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KERRY JAMES MARSHALL
Helen Molesworth, curadora-chefe do MoCA, Los Angeles, entrevista Kerry James Marshall por ocasião de "Kerry James Marshall: Mastry", a primeira retrospectiva do artista, que está em exposição no The Met Breuer, Nova Iorque, de 25 de outubro de 2016 a 29 de janeiro de 2017.
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Helen Molesworth: Tem sido muito entrevistado e a sua biografia está aí para quem quiser ler. É típico, penso eu, de uma história como a sua, que encaixa desta maneira extraordinária com certos eventos culturais, que esse aspecto da biografia tenha sido muito repetido. Então, estava à espera que talvez pudéssemos conversar sobre outras coisas. Pensei que poderíamos examinar uma parte da sua carreira que não é falada com muita frequência, que é o facto de ter sido professor – como é que era, e o que é que isso pode ter significado para o seu trabalho de estúdio e para o pensava sobre a arte. Ensinou na Universidade de Illinois.
Kerry James Marshall: Em Chicago. O Circle Campus do centro da cidade, como costumava ser chamado.
HM: Por quantos anos?
KJM: Fui contratado pela primeira vez em 1993 e acho que fiquei lá cerca de onze anos antes de sair.
HM: Como é que era ensinar para si? O que é que achou disso? Gostou de ensinar? Encarou isso como uma forma de serviço comunitário?
KJM: Quando deixei a escola queria provar uma posição, porque estava desapontado com a educação que estava a receber. Não era minimamente desafiante como eu achava que devia ser.
HM: Mencionou isso um pouco na carta que escreveu a artistas mais jovens ["Young Artist to Be", em Cartas para um jovem artista, editado por Sarah Andress, Shelly Bancroft e Peter Nesbett, Nova Iorque: 2006 ].
KJM: Sim. Claro que a minha ideia do que significava ir para a escola de artes foi moldada em parte pela leitura de biografias de artistas do renascimento, “Vidas dos Artistas” de Vasari e outras coisas. Havia algo sobre todo esse processo de aprendizagem, o que parecia ser um procedimento passo a passo em direção à complexidade. Havia disciplina associada com as coisas que era preciso saber.
Era isso que eu esperava quando fui para a escola. Que haveria um programa estabelecido onde é requerido conhecer, entender e demonstrar a capacidade de implementares diferentes ideias sobre o modo como as imagens eram feitas e como funcionava a representação, como funcionava a visão e a visualidade. Pensei que era suposto saber tudo isso, e que isso ia ajudar-te de alguma forma.
Em 1977 as coisas não funcionavam assim. Depois de terminar a graduação, ir para um mestrado não parecia significar muito. Então eu quis provar que podes fazer todas as coisas que alguém que tem um mestrado era suposto ser capaz de fazer sem ter que obter um.
Uma coisa importante era que não podias realmente ensinar no nível universitário sem um mestrado. Eu encontrei uma maneira de me colocar numa posição de ensino escrevendo propostas para aulas que eu queria leccionar na escola pública.
Na época, a minha filosofia de ensino era providenciar aos meus alunos todas as coisas que eu pensava que deveria ter obtido quando estava na escola.
HM: Especificamente, que tipo de coisas eram essas?
KJM: Bem, eu pensava que aprender era resolver problemas. Numa educação baseada em projectos estavas na escola para exercitar a tua aptidão para soluções sofisticadas dos problemas.
Fiz os meus alunos serem responsáveis por saberem algo sobre a história das maneiras como as coisas eram feitas. Defini projectos onde eles tinham que escrever uma proposta antes de iniciar um projecto. Tinhas que explicar qual era o teu objetivo e, em seguida, mostrar como conseguirias chegar lá. Pensei que isso exigia mais investimento intelectual no trabalho se o fizesses dessa forma.
As minhas ideias sobre a escola de artes também foram moldadas pelo encontro com um aluno de pós-graduação que conheci depois de ter deixado o meu portfólio no Otis College, em Los Angeles, para apreciação. Ele fez-me acreditar que eu não iria entrar na escola porque tinha feito uma coisa errada com o meu portfólio.
