No recentemente editado Retromania, o crítico e teórico Simon Reynolds conta a história de como Jim Jupp, um dos homens do leme do quartel general do género conhecido como Hauntology, a Ghost Box, fez "um morto cantar uma nova canção" ao samplar e alterar uma gravação originalmente feita em 1908. Na verdade, nestes últimos 100 anos, todos nos habituámos à ideia da permanência dos fantasmas: Billie Holiday que nos canta os seus lamentos, Jimi Hendrix que nos convida para nadar no seu oceano de feedback particular ou Ian Curtis que nos puxa para o abismo. Sob uma certa perspectiva, todos são fantasmas que se recusam a abandonar este plano e que cumprem com rigor o plano de vaguear nesta dimensão para todo o sempre. Mas já não são casas, o que estes fantasmas assombram, mas os nossos próprios ouvidos.
Na capa de Replica, novo trabalho de Daniel Lopatin enquanto Oneohtrix Point Never, uma mão segura um espelho onde se reflecte a imagem de um esqueleto, como se o reflexo revelasse uma réplica não do que somos, mas do que inevitavelmente haveremos de ser. No documentário Scratch, DJ Shadow, homem que fez uma carreira em cima de uma ideia particular de arqueologia aural, refere que encara os depósitos de velhos discos (armazéns, caves de lojas) como colecções de promessas por cumprir, de sonhos desfeitos pelas rodas dentadas da própria máquina pop. O sampler, funciona assim como um portal que permite resgatar todos esses sonhos ao plano da memória. O que Lopatin ensina no sucessor de Returnal é no entanto muito diferente. Ainda se encontram por aqui as paisagens abstractas de sintetizadores, propostas para uma visão alternativa de Blade Runner, se por acaso o clássico de Ridley Scott rodasse em loop permanente numa televisão a preto e branco, mas há algo mais de profundamente diferente também. Como os estetas da Ghost Box, Lopatin também usa a memória para reimaginar o tempo, mas ao contrário dos projectos associados à editora britânica não há por aqui nenhum ensaio nostálgico, nenhuma vontade de recriar um tempo, mesmo se meramente imaginado. Lopatin prefere fragmentar esse tempo, destruindo o sentido das vozes que sampla, encarando-as como meros pormenores texturais com que pinta uma espécie de mural sónico equivalente àquelas imagens que se fazem de um mosaico de muitas outras imagens.
Em Replica, os fantasmas são finalmente desencarcerados desta armadilha do tempo, implodidos e convidados a abandonar este plano. Lopatin substitui então a nostalgia pela melancolia, com a luz trémula de um único ecrã como a iluminação exclusiva da música que aqui apresenta. E a imagem do ecrã não é acidental: Lopatin tem usado o YouTube como uma fonte e uma foz ao mesmo tempo, procurando vídeos que depois desconstrói através da repetição, como o belíssimo e fantasmático "Nobody Here" que sampla Chris de Burgh e que leva um dos comentários a assegurar "this is the devil's music". Lopatin vai ampliando as imagens que "fotocopia" com o seu sampler, até pouco mais restar do que uma mancha de um pormenor que não revela a sua origem. Implodem-se os fantasmas.
Replica é, como a antologia Rifts e o mais recente Returnal, um trabalho de um músico pouco importado com rituais ou com a construção de um qualquer universo paralelo. Os códigos só valem se puderem ser destruídos, transformados ou completamente ignorados. O que é evidente é o seu crescimento como autor, a marca distinta da sua abordagem à música - das paisagens geladas pintadas a sintetizador à melancolia desolada de quem não consegue parar de ver uma determinada imagem em repetição constante até ao ponto em que os olhos já pouco mais vêem do que uma névoa. Música triste, enfim, mas de uma beleza imensa.