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ENTREVISTA


Fotografia: Milan Zrnic.


Pet Semiosis 3: Cholera. (Cyrillic), 2015. Fotografia: Michael Underwood.


Max Hooper Schneider na galeria High Art, Paris, 2015.


Max Hooper Schneider na galeria High Art, Paris, 2015.


Max Hooper Schneider na galeria High Art, Paris, 2015.


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JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




MAX HOOPER SCHNEIDER


 

Com formação em biologia e arquitectura paisagista, Max Hooper Schneider é autor de esculturas de grandes dimensões e instalações onde usa aquários, terrários, vitrines, para mostrar os seus mundos construídos, ambientes de fauna e flora inclassificáveis à mistura com luzes de néon. O arranjo teatral dos seus microcosmos fantásticos lançam um desafio ao público no sentido deste questionar o seu lugar central no ecossistema, numa não delimitação entre o natural e o artificial.

Em entrevista à revista L’Officiel Art, Max Hooper Schneider fala sobre projectos recentes, como o da Trienal ARoS ou do Prémio BMW, que lhe vão permitir desenvolver trabalhos de larga escala sobre o lixo e os recifes de coral, mais concretamente. Fala também da sua fé na natureza não humana e na quebra das fronteiras hierárquicas e classificatórias no que respeita ao seu trabalho.

 


Entrevista por Pierre-Alexandre Mateos e Charles Teyssou

 

 

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PAM&CT: Faz parte da Trienal ARoS, The Garden – End of Times : Beginning of Times, onde vai apresentar um mausoléu de lixo na floresta. Pode falar-nos um pouco deste projecto?

MHS: O trabalho faz uma autópsia do presente através da reclamação e da exibição daquilo que o presente deita fora e abandona como lixo – e no entanto, é um projecto orientado para o futuro. Os bens de consumo descartados – restos não carismáticos da economia descartável da sociedade capitalista, tendo servido o seu propósito e esgotado o desejo dos seus utilizadores – aparentam ser cadáveres, formas obsoletas capazes apenas de invocar memórias ou anseios passados. E no entanto isto é ilusório: no seu estado semi-arruinado e transitório os materiais permanecem vitais, capazes de acções generativas, servindo de substrato material e fonte de fantasia-energia para um futuro desconhecido. Genealogicamente aparentado ao conceito Passengenwerk de Walter Benjamin, o refúgio funciona como um “hortus conclusus” que, como o Global Seed Vault em Svalbard, ou o cemitério que gerações mais tarde floresceu para um estado selvagem, ou uma cápsula do tempo que envia uma mensagem a um ecossistema ou civilização futura, vê os materiais reunidos como um composto para o que vier. No seu mausoléu piramidal os materiais estão sepultados numa campa oleosa, apenas para lentamente mudarem e definharem; não foram reunidos para preservação perpétua ou contemplação nostálgica mas, seguindo Benjamin, como uma exposição da natureza refazendo a natureza na forma de história – i.e., na forma de produções humanas que se tornam em ruínas da natureza. Enquanto a sua forma piramidal e brilho oculto, os seus movimentos lávicos, são intensionalmente sugestivos da arquitectura extravagante de uma tumba – uma tumba cuja decoração extravagante serve como alegoria da vida e não tanto da morte – o trabalho é enfaticamente orientado em direcção ao futuro, naquilo que Ernst Block chama uma “iluminação antecipatória”, uma Vor-schein, que “ilumina” o evento que um jardim no fundo é – não é vida a tornar-se morte, mas um lugar de transformação e mutação incessante, de podridão e regeneração, ruína e ressurreição: de um futuro despreocupado que já está sempre em marcha.


PAM&CT: Esta não é a primeira vez que jogou com um contexto em larga escala.

