLC: O que é que a arquitetura lusa pode aprender com a norueguesa, nomeadamente, nas questões da sustentabilidade?
AC: Em Portugal, existe o problema dos automóveis. A Noruega tem investido de forma considerável na mobilidade sustentável para retirar os carros do centro e promover a cidade para o peão - também muito influenciado pelo movimento do arquiteto dinamarquês Jan Gehl, de valorização da vida dentro dos edifícios. Existe, de facto, uma preocupação em criar uma cidade para as pessoas. Em Portugal, deveria ter lugar uma restruturação do espaço público, como já aconteceu na Noruega com o projeto piloto Levine gater, que significa ruas com vida: NLA - Kirkegata og Gata Grønland. Implementado de forma faseada, o objetivo era retirar o trânsito de algumas ruas para mostrar o potencial e a qualidade do espaço ao transformá-las em zonas pedonais. No princípio, houve uma certa resistência da população, mas quando percebeu a qualidade de vida que proporciona, as pessoas aceitaram muito bem.
É um projeto que está em desenvolvimento e com muito sucesso. Oslo tem muitos espaços verdes, os chamados corredores verdes. Também é uma cidade com uma escala diferente, em que é possível andar muito a pé. Por isso, existe a preocupação de classificar árvores centenárias e manter os espaços verdes.
Não acompanho tão de perto as medidas políticas, mas costumo ir a Portugal três vezes por ano e noto que existe uma mudança, uma direção que espero que se mantenha. Também há mais espaços verdes, bicicletas, ciclovias que revelam uma necessidade de transição.
FLC: A presença de arquitetos portugueses em cidades como Oslo é significativa. A Noruega oferece mais oportunidades criativas do que Portugal, sobretudo, por ser um país mais rico e onde a cultura é mais valorizada?
AC: Não sei exatamente quantos existem. Mas posso dizer que vim em 2006 e conhecia talvez uns três. Depois de 2008, com a crise económica, a comunidade de arquitetos portugueses na Noruega aumentou bastante, em especial em Oslo, quando deixou de existir condições para trabalhar em arquitetura em Portugal. Imagino que tenha aumentado em Oslo, mas também noutras cidades.
Do que conheço dos arquitetos que ficaram, se estabeleceram e criaram famílias em Oslo, é que estão completamente integrados, em ateliês ou a lecionar. A educação da arquitetura em Portugal é bastante valorizada na Noruega. Nota-se o reconhecimento da qualidade da formação e considera-se que as licenciaturas portuguesas de Arquitetura combinam muito bem a teoria e a prática.
FLC: Siza Vieira ou, entre outros, Sotto Moura, com obra reconhecida nos Mies von der Rohe, têm sido bons embaixadores da arquitetura portuguesa.
AC: Evidentemente que esses nomes abrem as portas para as novas gerações. Se perguntarmos a arquitetos e professores da Escola de Arquitetura se conhecem a arquitetura portuguesa, com certeza que sim. Tanto assim é que têm sido convidados arquitetos portugueses para vir a Oslo e vice-versa. Existe esse interesse. Culturalmente, há uma relação muito forte entre a Noruega e Espanha, que até acaba por ser o destino de férias das famílias norueguesas. Contudo, dos contactos que tenho, vejo também muito interesse por Portugal e Porto, pelas cidades portuguesas e pela natureza. Tanto da parte da cultura como da arquitetura.
FLC: Tem identificado mudanças profundas nos projetos e tendências de curadoria de arquitetura apresentados?
AC: Para além de existirem preocupações sobre os temas e os conteúdos, é identificável uma transformação na curadoria e que tem a ver com a transição que aconteceu, também, na arquitetura. Nos anos 90 e no princípio de 2000, quando estudei, dominava o papel do arquiteto, que era o autor que desenhava um edifício icónico. O desenho e o edifício eram muito valorizados. Atualmente, a arquitetura é entendida de forma bastante diferente. O destaque não é tanto no edifício e no seu autor, do desenho enquanto forma, mas é mais vista como uma possibilidade que proporciona diferentes tipos de organização da sociedade, com constante preocupação com os três pilares da sustentabilidade: ambiental, económica e social.
