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HELENA DE FREITAS
Helena de Freitas foi nomeada directora da Casa das Histórias Paula Rego no passado mês de Fevereiro (dia 26), após um processo de negociação que se seguiu ao polémico afastamento de Dalila Rodrigues à frente do museu desde a sua inauguração. Nesta conversa quisemos saber como está a viver esta nova fase da sua carreira profissional, qual é o seu projecto para a instituição, quais os seus objectivos e ideias, e como pensa realizá-los. Falámos ainda de assuntos controversos como a presença e associação da galeria Marlborough à Casa das Histórias.
Historiadora e crítica de arte desde os anos 80, Helena de Freitas foi colaboradora regular no Expresso (Revista e Cartaz) entre 1989-1990. Foi assessora de direcção no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian desde 1998. No CAM organizou inúmeras exposições, dedicadas entre outros a artistas como Joaquim Bravo, Ernesto de Sousa, António Palolo, Pedro Calapez, Amadeo de Souza-Cardoso.
Cascais, 15 de Abril de 2010
Por Sandra Vieira Jürgens
P: Trabalhou durante muitos anos como curadora e assessora de direcção no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian. Qual é a sensação que tem quando chega diariamente à casa das Histórias? Como está a decorrer o processo de transição?
R: É uma sensação de grande mudança de vida. Estava no Centro de Arte Moderna - FCG, uma instituição que tem uma estrutura já muito bem constituída e uma máquina muito bem montada, que funciona numa grande estabilidade, que possui o grande peso da história. E agora entro num museu que é de facto, novo. A sensação é a de que se está a criar algo desde o início, o que implica mais responsabilidade e também mais dificuldades. Para mim, neste momento, seria fácil trabalhar no Centro de Arte Moderna. Este é também um processo pessoal de aprendizagem. Estou a fazer um trabalho na área da programação, que já exercia no CAM mas de outra maneira, enquanto assessora. Agora é uma responsabilidade diferente. E é o prazer de estar a constituir uma equipa nova, de dar oportunidade de trabalho a um conjunto de jovens valores. Isso é muito estimulante. Portanto, digamos que, não é bem um processo de continuidade, neste momento a minha vida sofreu de facto imensas alterações.
P: Em termos do seu percurso pessoal, assistiu desde os anos 80 a várias mudanças na profissão de conservador de museu e ao aparecimento da figura do curador – que entre outras funções concebe as exposições com uma carga autoral e conceptual.
R: Quando comecei a trabalhar, nos anos 80, no Centro de Arte Moderna apesar de já fazer trabalhos de curadoria não era esse o nome utilizado, as pessoas eram coordenadoras de exposições, mas na verdade o que se fazia já era muito o trabalho de curadoria. A primeira exposição que organizei, e que foi da minha inteira responsabilidade, foi a do pintor António Dacosta (1987) mas não se usava o termo que referiu. A passagem para esta concepção de curadoria foi lenta. Hoje já se tem formação académica específica, e uma perspectiva completamente diferente do que a função é, dos limites e das definições do trabalho de um curador. Na altura era mais empírico e abrangente, mas o trabalho fundamental estava lá.
P: Após a negociação assinou contrato de dois anos com a Fundação Paula Rego e assumiu a direcção da Casa das Histórias. Como decorreu a negociação? Foi difícil atingir um consenso sobre as prioridades de ambos os lados? Quais eram os seus objectivos ideais?
R: A minha condição ideal, fundamental, foi a possibilidade de constituir uma equipa. Quando assinei o contrato já tinha a garantia de que a poderia constituir. Isso para mim foi essencial porque considero que um museu, com a ambição deste, tem que ter uma equipa estável. Não podemos subvalorizar em nenhum momento o trabalho de investigação face ao da educação ou da comunicação. São três vertentes que devem estar a par em qualquer instituição museológica. Por outro lado, também tive que assegurar a minha possibilidade de retorno à Fundação Calouste Gulbenkian, ao Centro de Arte Moderna, onde me mantenho funcionária. Mas isso também não foi difícil.
