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ENTREVISTA


António Pinto Ribeiro e Sandra Vieira Jürgens. Fotografia: Vítor Alves Brotas.


Vista da exposição Festa. Fúria. Femina. – obras da coleção FLAD, MAAT. © Joana Linda / FLAD


Vista da exposição Festa. Fúria. Femina. – obras da coleção FLAD, MAAT. © Joana Linda / FLAD


Vista da exposição Festa. Fúria. Femina. – obras da coleção FLAD, MAAT. © Joana Linda / FLAD


Vista da exposição Festa. Fúria. Femina. – obras da coleção FLAD, MAAT. © Joana Linda / FLAD


Coelho à caçadora, Pedro Portugal, 1988 © João Neves, FLAD.


Sem Título, Miguel Branco, 2000 © João Neves, FLAD.


Sem Título, José Loureiro, 1990 © João Neves, FLAD.


Vista da exposição Festa. Fúria. Femina. – obras da coleção FLAD, MAAT. © Joana Linda / FLAD


António Pinto Ribeiro e Sandra Vieira Jürgens na exposição Festa. Fúria. Femina. – obras da coleção FLAD, MAAT. © Joana Linda / FLAD


Vista da exposição Festa. Fúria. Femina. – obras da coleção FLAD, MAAT. © Joana Linda / FLAD


Homem com cachimbo, Manuel João Vieira, 1986 © João Monteiro, FLAD.


Anarquistas em Petrogrado (Sweet Inspiration), Eduardo Batarda, 1975 © João Monteiro, FLAD.

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ANTÓNIO PINTO RIBEIRO E SANDRA VIEIRA JÜRGENS


24/09/2020 

 

 

 

A colecção de arte da FLAD - Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento foi iniciada em 1986 e resultou da vontade da Fundação em apoiar a arte contemporânea em Portugal, sendo a atual colecção reflexo da visão de Manuel Castro Caldas, à época consultor da FLAD. A exposição “Festa. Fúria. Femina.”, que inaugurou no MAAT / Museu da Electricidade, apresenta 228 de um total de mais de 1000 que compõem a colecção FLAD e tem a curadoria de Sandra Vieira Jürgens e António Pinto Ribeiro. Em entrevista com os curadores, compreendemos a origem das “três palavras que encimam a exposição”, a direcção escolhida para a selecção das obras, e discutimos temáticas actuais e determinantes como são a representação de género e o devir ou função das colecções privadas para a sociedade em geral.


Entrevista a António Pinto Ribeiro (APR) e Sandra Vieira Jürgens (SVJ), por Sérgio Parreira (SP)

 

 

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Sérgio Parreira (SP): “Festa. Fúria. Femina.” Um título composto por três palavras, de certa forma “isoladas” / independentes (separadas por pontos): Querem desvendar um pouco o que está para além do significado literal de cada uma delas, que o público ainda não consegue “ler”, mas para as quais encontrará eventualmente resposta ao visitar a exposição?

António Pinto Ribeiro (APR): As três palavras que encimam a exposição devem ser entendidas como “chaves” de entrada na exposição, como aberturas ao conjunto diverso de obras com linguagens, estilos, épocas, influências tão diferentes quanto ricas e desse modo contribuírem para uma narrativa possível a ser construída pelo visitante. Mas não esquecer que a exposição é de Obras da Colecção FLAD.


SP: No seguimento da pergunta anterior, como se interligam (conceptualmente ou visualmente, ou ambas) estas ideias: Festa. Fúria. Femina.?

APR: Estas palavras têm a particularidade de serem tentativa de conceitos operativos no seu conjunto. Não dividem obras, nem as agrupam, nem sequer as classificam. São conceitos nascidos da observação e estudo da colecção e desocultadas durante o processo de organização da exposição.