É uma tendência que se verifica nos ateliers da Noruega que dispõem de equipas transdisciplinares, com elementos das ciências sociais, ou seja, sociólogos a trabalhar com arquitetos não só numa etapa do projeto, mas em tudo: nas estratégias; perceber essas duas dimensões, a parte social e a física, como se complementam. Isso faz com que se transfira o poder que estava concentrado no papel do arquiteto para o processo, o trabalho e o que significa o edifício, não como o desenho perfeito, mas que permita uma determinada performance, vida, experiência e habitat.
As novas gerações estão genuinamente preocupadas com a parte da sustentabilidade. É uma prioridade. Não é uma urgência de desenhar um edifício de raiz, mas sim como é que se mitiga o impacto ambiental, quer através da transformação do edifício como de uma intervenção que não é virada para a marca do autor, mas para o planeta e a coexistência entre as várias espécies.
O pensar o curador como uma pessoa distante e que tem uma ideia genial tende a desaparecer. Tudo se está a diluir para um trabalho coletivo de pensar em conjunto e centrado no que é um processo. Na trienal, estamos a testar o modelo coletivo, em que o curador é um mediador de diálogos, de colaborações e prevalece uma narrativa com a participação de várias pessoas. A curadoria está a alterar-se para modelos de inclusão, partilha e colaboração.
Ecologia de relações
FLC: Nos diversos eventos que tem organizado e participado, sempre valorizou a transdisciplinaridade entre a arquitetura, a arte e o design. Como é perspetiva que estas áreas possam estabelecer um diálogo criativo?
AC: No fundo, o que interessa perceber é um contexto. Nos trabalhos desenvolvidos nas trienais de Oslo, os temas têm sempre um carácter contemporâneo. Queremos perceber o agora, o tempo em que vivemos, quais as questões importantes com as quais nos debatemos enquanto sociedade, como é que a arquitetura pode desempenhar um papel e contribuir para percebermos e nos orientarmos nesse contexto. Como não vivemos em silos, a complementaridade e a transversalidade fazem muito sentido. A minha relação com a arquitetura foi sempre perceber esta área para além do espaço e do que se projeta nele. A minha maneira de usar o cérebro, perceber os problemas e as metodologias do processo criativo vem muito da arquitetura.
No fundo, sempre quis perceber e identificar o papel da arquitetura na forma como nos organizamos como sociedade; como cria os espaços em que habitamos e como influencia a nossa vida; se permite o contacto com os vizinhos, se vivemos mais sozinhos ou mais em comunidade, como nos deslocamos e para onde. Tudo acaba por ser um resultado do espaço onde habitamos. Como é que a arquitetura define e dá forma às diferentes culturas. Mais do que desenhar e projetar um edifício, esta sempre foi a perspetiva que me interessa na arquitetura: como é que a ecologia de relações acontece.
FLC: A Europa atravessa momentos de profunda transformação social, política e cultural. Como é que a arquitetura consegue responder e acompanhar essas mudanças?
AC: É importante perceber a relação da arquitetura como uma forma de democracia e de inclusão, e não de exclusão. Outro aspeto muito importante é o lado da saúde, não só física, mas também mental. A arquitetura deve promover uma cidade com espaços verdes e que seja agradável para se viver, para se poder andar, usufruir e respirar. Espaços onde as pessoas se podem conhecer e apoiar. São questões muito fortes que a arquitetura deve trabalhar: a sustentabilidade social. E depois, a sustentabilidade económica. A partir daquilo que são os recursos, o que é podemos partilhar e o que deve ser individual ou coletivo. A este nível, justifica-se pensar como é que a forma de habitar pode mudar para que seja mais partilhada até mesmo a nível de edifício. Porque é que uma escola que funciona das 9h00 às cinco da tarde, depois de terminar as aulas, não pode ser um centro para atividade de idosos ou um lugar de aprendizagem de línguas para adultos, etc. Podemos perceber como é que os lugares podem ter ciclos diferentes. Agora há um movimento, um moratório na arquitetura, que advoga que não podemos continuar a construir; que há que parar, perceber o que existe e como é que pode ser aproveitado. Há esse lado que a indústria de construção tem e como é que se pode mitigar esse efeito e encontrar modelos ambientais. A parte da sustentabilidade ambiental é muito forte na Noruega. Há uma noção e uma atenção muito forte em relação ao espaço público e que faz com que a qualidade seja muito elevada.
FLC: Em Portugal, tal como noutros países da Europa, existe uma crise na habitação. Como é que a arquitetura olha para o problema?