P: Em termos de equipa, as suas condições para alcançar essa estabilidade significavam aumentar o número de pessoas? Ou colocar pessoas-chave em certos lugares?
R: Significou colocar pessoas da minha confiança já que eu herdei parte de uma equipa, mas formada por muito poucas pessoas, a maior parte das quais saiu com a Prof. Dalila Rodrigues. Sendo assim, não se tratou de aumentar a equipa mas compensar os vazios criados com a saída de elementos-chave da anterior. Portanto tinha de garantir a capacidade de funcionamento do museu, em várias áreas, na área de edição, na área das exposições, na área de produção e da investigação, também.
P: Existiram impasses? Quais foram os que tiveram de ultrapassar?
R: Não muitos. Eu penso que tem mais a ver com a lentidão de alguns procedimentos camarários. Não foram propriamente impasses, o processo negocial evoluiu com alguma naturalidade. Foi lento, é verdade.
P: E um pouco misterioso?
R: Porquê? (risos) Normalmente as negociações nunca são públicas!
P: Mas, de facto, o processo de negociação demorou algum tempo. Estendeu-se por quantos meses?
R: Cerca de três meses. Não foi assim tanto tempo. É certo que havia uma certa especulação em torno de quem é que seria a pessoa que iria ocupar a direcção da Casa das Histórias mas a partir do momento em que fui contactada o processo decorreu com os naturais avanços e recuos de uma negociação em curso.
P: A Casa das Histórias Paula Rego abriu a 18 de Setembro de 2009. Que análise faz deste percurso, do planeamento, da abertura e depois da não nomeação de Dalila Rodrigues?
R: Não gostava de falar de toda a polémica que envolveu a saída da Prof. Dalila Rodrigues. Mas o que eu lhe posso dizer sobre o assunto é que no tempo em que a equipa desenvolveu o trabalho, e nas condições em que o tinha para fazer, o fez bem feito. Esse trabalho ainda é visível, temos uma excelente exposição, muito bom trabalho editorial, uma frente de casa, materializada na loja, um serviço educativo que funciona... para mim está correcto. Depois criaram-se dissidências, sobretudo em torno de aspectos de programação, mas isso já não me diz respeito.
P: Na altura da negociação apresentou um projecto seu para a Casa das Histórias?
R: Não, não apresentei formalmente nenhum projecto. Apresentei as condições em que gostaria de poder trabalhar e as linhas programáticas gerais.
P: Está agora a defini-lo?
R: Sim, tenho o meu projecto em desenvolvimento.
P: Quais são as suas principais linhas?
R: Fundamental foi ter tido a cumplicidade de Paula Rego na aceitação e na compreensão desse projecto. Acho que, de alguma maneira, o meu projecto foi na direcção daquilo que a Paula Rego desejava. E penso que é muito importante a empatia, e de certa forma, os objectivos em comum, porque a artista tem de facto uma palavra a dizer neste projecto que não deixa de ser a sua casa.
Portanto, aquilo que eu estou a tentar desenvolver aqui na Casa das Histórias é uma programação que será feita sempre em torno da obra da Paula Rego, ou seja, ela terá sempre que estar presente e considerada como artista contemporânea, na relação com as suas raízes históricas, mas fundamentalmente com o seu próprio tempo e o seu futuro. O museu deverá ser uma plataforma de apresentação de trabalhos da artista (também os seus trabalhos mais recentes) e de outros criadores que com ela se cruzam. Isso é o que considero ser básico. Haverá uma abertura do museu, não só a muitas das suas referências, porque o universo de Paula Rego é bastante vasto, mas também à arte contemporânea, porque acho que é isso que faz sentido. Paula Rego é uma grande protagonista da arte contemporânea e é importante dinamizar essa linha, e criar uma programação articulada com o universo disciplinar, temático, narrativo da artista.