 

Parágrafo do texto de apresentação:

(...)
“Se a modernidade se fez acompanhar da ideia de liberdade e de igualdade, nem sempre esta esteve subjacente à educação cultural e artística. A dimensão feminina, cuja presença nos museus ainda hoje é diminuta, exige com urgência uma postura de resgate face a uma história de arte que tanto escamoteou as artistas, pondo em destaque as suas obras num dispositivo de visibilidade como é uma exposição.”


SP: Apesar do título da exposição destacar o feminino / Mulher (Femino), e não destacar o masculino / Homem (Viro), a representação artística nesta exposição revela uma atenção contrária. Talvez desdobre esta questão em três, se me permitem. Sendo a representação de artistas femininas nesta exposição inferior a 25%, porque se destaca no título da exposição a mulher?

APR: O termo não pretende provar qualquer quota de representatividade; na verdade chama-se a atenção para uma presença de artistas mulheres que sendo minoritária nas primeiras décadas da constituição da colecção – e haverá com certeza várias explicações para isso – foi uma preocupação no retomar das aquisições estar atento à produção artística de artistas mulheres, cuja produção é incontornável no actual estado da cena artística europeia.


SP: Qual a razão para esta disparidade de representação nesta exposição (não me refiro necessariamente à colecção como todo, pois esta é resultado de escolhas e opções de aquisição de outros curadores)?

APR: O que designa como disparidade resulta maioritariamente do passado da Colecção.


SP: Independentemente da altura / época em que as obras foram adquiridas, esta discrepância, muito provavelmente, não faz jus à representação de género na prática. Consideram existir um meio eficaz de reparação destas situações, ou ter-se-á negligenciado um momento cuja característica era precisamente a oportunidade contemporânea?

APR: Creio que essa pergunta terá de ser feita aos primeiros curadores da Colecção.

 

 

Sem título, António Palolo, 1995 © João Neves, FLAD.

 


SP: A vossa curadoria apresenta 228 obras de um total de mais de 1000 obras que fazem parte da Colecção FLAD. Após entenderem inicialmente as linhas gerais que delineiam a colecção, como evoluiu o vosso processo curatorial e de selecção de obras. É possível guiarem-nos pelo vosso processo?

Sandra Vieira Jürgens (SVJ): O processo curatorial evolui muito naturalmente com a observação e análise do acervo e uma reflexão em torno dos conceitos operativos que nos pareceram mais apropriados a revelar a riqueza e a complexidade estética e conceptual das obras e da própria Colecção FLAD. Inicialmente a nossa escolha incluía mais obras, mas claro por diferentes razões, nomeadamente de espaço, a seleção foi-se definindo cada vez mais até chegarmos a esse número que é bastante generoso.


SP: Como é comum em curadorias comprometidas com o estudo, a investigação e o respeito pelas obras dos artistas revela-se crucial. Como se colocam os conceitos e este trabalho de pesquisa em prol de um discurso curatorial e expositivo?

SVJ: Fazer a curadoria de uma exposição implica sempre um equilíbrio e uma atenção a muitos factores e realidades. Necessariamente o respeito pelas obras e trajectórias dos artistas; a leitura e a criação de conceitos e narrativas partindo das criações artísticas; bem como a consideração do espaço expositivo, a natureza e área disponíveis; ou mesmo as condições de produção. Fundamental é também ter algo a dizer. A curadoria só se torna pertinente se tiver um discurso inerente. Ele é imprescindível para dar novos sentidos às obras dos artistas. Não se sobrepõe, mas enriquece-o. E isso, por vezes, deriva muito do diálogo que se cria entre as obras presentes numa exposição. O objectivo será sempre produzir reflexão, acrescentar conhecimento, revelar aspectos ainda não revelados e que nos possam surpreender.


SP: O desenho, como técnica e potencialmente conceito, é recorrentemente elevado no vosso texto de apresentação curatorial referenciando as escolhas, opções e direcção das aquisições na coleção FLAD. Que “desenho” (conceito/ técnica) era este na altura da aquisição das obras, e como se traduz esse “desenho” nos dias de hoje?