AC: A crise da habitação também existe na Noruega, apesar de ser um país com um estado social muito sólido. As escolas, de elevada qualidade, são gratuitas, tal como a saúde. Há uma presença muito forte no apoio do Estado aos cidadãos. No entanto, este modelo de welfare state não se verifica na habitação, que é predominantemente privada. Existe habitação social, mas não há affordable housing (casas a preços acessíveis). Em Copenhaga, existe um programa muito estabelecido, mas o mesmo não acontece na Noruega. E é um paradoxo porque a habitação não acompanha essa filosofia de estado social e é um regime privado, que envolve todos esses problemas da crise habitacional. Não se consegue adquirir casa com o ordenado. O acesso à compra de um imóvel só é possível para aqueles que já têm dinheiro dos pais. A discussão do momento é se é necessário construir. Mas será que existe mesmo falta de habitação ou as casas estão fechadas com um fim de lucro ou de financiamento do turismo? Há muitas variáveis que deveriam ser identificáveis para perceber melhor como encontrar soluções.
A arquitetura como processo regenerativo
FLC: Integra a equipa da Trienal de Oslo desde que chegou, em 2006. O que pode revelar sobre a próxima edição?
AC: Era para acontecer no próximo outono, mas passou para 2026. Já definimos o tema, que é uma pergunta: “What If Nature Comes First?”. Tem uma preocupação com a necessidade de fazer investigação, olhar para o tempo em que existimos e perceber quais são as questões urgentes, os desafios com que nos deparamos e entender a arquitetura de um ângulo mais amplo, como um ecossistema onde se considera as questões da sustentabilidade, da ética, entre outras. Se pensarmos “what if nature comes first?”, o que influencia a forma de pensarmos, como é que nos organizamos como sociedade, planeamos as nossas cidades e resolvemos os sistemas de mobilidade? O que acontece se fizermos esta transição de deixar de pensar de forma linear e antropocêntrica para seguir um modelo circular em que a natureza venha primeiro. Estamos a discutir e a tentar perceber com que materiais trabalharíamos se a natureza viesse primeiro, como pensaríamos o espaço edificado. Tem muito a ver com a adaptação e transformação de edifícios. Em vez de pensar em construir novo, apostar em recuperar o que já existe. Segue muito a linha do pensamento regenerativo. Como é que podemos pensar nos espaços, nos bairros ou sistemas urbanos sem criar danos ou distúrbios na natureza, mas sim efeitos positivos.
FLC: O arquiteto japonês Kengo Kum, responsável pela intervenção do Centro de Arte Moderna e jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, está a trabalhar na recuperação de três aldeias abandonadas na Serra da Lousã, para fins turísticos. Seria uma boa tendência regressar aos lugares onde o homem sempre viveu em harmonia com a natureza?
AC: Uma das possibilidades que discutimos muito é a ideia de começar a pensar no contraste entre o que é a cidade e o que é território fora do território urbano. Aldeias que estão abandonadas e que se está a tentar perceber como é que estes espaços podem ser regenerados para terem uma nova vida e dinâmica. São perspetivas interessantes. Com a pandemia, percebeu-se que é possível trabalhar em sítios remotos. Estar em comunicação torna mais possível as pessoas poderem dispersar pelo território e não estarem concentradas na cidade; criar novas comunidades noutro sítio. Há a exaustão e que põe em risco a saúde mental por causa do ritmo da cidade ser muito extenuante, criando perda de contacto com a natureza. Como é que podemos encontrar modelos de coexistência com a natureza e com outras espécies. Não conheço o projeto do Kengo Kum, mas a tendência poderá ser perceber como é que se pode conviver em diálogo. No entanto, é fundamental que estas intervenções não acabem por transformar estas zonas em sítios turísticos, clusters parados no tempo com uma única função de receber visitantes que acabam por ir embora. É importante respeitar os recursos, não extrair, respeitar os espaços e cuidar deles de forma regenerativa para poderem desenvolver-se criando e mantendo sempre laços com as populações locais.
FLC: De que forma essas preocupações com o outro podem melhorar a paisagem?