MHS: Sim. Eu escolhi um curso de arquitectura paisagística em Harvard precisamente porque procurava um espaço de trabalho que considerasse todos os locais e escalas, o seus potenciais como sistemas vivos, e que me exporia a materiais diversificados e estrangeiros que me ajudariam a desenvolver uma linguagem capaz de construir um universo. Sempre quis que os meus trabalhos funcionem ou existam como coisas inseparáveis do mundo “lá fora”, não importa o quão imperceptíveis. A maioria das minhas primeiras oportunidades como artista foram em exteriores, e existiram numa escala relativamente grande comparada com aqueles trabalhos que apimentam os media populares. Uma delas, se não um dos exemplos mais salientes, foi a segunda edição da Bienal de Land Art da Mongólia, que teve lugar durante o verão de 2012. Este projecto foi o resultado de ter sido de certo modo abandonado no meio do Deserto de Gobi. Cerca de 15 artistas foram acolhidos num acampamento nómada durante um mês com muito poucos recursos para produção artística para lá daqueles que podiam ser carregados por nós, adquiridos em feiras de segunda mão ou por troca. Eu revesti um afloramento granítico com uma mistura de cimento fosforescente e que estava situado no meio de uma pastagem “virgem” – uma pastagem tão herbosa e não pisada que apenas uns poucos passos tingiriam os sapatos de pólen verde iridescente, e produziriam um aroma denso a manteiga doce. Cabras montesas, cavalos selvagens e aves de rapina eram dez vezes mais numerosos que a nossa espécie. Pequenas erupções de ametista púrpura pontuavam a paisagem como montes de térmitas. O trabalho isolado, irradiado por um sol poderoso, tornava-se activo à noite. Livre de qualquer fonte de luz ambiente outra que as estrelas em cima, a formação rochosa granítica soltava um brilho azul intenso e depressa se tornou um sinal para os nómadas que atravessavam a região. Depois de voltar da Mongólia foi-me transmitido que xamãs e viajantes começaram a depositar ossos dos seus acampamentos nesta formação rochosa brilhante, como se o trabalho tivesse encarnado uma espécie de altar. Tinha começado a fazer o seu próprio trabalho; tinha gerado a sua própria ecologia fora da minha autoria. Essa noção por si tornou-se na última gestalt do projecto. Isto foi uma expedição, uma coisa que rompe o cálculo racional; verdadeiro trabalho de campo.


PAM&CT: Ganhou este ano o Prémio BMW, que lhe permitiu explorar as ecologias dos recifes do Pacífico Indo-Ocidental, Rússia e África Oriental.

MHS: Sim, ganhei – um privilégio tremendo, um marco pessoal. Ainda não acredito que vou fazer esta mega-expedição que começa em Agosto. É sempre difícil para mim ser enérgico, mas ultimamente os recifes são caixas de petri gigantes que fornecem uma visão da mutabilidade humana. Isto, para mim, constitui o seu fascínio. Até ao século XIX ninguém sabia o que eram os corais – animal, mineral ou planta, “fontes petrificadas” ou “simpáticos génios submarinos ansiosos por casar com seres humanos.” Agora sabemos que os corais são animais, pólipos cujos exoesqueletos formam recifes calcários, mas este conhecimento não diminui a sua capacidade de encantar. Os factos crus da sua existência são eles próprios extraordinários. Os recifes de coral são dinâmicos, sistemas vivos, e mesmo assim nações inteiras são feitas deles. Desta o daquela maneira os recifes de coral influenciam o balanço químico do planeta e dos seus oceanos; funcionam como os primeiros transmissores a lançar avisos acerca da contínua degradação planetária. Vejo isto como uma última oportunidade de interagir com os recifes, ser testemunha do desaparecimento de uma forma de viva que pode nunca mais voltar. No entanto, se pensarmos em termos de tempo planetário, ou num universo em que as coisas estão continuamente a aparecer e desaparecer, então pode não ser significativo se os recifes – ou os humanos – se extinguem. A minha preferência pessoal, no entanto, é que se alguma coisa tiver que ir, seriam os humanos. Talvez mais importante é que a Jornada Artística BMW deu-me a possibilidade de fazer trabalho fílmico pela primeira vez – algo a que já me inclinava há uns anos – assim como expandir a minha práctica de dioramas com materiais retirados dos campos aquáticos tropicais e das costas.


PAM&CT: A noção do não humano é fundamental à sua prática, e muitas vezes torna-se um instrumento que liga a natureza à metafísica, duma maneira quase Leibniziana.

