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Ludgero Almeida
Artista
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Qual a ultima boa exposição que viu?
Tenho muita afinidade com as exposições do CIAJG em Guimarães, especialmente as que contam com a curadoria do Nuno Faria, pela potência que é gerada a partir de uma visão anacrónica da história, pelos efeitos de montagem, pelas intersecções ricas entre plasticidades e pelas temáticas frequentemente abordadas que tangem muitas vezes as questões da memória, particularmente relacionadas a um olhar crítico sobre o colonialismo, a antropologia e etnologia, evocando novamente a centralidade do mito e do ritual como experiências humanas e sensíveis.
Pedro A. H. Paixão, Open Letter (2017). Lápis de cor sobre papel.
A título de exemplo, selecciono a exposição “Mundo Flutuante”, de Pedro A.H. Paixão que nos transporta para esse imaginário colonial, que embora se possa vir a traduzir sob o olhar do espectador como imagens políticas (considero que não há fuga ao político), elas são mais precisamente, um exaltamento poético e quase mágico sobre o poder do encantamento e os desdobramentos produzidos pela apropriação imagética.
Espero que este lugar continue a produzir com a mesma intensidade e qualidade durante muito tempo, ainda para mais pela preponderância do seu papel na descentralização das artes em Portugal.
Que livro está a ler?
Atualmente leio dois livros em paralelo. O primeiro de Serge Gruzinski “A guerra das imagens: de Cristovão Colombo a Blade Runner (1492-2019)”, que trata da truculenta substituição imagética no México desde a chegada dos colonizadores e como ela se prolongou ao longo dos séculos, tendo impacto na proliferação e forma das imagens contemporâneas mexicanas. O segundo livro, de Alfred Gell, “A antropologia do tempo: Construções culturais de mapas e imagens temporais”, centra-se no fenómeno do tempo analisando alguns pensadores como Durkheim, Evans-Pritchard, Lévi-Strauss, Geertz, Piaget, Husserl e Bourdieau.
Que música está no topo da sua playlist actual?
Definir uma só música é difícil. Optarei por um álbum que me marcou que é do Tigána Santana chamado “Tempo & Magma”. Este álbum é uma mistura de musicalidades, bebendo na fonte da ancestralidade africana.
Um filme que gostaria de rever…
O “La Jetée” ou o “Sains Soleil” do Chris Marker.
O que deve mudar?
O facto de ter vivido recentemente no Brasil e de o ter como segunda casa faz com que redireccione as minhas energias para lá. As previsões para as eleições presidenciais apontam a ascensão de uma figura ditatorial que vem coadunar e institucionalizar práticas e ideologias endémicas que são a antítese da democracia. Respeito o processo democrático e protejo-o com convicção e por isso é para mim lastimável que o mesmo seja degradado desde dentro, como uma chaga que nasce do avesso. Acho que as intenções de voto deveriam ser largamente repensadas, com discernimento e ponderação, para salvaguarda do que resta da constituição brasileira.
O que deve ficar na mesma?
Nada fica na mesma. Entretanto esta pergunta remeteu-me para a necessidade de pensar políticas públicas e economias de carácter preservador e não-extractivistas que zelem pela redução de impacto humano no meio ambiente, no uso das matérias-primas e que visem a manutenção da diversidade biológica. Considero que é necessária uma espécie de filosofia WU WEI, um “não agir” ou um “deixar estar”, para que as coisas sigam o seu rumo.
Qual foi a primeira obra de arte que teve importância real para si?
Quando era criança havia uma grande bíblia ilustrada em casa com pinturas sacras. Essas imagens foram provavelmente as primeiras imagens a impactar-me. Lembro-me de tentar copiá-las e ainda hoje sinto haver algo delas nas minhas pinturas, sobretudo o jogo da luz e da sombra.
Qual a próxima viagem a fazer?
Um retorno a São Paulo saberia bem com passagem pela Chapada Diamantina.
O que imagina que poderia fazer se não fizesse o que faz?
Música.
Se receber um amigo de fora por um dia, que programa faria com ele?
Depende do amigo. Mas durante a noite organizava um jantar.
Imaginando que organiza um jantar para 4 convidados, quem estaria na sua lista para convidar? Pode considerar contemporâneos ou já desaparecidos.
Eduardo Galeano, Ariano Suassuna, Zeca Afonso e o amigo de fora que me vinha visitar.
Quais os seus projetos para o futuro?
Continuar a produzir e a expor. Escrever mais. Trabalhar com o vídeo. Desenvolver estágio e investigação na Escola da Ponte. Dar aulas. Não morrer.