AC: É um movimento que está a acontecer agora. Com a preocupação em criar espaços verdes, surge a questão de como podemos incluir outras espécies na cidade, o que gera uma alteração da estética desses lugares públicos. É possível existirem borboletas e abelhas, porque são necessárias para a polinização. Não precisam de ser espaços verdes estéreis e que só servem para contemplar, mas sim que promovam a biodiversidade dentro da cidade. Antes, eram espaços com relva, que era cortada de forma perfeita, com a estética do jardim, agora são ambientes mais espontâneos, que se adaptam muito mais a promover a coexistência entre a diversidade. A prioridade não é ser um espaço mais estético e controlado, mas sim como pode ser um habitat para essas espécies. E esta tendência pode funcionar como paralelo para pensar a arquitetura não como lugares polidos e perfeitos, mas com estes ajustes, reutilização de materiais, utilização de materiais de outros edifícios. Ou seja, como é que toda esta parte da economia circular irá resultar numa nova forma de manifestação estética.
FLC: Tem algum lugar ou edifício onde gosta de regressar ou que gosta de contemplar, sempre que vem a Portugal?
AC: Sempre gostei da escala da Avenida da Igreja, com passeios largos, lojas de bairro, cafés e da sombra das árvores.
FLC: Imagina-se a voltar a viver e trabalhar no país?
AC: Neste momento, não penso nisso, mas mantenho um diálogo muito atento e bastante constante com Portugal, em especial com a Trienal da Arquitetura de Lisboa. Aliás, somos membros de uma network europeia na qual nos encontramos duas vezes por ano. Além disso, conheço as pessoas que trabalham na exposição, mantemos contacto e estamos a par do trabalho tanto desenvolvido pela Trienal de Lisboa, como eles na de Oslo. Curadores portugueses também se têm destacado com projetos na área da curadoria de arquitetura. Por exemplo, André Tavares que trabalhou em colaboração com o professor norueguês Karl Otto Ellefsen, da Escola de Arquitetura e Design de Oslo. Paulo Moreira, que já contribuiu para a Trienal de Arquitetura de Oslo. Professores de arquitetura paisagista que vieram ensinar e participar em conferências. Há uma atenção da Noruega para com Portugal e também existe do outro lado. O cenário ideal seria trabalhar nos dois territórios. Como é que eu poderia contribuir com os meus conhecimentos e rede para ligar estes dois países, que têm muito em comum: estão os dois situados em duas margens do continente europeu, têm uma linha de costa bastante extensa e com uma cultura marítima forte. Há pontes de contacto a nível cultural. Aqui, com os meus filhos, falamos português. Quando estamos em Portugal, também infiltramos o que trago da Noruega. São cruzamentos interessantes.
FLC: O que espera da Trienal de Arquitetura Lisboa, cuja 7ª edição se realiza também no próximo outono, para responder a estas transformações?
AC: Gosto muito do tema que escolheram: “How Heavy Is a City?” (Quando Pesa Uma Cidade?). As equipas de curadores e organizadores da representação de Oslo, Lisboa e da Helsínquia encontraram-se na Bienal de Veneza, que começou a 20 de maio e decorre até 23 de novembro de 2015. Já que estávamos lá, realizámos uma colaboração muito espontânea. Foi uma conversa sobre preocupações comuns transversais aos três temas. Como existiam ponto de contacto entre temas, resolvemos criar uma plataforma de diálogo.
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Fátima Lopes Cardoso
Investigadora do LIACOM e professora adjunta na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (ESCS), onde coordena a licenciatura em Jornalismo e o Laboratório de Tendências no Jornalismo. Doutorada em Ciências da Comunicação, especialidade Comunicação e Artes, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa, é autora dos livros “A Fotografia Documental na Imprensa Nacional: o Real e o Verosímil” (2022), adaptado da tese de doutoramento homónima (2015), “Jornalistas-Escritores: a Necessidade da Palavra” (2012) e da coleção “Os Anos de Ouro do Cinema Português” (2006).
Jornalista desde 1997, o interesse académico por conhecer a ontologia da imagem e, em particular, da fotografia documental e jornalística tem levado à participação em várias conferências e colóquios em Portugal e a nível internacional sobre a temática, bem como em diversos projetos editoriais e científicos.
Por altura dos 50 Anos do 25 de Abril, realizou, com Pedro Marques Gomes, a curadoria da exposição “Ventos de Liberdade: A Revolução de Abril pelo olhar de Ingeborg Lippmann e Peter Collis”, no Museu Oriente, e este ano integra o projeto “Implantação de rede internacional de colaboração em curadoria sobre fotojornalismo: conexões fotográficas Brasil-Portugal”, na UNESP-FAAC (Universidade Estadual Paulista- Faculdade de Arquitetura, Artes e Design de Bauru), Brasil. Neste âmbito, realizou a curadoria da exposição “Portugal no Brasil”, de Denis Reno.