P: Hoje os museus como toda a arte actual deparam-se com o desejo intenso de novidade, metamorfose, novos nomes, conceitos, questões. Como se situará perante esta exigência? Como explicou a Casa das Histórias terá uma programação associada ao vasto universo de referências de Paula Rego. Ainda assim poderá ser complicado manter uma programação rica e variada em torno do museu?
R: Não sei se é complicado. Acho que há muitas linhas de abertura que o trabalho de Paula Rego proporciona ou desencadeia, porque a relação do trabalho da artista consigo própria, com o seu país e com o seu mundo, é muito activa. Acho, portanto, que se abrem linhas de programação bastante vastas, de modo algum limitadas no tempo nem no espaço.
P: Em termos de organização da exposição vão manter a linha cronológica? A cronologia tem o mérito de instaurar uma ordem de leitura bastante acessível ao grande público mas é também muito limitada. Poderão existir outras perspectivas, outras referências, para a apresentação da colecção?
R: Neste momento, conseguimos um prolongamento desta exposição, sobretudo da exposição temporária, com os empréstimos da galeria Marlborough que são de facto extraordinários e têm trazido muito público ao museu. Mas esta exposição vai fechar e no dia 1 de Julho iremos inaugurar uma grande retrospectiva de Victor Willing, o marido da pintora, um consagrado e reconhecido pintor inglês, extraordinário artista completamente desconhecido do público português. Esta exposição estava em preparação pelo seu curador, o historiador de arte Hellmut Wohl e programada até ao final deste ano e assim honrarei todos os compromissos assumidos. Consequentemente vai desaparecer este modelo inicial de apresentação ao público da obra da Paula Rego. Para manter Paula Rego presente irei alterar o circuito do museu e sinalizar a presença da artista nas três últimas salas no final do percurso expositivo, que podem ter uma entrada e uma existência autónomas.
P: Vai então haver sempre um diálogo entre as exposições e a colecção.
R: Tentaremos que esse diálogo exista sempre que for possível e se fizer sentido, mas tentando também que haja alguma flexibilidade neste espaço. Pode ser necessário introduzir peças da colecção na sala de exposições temporárias porque essa é uma sala muito alta e profunda, mais adequada a grandes formatos. Pode ser necessário apresentar exposições com pequenos formatos, ilustração ou vídeos, por exemplo, em que esse predeterminado espaço de exposições temporárias não se revele o mais adequado. Ou poderemos flexibilizar o espaço e introduzir na grande sala de exposições temporárias obras da colecção permanente. E a nova apresentação do museu terá certamente uma organização diferente.
P: Tem plena autonomia de programação?
R: Tenho plena autonomia na programação.
P: Tem sido criticada a presença da galeria Marlborough, a entidade comercial que representa internacionalmente a pintora, enquanto fundadora e interveniente no conselho de administração. Como encara esse facto?
R: É um facto que eu encontrei estabelecido e com o que estou a lidar o melhor possível porque até ao momento só encontrei vantagens. Não me sinto condicionada e penso que a galeria poderá ser uma boa aliada até no contacto com outros artistas. Portanto, por enquanto, não sinto qualquer problema.
P: Actualmente estão a ser questionadas algumas parcerias entre o sector público e entidades privadas, nomeadamente com as recentes notícias sobre o Museu Berardo. Considera que é necessário debater estas relações?
R: Na verdade não quero pronunciar-me sobre o que me parece, cinjo-me aos factos: o que encontrei na Casa das Histórias foi esta realidade e vou tentar lidar com ela da melhor maneira porque não a vou alterar. Estava tudo constituído, através de um decreto-lei, quando eu aqui cheguei. E aceitei trabalhar nestas condições.
P: Como imagina este museu daqui a alguns anos? Pensa nisso?