Claro que a coisa errada era o facto de eu ter muita variedade. Pensei que era suposto mostrar as coisas que já era capaz de fazer. Mas ele disse-me que não estava focado o suficiente numa única ideia, e por isso eu não ia entrar.
Esse dilema de não saber algo que era esperado de mim que outros aparentemente sabem, realmente moldou o meu pensamento sobre a ambição e o que eu precisava fazer. Já não podia mais aceitar a autoridade de outra pessoa, sozinha, determinando se eu seguiria em frente ou não. Esta ideia de saber o que é que se está a fazer era realmente importante.
HM: Quando pedia aos seus alunos que entregassem um plano de trabalho, que tipo de competências acha que eles precisavam? Achava que eles precisavam de ler certas coisas ou ver certas coisas? Estava a enviá-los para o Art Institute of Chicago? Ou estava a fazer teoria da cor? Quais eram as competências que sentia serem realmente importantes?
KJM: Foram todas essas coisas. Mas, para mim, o primeiro nível de competência era o desenho. A capacidade de desenhar e reproduzir o que se viu era a base. Este não era apenas um exercício mimético. Essa habilidade permite demonstrar o quão bem se entendeu os blocos constructores da imagética. Eu fiz com que os meus alunos fizessem muito trabalho preparatório, e a composição era um componente-chave para isso.
Sempre lhes disse que se há distorções no seu trabalho, deve ser algo que eles decidiram, não algo que aconteceu porque não sabiam fazer melhor.
Eu fi-los fazer uma espécie de esquemas. Se fossemos fazer uma natureza morta, eu pedia que a desmembrassem primeiro em esquemas e depois que descobrissem o que a composição iria ser naquela fase e, em seguida, fizessem um desenho acabado depois disso com base nos estudos de desenho que se fizeram, não apenas sobre aquilo que estavas a olhar.
Usei o Art Institute e usei reproduções retiradas de livros de história da arte e coisas assim. O estilo era uma escolha. Leccionei uma aula de pintura onde todo o semestre eram auto-retratos. Todos fizeram um auto-retrato e depois cada auto-retrato a seguir tinha que ser diferente do que se fez antes. Escolhes estilos diferentes porque precisavas saber por é que isso era uma escolha melhor do que outro modo que poderias selecionar.
Era assim que eu pensava que a educação deveria ir. Então, estavas agora equipado para fazer qualquer coisa que quisesses.
HM: Disse, no início, que tinha sentimentos ambivalentes em relação ao ensino. De onde veio essa ambivalência? Que parte do ensino causou dúvidas, por assim dizer?
KJM: O ensino come muita energia. Se realmente estás a fazer o que eu acho que precisa ser feito, que é estar constantemente a desafiar a capacidade dos alunos para fazer uma coisa e construir um repertório de capacidades técnicas e de compreensão, que é o que é preciso, isso é imenso trabalho.
Come a tua capacidade de fazer o teu próprio trabalho. Havia sempre esta coisa que eu dizia a mim mesmo: "Eu não me envolvi a fazer arte porque eu queria ser o melhor professor de arte que eu poderia ser. Eu entrei porque queria ser o melhor artista que eu poderia ser." Em algum momento, tens que ser capaz de dar toda a tua energia para simplesmente fazer o trabalho, porque se continuares a ter que dividir a tua energia e a tua atenção entre o ensino, então comprometes o que fazes.
Depois há algo sobre estar na academia que com o tempo começa a mudar os teus gostos para caberem no molde académico. Então tudo começa a tornar-se o mesmo tipo de coisa. Isso era algo que eu não gostava. Podes perder o sentido de juízo sobre o valor das coisas porque tens que falar sobre tudo como se tudo fosse igualmente importante.