SVJ: O desenho foi um suporte de eleição do programa de aquisições da FLAD e as razões conceptuais surgem explicitadas nos textos de apresentação dos primeiros curadores da Colecção. Na exposição, esse legado do desenho continua presente, mas a escolha foi mais abrangente e expor outros suportes e práticas artísticas representadas na coleção. Quisemos sobretudo trabalhar a existência de performatividade, bem como a ideia de processo inerente a muitas práticas artísticas actuais.


SP: Gostava de saber a opinião individual (se concordarem) de cada um em relação à função e devir das colecções de arte privadas.

APR: Desejavelmente que haja mais colecções privadas, que se internacionalizem e que se diferenciem umas das outras, que é provavelmente o aspecto menos interessante das actuais colecções.

SVJ: Por diversas razões históricas e contextuais, as colecções privadas ganharam hoje uma forte presença e visibilidade no meio artístico e na sociedade em geral. A sua existência é fundamental não só para a subsistência do sector artístico, para os artistas, galerias, curadores, mas também para a vitalidade das instituições culturais. Na sequência do que o António Pinto Ribeiro referiu, sim, é importante impulsionar a criação de mais colecções privadas e incentivar a sua diferenciação. Na minha opinião, temos sobretudo de apoiar coleccionadores conhecedores da história da arte; coleccionadores esclarecidos em relação à pluralidade da arte nacional e internacional actual; coleccionadores confiantes e capazes de serem coerentes com uma determinada visão de arte, seja ela qual for, e não ceder sempre à escolha das mesmas tendências e dos mesmos nomes. Se não o fizerem, a notoriedade e importância da colecção não será a mesma, porque pecará pela imitação, repetição e falta de singularidade. O desafio não difere da actividade dos artistas nem dos curadores, cujas práticas estão marcadas pela afirmação de uma autoria.


SP: Na sequência da questão anterior, consideram que as colecções privadas podem apresentar um desafio às colecções de arte pública? Também podemos entender esta questão num contexto de serviços: Museu Privado / Museu Público.

APR: Elas já constituem um desafio ou por falta de recursos financeiros do Estado que tem sido um comprador com muitos poucos recursos, quer porque muitas colecções privadas com a sua ousadia legitimam as colecções públicas contemporâneas.


SP: Que soluções, respostas, ou metodologias, devem ser adoptadas para uma coexistência salutar, que numa última instância facilite o acesso do público em geral ao conhecimento e usufruto das obras?

APR: As colecções privadas deveriam ser mais expostas em condições de dignidade e de contextos adequados.


SP: Posso perguntar qual ou quais as obras presentes nesta exposição que vos são particularmente prezadas, e porquê? - No sentido em que há sempre aquela obra de arte à qual reservamos mais tempo de observação; sem que este seja um juízo meramente qualitativo, mas por apresentarem um desafio “emocional” particularmente intenso.

APR: Creio que isso faz parte da reserva que o curador deve manter numa exposição.


SP: Esta exposição vai ser apresentada no MAAT/ Museu da Eletricidade em Lisboa. Gostava de entender um pouco qual foi a importância do espaço arquitectónico na vossa direcção curatorial, ou se / como contaminou as ideias para a exibição.

APR: Vai ser apresentada no Museu da Electricidade que é um espaço bastante tradicional embora desafiando em alguns casos, como é a sala das Caldeiras, a imaginação e ousadia curatorial. Do meu ponto de vista é um espaço que se adequa muito bem a esta exposição que é uma exposição clássica de obras contemporâneas.


SP: É indiscutível a relevância de todos os artistas apresentados nesta vossa curadoria. Para além do que já abordámos, o que gostariam ainda de destacar como singular em “Festa. Fúria. Femina.” e que o público vai encontrar ao visitar esta exposição?

SVJ: O nosso objectivo foi, de facto, apresentar uma exposição singular a partir das obras da Colecção FLAD. O ideal será conseguir surpreender os visitantes e mobilizar os vários públicos a visitar esta e outras exposições em instituições culturais, não obstante as condicionantes actuais.