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Márcio Laranjeira
Realizador
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Qual a ultima boa exposição que viu?
Larry Clark no Musée d’Art Moderne de Paris. Fui de propósito para ver a exposição e percebi que a travessia até algo que desejamos não é indissociável. O mesmo acontece com o acaso. No RA 100, uma garagem-bar em Arroios onde fui beber um copo e assistir a um grupo de coro informal a deleitar-se à volta de um piano, dei por mim também a deleitar-me com os desenhos em exposição de um artista que anotei no telemóvel o nome para não me esquecer e agora não o encontro nas infindáveis notas que acumulo. Gostaria de o nomear, mas basta entrar em contacto com o espaço e fazer a pesquisa. Quem quiser saber terá a travessia e o acaso. Deixo também uma nota para uma outra forma de exposição da Wendy Nakada, tenho visto por aí em paredes, ruas ou casas-de-banho em várias cidades dentro e fora de Portugal, e há várias em Lisboa. Basta estar atento.
Larry Clark
Que livro está a ler?
Three Women da Lisa Taddeo. Lê-se como uma ficção mas trata-se de uma investigação de dez anos sobre três mulheres que não têm nada a ver umas com as outras senão serem mulheres e é raro podermos ter acesso a testemunhos tão íntimos sobre o desejo despido de como ele quer ser visto ou correspondido. Vi o livro no Continente enquanto a minha mãe fazia compras. Comecei a ler a introdução. Depois reencontrei-o na Feira da Ladra. O senhor da bancada ofereceu-me uma máscara depois de eu ter sido abordado por um polícia por não estar a usar uma. Pus a máscara e dediquei-me a ver os livros que ele tinha. Custava seis vezes menos que no Continente.
Que música está no topo da sua playlist actual?
Today is the day dos Yo La Tengo, há outras, mas esta não saiu desse topo desde que nos conhecemos.
Um filme que gostaria de rever…
Magnolia do Paul Thomas Anderson. Vi imensas vezes depois de comprar o DVD. Mas não o vejo há muito e tenho pensado em recuperar essa sensação. Foi daqueles encontros num momento de vida numa sala de cinema com um filme, ao qual podemos sempre voltar. Podemos sempre voltar aos filmes.
O que deve mudar?
Os homens não aprenderem a ser homens, mas aprenderem a lidarem com as mulheres.
O que deve ficar na mesma?
A Natureza. Os oceanos, o deserto, as florestas. Se deixarmos ficar na mesma cresce a partir daí. Senão luta para ficar na mesma.
Qual foi a primeira obra de arte que teve importância real para si?
Cresci no campo. Não havia nada disso. Quando conheci o que aprendi a ser arte a importância real era o acesso à descoberta e às pessoas que se fascinavam com isso. Ainda assim, tive um impacto com o “Crash” do Cronenberg, num cinema em Ovar. O namorado da minha mãe decidiu sair no intervalo. Eu queria ficar. Não lhe sabia explicar, porque não estava a gostar do filme, nem sequer o estava a entender, mas ainda assim queria segui-lo até ao final. No carro de regresso à aldeia, discutimos. Ele parou o carro na estrada, mandou-me sair. A minha mãe chorou e pediu-nos para termos calma. Teve impacto. Teve importância. Na altura não havia internet nem cinemas que repusessem esses filmes e não o imaginava a passar na televisão. Arranjei o livro, mais tarde a VHS, ainda os tenho. Consegui ver o filme anos depois na Cinemateca. Podemos voltar sempre aos filmes.
Qual a próxima viagem a fazer?
Com a minha mãe, de avião, para um país estrangeiro. Ela nunca o fez dizendo sempre que um dia ir-se-ia reformar e então poderia viajar. Reforma-se este ano. Não posso adiar.
O que imagina que poderia fazer se não fizesse o que faz?
A fazer uma vida imaginada, daquelas em que programamos o que vamos fazer até ao final.
Se receber um amigo de fora por um dia, que programa faria com ele?
O que fizesse sentido no que ele é e no que eu conheço dele ou de nós. Não tenho um programa meu embora prefira que o jantar faça parte disso. Num restaurante ou cozinhado em casa com tempo e gosto. É sempre um encontro ou, neste caso, um reencontro.
Imaginando que organiza um jantar para 4 convidados, quem estaria na sua lista para convidar? Pode considerar contemporâneos ou já desaparecidos.
Jantaria com o meu pai porque mal o conheci e morreu e nunca jantámos. Como teria de convidar mais três e não quereria perder a oportunidade de falar com ele teria de escolher bem os outros. Sem dúvidas a minha irmã, filha dele que o conheceu bem, o Tiago, por ser o meu grande cúmplice e grande amor e uma irmã do meu pai, minha tia, ainda viva, que é como uma mãe para a minha irmã e que sempre senti ter sido um muro na minha relação com o meu pai.
Quais os seus projetos para o futuro?
Proteger e apoiar quem amo, conseguir fazer os meus filmes e enfrentar cada vez mais o que o medo possa vir a construir nesse futuro.