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Madalena Folgado
Editora de Arquitectura, Espacialista
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Qual a ultima boa exposição que viu?
Starting from Language – Joseph Beuys at 100, em Setembro passado, na Hamburger Bahnhof, em Berlim. Acredito que pelo imperativo atual de retomar uma consciência de escultura social, e na sequência de uma outra na HKW, Kosmoskopein, de Nicholas Bussmann (ligaram-se). Um conjunto de serendipidades fizeram-me ‘cair em mim’ – o que é o melhor que uma exposição nos pode fazer.
Das Kapital Raum, 1970-1977 (1980)
Que livro está a ler?
Vários ao mesmo tempo, tendo a dispersar. Por isso destaco aquilo que me traz mais unidade: a poesia. Por agora, Sétimo Dia, de Daniel Faria, oferecido por uma grande amiga me iniciou neste poeta, com o qual privei, dizendo-o, no primeiro confinamento a sós.
Que música está no topo da sua playlist actual?
Missa em Si Menor de Bach. Sem qualquer pretensão erudita, porque sou musicalmente analfabeta. Mas ouvir Bach sempre me retirou de um pathos de exílio, dá-me abrigo. No topo da playlist, uma vez mais, talvez para cair em Si (menor) – ‘cair em mim’.
Um filme que gostaria de rever…
O último Porto – Além das Pontes, de Pierre-Marie Goulet. Vi-o no Doclisboa. Tocou-me muito. Mas deixo a confissão de um clássico: As Asas do Desejo, de Wim Wenders. Revejo-o sempre que posso…a criança…o silêncio…e o desejo…
O que deve mudar?
Cada-um-de-nós. A propósito do recente desaparecimento da Etel Adnan, li num post a sua seguinte exortação poética: Transformation is birth, / Therefore it’s life, / Therefore is future. / let’s keep it that way.
O que deve ficar na mesma?
Está respondido na questão anterior.
Qual foi a primeira obra de arte que teve importância real para si?
Ecce Homo, que está no Museu Nacional de Arte Antiga. Não sou religiosa, mas o meu primeiro contacto com a arte, foi pela arte sacra, a par de um imenso fascínio pelos rituais cristãos a que assisti na infância, na província, a ponto de ter pedido aos meus pais para me batizarem. O tema do sacrifício, pela sua deturpação, interessa-me ainda hoje muito. Como refere Agustina Bessa-Luís, não enquanto atualização da servidão, mas enquanto dom; sacrifício maravilhoso, dádiva em que as margens do tempo se confundem e que a vida e a morte se tocam quase eternamente – Esse ‘lugar’, é o de toda a verdadeira Criação, porque é onde realmente se vê.
Qual a próxima viagem a fazer?
Sicília. Para seguir um conjunto de serendipidades. Ou ainda Turquia. Mas até lá ainda vou atravessar muitas vezes o Tejo, e porventura fazer mais umas viagens low cost para onde a arte e/ou a arquitetura me chamar.
O que imagina que poderia fazer se não fizesse o que faz?
Ainda que tivesse de nascer novamente, seria dançarina. Mediante tal impossibilidade, talvez ser um pouco mais ‘poeta à solta’, ‘vadiar’ mais, no sentido que o Agostinho da Silva atribuiu a estes termos.
Se receber um amigo de fora por um dia, que programa faria com ele?
Assim de repente, aqui perto, sem pensar muito, penso em lugares: Serra da Arrábida, Cabo Espichel, Casa da Cerca, Cova do Vapor, Jardim do Torel…São limiares; ou seja, oferecem acolhimento, e portanto no limite permitem que algo se inicie.
Imaginando que organiza um jantar para 4 convidados, quem estaria na sua lista para convidar? Pode considerar contemporâneos ou já desaparecidos.
Quatro de cada vez. Para a primeira ronda, os desaparecidos que melhor me fizeram compreender o que é uma aparição, no âmbito de uma constelação (acontecimento figurativo do Ser): Agustina Bessa-Luís, Aby Warburg, Maria Gabriela Llansol e talvez Joseph Beuys, para me exortar a discorrer com autodeterminação sobre este tema, dando a ver que as imagens artísticas – em continuum – circulam em-cada-um-de-nós.
Quais os seus projetos para o futuro?
Algo muito pouco ambicioso: O Reencantamento do mundo. O termo é tomado de empréstimo da Erika Fischer-Lichte. Como tive a oportunidade de escrever recentemente num pequeno ensaio, tenciono implicar-me na polissemia da palavra canto (do cantar, à poesia épica, passando inevitavelmente pelo canto enquanto espaço de acolhimento, e portanto, pela arquitetura). Trata-se uma vez mais de dar a ver como as imagens artísticas circulam em-cada-um-de-nós, e da sua misteriosa carga explosiva, porque de redenção; isto é, enquanto aparição, na tal encruzilhada entre o individual e o coletivo.