R: O que estou neste momento a pensar é o que o que é necessário para este museu funcionar agora e daqui a uns anos... Estou exactamente a pensar em criar estruturas de estabilidade para que ele se possa afirmar e fixar uma identidade. O trabalho que foi desenvolvido até agora foi a organização de uma exposição e, portanto, tudo o resto está por fazer. A questão da afirmação da identidade, o que é a Casa das Histórias Paula Rego, está por fazer. Neste momento é isso que me preocupa, definir o perfil à medida que a programação se for desenvolvendo, bem como as actividades, que são actividades que terão de ser concebidas na área educativa, paralelamente a um programa para o auditório, outras na área das edições. Ou seja, criar uma definição para este museu. É esse o caminho. E também criar o centro de documentação que está estatutariamente previsto dedicado à investigação e ao estudo da obra da Paula Rego e à sua área de abrangência, que, como sabemos, é bastante vasta. Tudo isto está por fazer e portanto, sem essas estruturas a funcionar, é difícil imaginar um futuro. É claro que eu devo ter uma visão optimista para o futuro e imaginar que tudo isto vai funcionar em pleno.
P: O caminho será feito no equilíbrio entre a visibilidade para o exterior e a investigação?
R: Considero que tem de ser uma via articulada. Por um lado, garantir a visibilidade das obras da Paula Rego porque são muito estruturantes para o público. Garantir e colaborar em projectos internacionais em que os próprios empréstimos da Casa das Histórias sejam relevantes enquanto colecção, para nós também é fundamental. Vamos gerir a presença da Paula Rego no museu mesmo que se tenha de negociar colecções particulares, depósitos, empréstimos, será necessário garantir essa presença, articulada com programas de estudos e de investigação e com uma dinâmica expositiva na sua área temática, disciplinar, narrativa. Creio que é a melhor forma de garantir a dinâmica do museu. Um museu não excessivamente centrado na Paula Rego, mas em que a Paula Rego seja o eixo a partir do qual se vão desenvolver várias linhas de programação.
P: Estão a desenvolver contactos com museus estrangeiros, têm uma rede privilegiada?
R: Sim, neste momento estamos a estudar parcerias com vários museus e serão privilegiadas evidentemente as relações com a Grã-Bretanha. Inclusivamente estamos a estudar a possibilidade de expor nestes pequenos espaços temporários artistas que tenham sido ou sejam bolseiros, ou participantes em programas de residência artística na Grã-Bretanha, mesmo que não se cruzem com o universo formal da Paula Rego. Vamos saber o que eles fizeram, mesmo que seja criando situações de contraste. Creio que é uma forma de criar vários caminhos.
P: Qual tem sido a recepção deste projecto e do edifício?
R: Acho que é excelente. A figura da Paula Rego também é muito magnética, atrai muito público. A presença do público mantém-se muito forte.
P: E do meio mais especializado?
R: Também. Mas isso também tem que ser estimulado. Nós não vamos eternizar esta exposição. É preciso gerir a presença de Paula Rego de muitas maneiras, lidando com o universo dos empréstimos, criando novos modelos expositivos, articulando com a realidade contemporânea ou passada, ou ainda com a multiplicidade de todas as suas fontes.
P: Como será o calendário expositivo? As inaugurações acontecerão na Primavera e no Outono?
R: Vou tentar criar mais ritmo na apresentação de exposições e por isso terei necessidade de flexibilizar o espaço expositivo. A exposição de Victor Willing vai ocupar uma grande parte do museu porque apresenta um conjunto de obras de grandes dimensões e que precisam de espaço de respiração. Para articular a presença da Paula Rego com esta mostra vou apresentar as obras da artista nas três últimas salas, alguns trabalhos menos conhecidos do seu percurso, do final dos anos 60 e 70, mas que convivem bem com o silêncio e a densidade da obra de Victor Willing.
P: Têm uma equipa curatorial fixa, da casa? Vão trabalhar com curadores externos?