MHS: O primeiro passo é ver o mundo de uma manira monista e entender que há, de facto, verdadeiras influências interactivas existentes entre todos os seres, todos os corpos, das quais não estamos sempre conscientes. O processo da morfogénese mútua é difícil de aceitar para os humanos ocidentais modernos porque estes são Cartesianos congénitos que acreditam estarem eles próprios fora da natureza, mestres da natureza. Os seres humanos são uma parte constituinte da natureza e existem num universo com a totalidade de outros seres, desde pedras às poças de água aos computadores. Todos os seres, ao existirem simplesmente, modificam-se uns aos outros, deixam as suas marcas uns nos outros numa coreografia autopoiética; os humanos deixam as suas marcas, tal como fazem as estrelas do mar e as brocas eléctricas, e estas marcas não são reversíveis se acreditarem, como eu, que o tempo é real e se move numa única direcção. Reconhecer este facto ajuda ao derrube das taxonomias clássicas e binários materiais. Eu prefiro o jogo da mistura e do hibridismo. Sempre tive fé absoluta no poder da natureza não-humana. Por isso posso afirmar prontamente que a minha prática serve para incubar e produzir trabalhos que promovem a minha visão crítica do mundo, uma visão que engloba muitos conceitos, incluindo correntes metafísicas e outras mais materialistas. O meu trabalho funciona não para representar a natureza mas existe como natureza.


PAM&CT: Esta dimensão bio-arte no seu trabalho é muitas vezes vista pelo prisma da cultura pop americana, especialmente nos seus dioramas e instalações, que são povoados por sinais de “death metal” e reminiscência de parque temático. Tal como já discutimos, é como um encontro entre “Learning from Las Vegas” e uma tradição de eco-arte profunda.

MHS: Não me preocupa o meu trabalho reflectir obsessões ou gostos profundamente pessoais ou autobiográficos, quer os queiramos classificar como americana, kitsch, científicos/acientíficos, paisagens arquitectónicas, especulativos, niilistas, etc. As minhas rúbricas de classificação, partindo da ideia de que existem, permitem a pluralidade. Os trabalhos e eu não somos um único e, esperemos, os trabalhos são mais articulados do que eu sou no que respeita à sua intensão de aderir à lei e à ordem não classificatória. Enquanto eu reconheço o impulso classificatório – i.e., o impulso identitário – e os seus usos, nunca estou completamente confortável em criar rótulos para definir o que faço. Dioramas, Japão, biologia marinha, “death metal”, flora artificial, aquaria/terraria, as variadas superfícies da tralha, um gosto pelo barroco e o repetitivo, são tropos recorrentes, motivos, iconográficos e modos de experiência que aparecem nos trabalhos mas não os definem categoricamente - e.g., os trabalhos não são odes ao “death metal” ou celebrações da cultura pop – a não ser que a impureza ela própria seja uma categoria a la Walter Benjamin, por exemplo, e isto pode ser o que quer dizer ao mencionar Brown, Venturi e Izenour. Fui rever o livro e gosto da primeira frase: “Aprendendo a partir da paisagem existente é uma forma de ser revolucionário para um arquitecto.” Com isto querem dizer “aprender a olhar um ambiente urbano existente sem fazer julgamentos” em vez de estar ocupado numa crítica contínua do que está lá e de como pode ser substituída. Gosto do aspecto não autoritário, não totalitário do sentimento: abandonar planos directores urbanos é semelhante a abandonar categorias mestras. Também gosto do que Celeste Olalquiaga diz sobre o kitsch – “canibalismo eclético”, “voracidade desenfreada”, o kitsch como o “reciclador original” na sua apropriação e redistribuição de motivos e materiais sem preocupação com o contexto ou uso original – o que lhe atribui uma criticalidade inerente vis-à-vis as fronteiras hierárquicas e classificatórias. Eu percebo como qualquer trabalho meu possa ser descrito como uma jardim paisagem, um universo construído ou uma biosfera, uma mnemónica arquitectónica ou visual, um shopping sobrevivente de uma metrópolis bombardeada, uma compulsão de uma repetição materializada... Eu percebo-os da seguinte maneira: como mundos materiais que oferecem, à maneira dos mundos quotidianos que habitamos, um bombardeamento dos sentidos, associações múltiplas em diferentes níveis semióticos que confundem e chocam e permanecem fragmentários sem nunca se reduzirem a uma singularidade ou formar uma coerência – apesar da ilusão da sua delimitação ambiental e coerência.