Esses eram alguns dos perigos que eu sentia por estar na academia. A outra parte era que eu tinha poucas oportunidades de trabalhar com estudantes negros, porque havia muito poucos alunos negros nesses programas. Sentia que se estava constantemente a reforçar o mesmo acesso privilegiado que os estudantes brancos já tinham ao melhor tipo de educação. Era quase impossível cultivar uma turma suficientemente grande de estudantes negros ou estudantes mexicanos ou coreanos que possivelmente quisessem fazer um trabalho que poderia ser diferente.
Uma capacidade competitiva tem de ser incentivada onde as pessoas de cor são incentivadas a desafiar a dominante maioria branca no mundo da arte. Não esperar apenas que sejam bem vindos no mainstream, mas realmente ir atrás de um lugar no mundo da arte porque as suas buscas são verdadeiramente transformadoras. Quero dizer, é o mesmo tipo de procura que leva ao Prémio Nobel ou à posição de artistas como Donald Judd ou Jackson Pollack ou Andy Warhol. Eles são os artistas cuja produtividade moldou a conversa sobre que tipos de coisas são possíveis ao fazer arte.
Acho que precisas de um exército de pessoas cujo objectivo é fazer isso. É desafiador quando há tão poucos artistas de cor em programas, portanto não se tem realmente a chance de fazer isso com eles, mas constantemente tem que se continuar a fazer isso com os alunos que já têm acesso a esse tipo de experiência.
HM: Porque é que acha que em Chicago, nesse tipo de universidade, não foi capaz de reunir estudantes de cor para o programa de arte? Chicago é uma cidade muito diversificada. E está a falar sobre a universidade pública. Onde é que estava ali a lacuna?
KJM: Bem, penso que há duas maneiras que têm que ser entendidas. Uma delas é que no mundo das artes visuais ainda se está a ir contra esta ideia de que não se é capaz de ganhar a vida com um diploma nas artes. Para as pessoas de cor, ir à escola por quatro ou cinco anos e ser capaz de ganhar a vida é importante. Vais encontrar mais pessoas de cor a ir para a educação artística.
HM: Certo, essa é uma maneira profissionalizada de estar no mundo da arte.
KJM: Há um programa, um curso de acção e, em seguida, um emprego no final da linha. Era mais ou menos assim - quando eles tinham um programa de terapia de arte, encontravam-se mais pessoas de cor no programa de terapia de arte pelas mesmas razões. Porque havia uma recompensa no final. Mas nas belas artes, estás por tua conta. Até ao ponto em que a maioria das pessoas não considera empreender este caminho. Quando as ideias sobre o que é relevante na arte, vamos colocá-lo assim, são articuladas, elas soam como disparates para imensas pessoas. Quero dizer, não se vai conseguir que muitas pessoas se inscrevam para isso, pessoas que, de certa forma, mal conseguem chegar à escola, em primeiro lugar. Isso é uma coisa.
O outro lado da questão é que não só havia poucos estudantes de cor a entrar no programa, mas eu era o único académico negro no programa de arte. Isso também é importante, porque quando vem o processo de seleção para classificar os alunos para a escola, claro que a sensibilidade da faculdade determina quem entra e quem não está dentro. Eles vão continuar a reproduzir as coisas pelas quais estão interessados. É assim que acontece. Quero dizer, todas as coisas que os façam lembrar de si mesmos quando estavam naquela fase são atraentes.
Essa é a outra parte. Eu só tinha um voto, e ouvi mais do que uma vez: não podes fazer turmas com base na etnia e na raça das pessoas. Então transforma-se naquela coisa da qualidade. Parte do que acontece com as universidades é que e parecem todas escolher estudantes que já estão a fazer os tipos de coisas que viste ontem na galeria. [versão portuguesa do original inglês publicado na Flash Art, edição Setembro-Outubro 2016]
Helen Molesworth
Curadora-chefe do MOCA, Los Angeles.
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Kerry James Marshall: Mastry, a primeira retrospectiva do artista, está em exposição no The Met Breuer, Nova Iorque, de 25 de outubro de 2016 a 29 de janeiro de 2017. Viaja depois para o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles em Março de 2017.