R: Temos uma equipa e ficamos abertos a curadorias externas, o que se poderá revelar uma boa plataforma de criação de projectos e de acolhimento, quer de artistas quer de curadores.
P: Que opinião tem do edifício, da arquitectura do museu? Quais são os desafios que esta arquitectura coloca em termos do desenho de exposições?
R: O espaço é maravilhoso em termos de desenho de arquitectura e é um privilégio trabalhar neste espaço tão sedutor. Acho também que é necessário, introduzir pequenos desvios e pontuações no percurso das exposições em função de uma programação que desejo que seja mais viva. Temos que olhar para o espaço e adaptá-lo a um programa de mostras mais dinâmico: é necessário flexibilizar os caminhos e as escolhas dessas exposições.
P: Às vezes sente-se alguma dificuldade de recuo em relação às obras.
R: Este museu foi um pouco pensado como se tivesse sido desenhado só para esta exposição e agora vamos ter de o pensar para uma dinâmica mais efectiva. Actualmente o circuito expositivo segue uma única direcção e nós vamos tentar que se consiga criar outra agilidade na dinâmica do próprio percurso. Sendo que não podemos alterar o espaço fisicamente.
P: Qual é a sua relação com a obra de Paula Rego?
R: É uma relação muito estimulante, sempre gostei muito da obra da Paula Rego e acho que lança muitas pistas. Não é um trabalho que avance em linha recta, tem muitas passagens, algumas delas abruptas. É uma artista que está em permanente reinvenção do seu próprio trabalho e isso a mim também me agrada muito.
P: Acha que a obra de Paula Rego tem sido suficientemente estudada em Portugal?
R: Não, apesar da visibilidade mediática que felizmente tem. O trabalho de um artista nunca é suficientemente estudado. Ainda há muito por fazer.
P: Mas não acha que por vezes, em relação a figuras muito representativas e respeitadas, como é a Paula Rego, se cria um certo receio em não se dizer nada de novo?
R: Sim, talvez haja uma certa sensação de que os principais trabalhos já foram feitos.
P: Sim, que é muito difícil inovar e trazer novas perspectivas de leitura.
R: Mas isso é um equívoco. Há muita coisa para fazer no estudo da Paula Rego. Muita coisa para fazer e abrir esse espaço a novos investigadores, isso é fundamental. As perspectivas de abordagem são infinitas.
P: O centro de estudos que prevê vai permitir isso?
R: Sim, nós neste momento estamos a tentar avançar numa frente de trabalho muito ampla. Estamos a concluir o levantamento de obras da Paula Rego em colecções públicas, e a desenvolver essa pesquisa nas colecções particulares, porque é importante a localização do seu trabalho. E estamos a acolher projectos de estudo e de trabalho sobre a artista, para além dos projectos em curso da própria equipa. Esse tal centro de estudos ainda não tem espaço físico aqui no museu, como também não tem espaço físico o serviço educativo. É uma condicionante do próprio edifício que a seu tempo espero possa ser resolvido.
P: Mas esses espaços estão a ser pensados?
R: Sim, está em estudo, porque um museu sem essas estruturas dificilmente poderá crescer e cumprir a sua missão. É preciso espaço para acolher tudo isso. A ideia do museu é uma ideia ambiciosa, encontrei aqui essa ambição. Mas também é preciso ter meios físicos para a sua realização.
P: Mas esse centro educativo e o de investigação faziam já parte do projecto original ou não tinham sido pensados antes? É estranho que se tenha construído um museu de raiz sem contemplar, por exemplo, um espaço dedicado ao serviço educativo?
R: Poderia estar pensado, mas chego aqui e o edifício que tenho é este. E é preciso ir avançando com ele.
P: Que concepção tem de museu? O que é mais importante num museu de arte contemporânea? Recentemente, o novo director do Museu Nacional de Arte Antiga, António Filipe Pimentel, expressou numa entrevista ao jornal PÚBLICO, a seguinte ideia: “o museu é um palco”. Deve saber-se como mostrá-lo, sem deixar de estudar e conservar o acervo.
R: Sim, o museu é um palco mas um palco implica também um espaço de bastidores, teia, camarins, … e sem esse suporte o palco pode ruir. Acho que é preciso criar situações de cruzamento, do palco e dos bastidores, ou seja criar exactamente as estruturas de que lhe falei. É necessário encontrar o equilíbrio entre o estudo da colecção e a visibilidade do museu. A ideia de festa e do acontecimento é muito importante mas tem que ser sustentada. Necessitamos da área de investigação. Eu sou investigadora e portanto para mim é difícil passar sem isso. Para mim é importante constituir uma base de dados sobre a artista independentemente de tudo o que se faça com ela. Para se poder avançar sobre o trabalho da artista é necessário pensar em novos modelos de apresentação, jogar com outros artistas e estudar outras situações de espectáculo que com ela se cruzem. O espectáculo também pode e deve acontecer, a ópera, o teatro, o cinema, enfim, há um conjunto de acções que fazem sentido articular com a figura e a obra de Paula Rego.
P: Qual é a sua opinião acerca da política deste ministério em relação aos museus e sobre as mudanças que se estão a planear?
R: Gostaria de poder ver no terreno a concretização dessas medidas, que do ponto de vista teórico e estratégico me parecem interessantes. Mas a realidade museológica é muito complexa e com necessidades e exigências específicas. Gosto particularmente da afirmação de que a cultura é um instrumento essencial para o desenvolvimento global do país. Acredito nisso com muita convicção.
P: Mas acha que estamos a iniciar uma nova fase na política para os museus?
R: Penso que sim, que há essa expectativa de mudança. Penso que pode ser positiva. Mas também tem de ser cautelosa.
P: O que é que faz mais falta aos museus? Que opinião tem do panorama dos museus no nosso país?
R: Penso que o panorama dos museus evoluiu muito e bem nos últimos anos e não estou deceptiva em relação a isso. Acho que têm sofrido uma muito boa evolução, sobretudo na comunicação com os públicos. A disseminação de museus por autarquias fora dos centros políticos é essencial, mas não basta inaugurar é necessário sustentar o que se inaugura. Acho perigoso o caminho que fecha as colecções nas suas reservas e impede um contacto directo das obras com o público. Visibilidade, estudo e comunicação são conceitos chave. Se essa comunicação se dirigir para um público amplo e se esse público crescer com isso, melhor.
P: A preocupação com a comunicação com o público foi também essencial para que a exposição “Amadeo de Souza-Cardoso. Diálogo de Vanguardas” (FCG, 2006) tivesse sido um caso de sucesso.
R: Foi de facto uma exposição e um projecto que correu muito bem, mas não tem que ser um modelo. Era a exposição necessária para criar uma rede de atenção internacional que a obra de Amadeo precisava. Valorizo muito o trabalho de investigação e pesquisa que se faz no museu, como também o estudo dos modelos de apresentação desse trabalho de pesquisa. Não podemos estar fechados nos gabinetes a estudar sem criar plataformas de visibilidade desses projectos. Isso é fundamental.
P: Neste caso, qual é o seu público alvo? Para quem é que está a trabalhar neste momento?
R: Neste momento estou a tentar organizar a apresentação destes projectos para um público o mais abrangente possível. Sei que há um público muito importante para a Casa das Histórias, que é um público jovem, escolar, mas não tem de ser necessariamente só esse. Gostava que um público mais especializado pudesse sentir-se reconfortado na visita ao museu e em relação ao programa de apresentações, de acontecimentos, de edições que oferecemos.
P: Encontra espaço para isso?
R: Estou a procurá-lo, a construí-lo.
Casa das Histórias Paula Rego
www.casadashistoriaspaularego.com