Simon Reynolds, autor de Retromania, chamava recentemente a atenção no seu Blissblog para uma manifestação particular do terreno estético que o próprio identificou como "hauntology" nos escritos em que abordou as experiências conduzidas nos laboratórios de editoras como a Ghost Box ou Mordant Music. Nesse post, datado de 30 de janeiro último, Reynolds começava por chamar a atenção para um artigo da Quietus assinado por Ryan Diduck onde se procura analisar o momento presente em que tantas edições discográficas parecem traduzir uma vertigem particular por uma zona menos iluminada da música, uma zona em que as sombras, um certo fascínio pagão, a eletrónica, a folk e uma neblina catódica associada à memória televisiva se cruzam para criar um tecido de referências muito específico. Logo depois, o jornalista, crítico e autor britânico refere uma peça na revista italiana Blow Up que aponta para a existência de uma cena local descrita como "Italian Occult Psychedelia", com vários pontos de contato com a "hauntology".
A corrente "hauntológica" (o termo "hauntology" foi resgatado aos escritos de Derrida sobre a permanência das ideias de Marx, mesmo depois da queda do Muro de Berlim, e poderia traduzir-se para português como "assombralogia", entendendo "to haunt" como "assombrar") resulta da análise de um momento muito particular da produção musical britânica informada pela memória televisiva dos anos 60 e 70 e pela recuperação de um ideal arcadiano ecoado pela folk pastoral da mesma época (não é aliás de estranhar que Rob Young aborde a Ghost Box como parte da história da folk britânica no seu livro Electric Eden). O brilhante catálogo da Ghost Box, os lançamentos da Mordant Music, mas também o hip hop vitoriano de Moon Wiring Club ou o fascínio pelo Radiophonic Workshop na fase mais tardia dos Broadcast são coordenadas possíveis para esta corrente.
Agora, no número 164 da revista Blow Up, o jornalista Antonio Ciarletta desenha então um mapa "hauntológico" para a Itália, uma cena que se pode classificar como "psicadelismo esotérico", de acordo com a chamada de capa da revista. Aproveitando um contacto do jornalista Valerio Mattioli, Reynolds fez então no seu blog um rápido retrato dessa cena italiana equivalente à "hauntology" inglesa. Citando sempre os jornalistas italianos, o post de Reynolds enumera então o "folclore local, o popular cinema spaghetti dos anos 60 e 70 e até o catolicismo" como parte da fórmula específica desta cena que de forma "muito direta" refere a música de autores celebrados como Piero Umiliani e Ennio Morricone e ainda as clássicas gravações para as editoras de Library Music italianas (as "libraries" inglesas e autores como Basil Kirchin ou Tristan Cary são igualmente pilares fundamentais para a construção da sonoridade de etiquetas como a Ghost Box).
Neste post de Reynolds citam-se depois vários projetos como parte desse movimento de "psicadelismo esotérico italiano", incluindo nomes como Father Murphy, Cannibal Movie, Donato Epiro, In Zaire, Heroin in Tahiti, TheAwayTeam, Mamuthones ou os Spettro Family. Tratando-se de um território estético que me interessa profundamente, procurei imediatamente fazer uma série de encomendas para me sintonizar com esta corrente particular de "psicadelismo", até porque atualiza experiências de uma série de autores que tenho cultivado ao longo dos anos. A maior parte destes projectos edita em etiquetas microscópicas, em formatos convencionais como o CD ou o vinil, mas também em suportes mais artesanais como o CDr ou a cassete. O primeiro título a "aterrar" na minha caixa de correio pertence ao projecto Spettro Family de Stefano Iannone, tem por título Candelora e é precisamente uma edição em cassete da Brave Mysteries, já com uns meses.
Iannone produz uma música poderosamente evocativa, com uma certa inclinação "oculta" que aliás justifica a sua adição ao catálogo da Brave Mysteries. Tal como os músicos da Ghost Box cresceram a absorver os "public information films" da BBC com bandas sonoras imaginadas pelos pioneiros do Radiophonic Workshop, o músico por trás da identidade Spettro Family também bebeu as principais referências da sua arquitetura sonora nas bandas sonoras de mestres italianos como Riz Ortolani, Goblin, Claudio Gizzi, Fabio Frizzi ou Bruno Nicolai, além dos nomes já citados. Esta Spettro Family apoia-se sobretudo nos sintetizadores para elaborar a sua música e como tal não consegue deixar de referenciar a música de John Carpenter que tantos modernos produtores tem inspirado. No entanto, há algo de diferente nesta Spettro Family: os arranjos angulares e maquinais de bandas modernas como os Zombi de Steve Moore, que tudo devem a Carpenter, são aqui "humanizados" por uma rica paleta emocional que explora toadas melancólicas e nostálgicas além dos momentos mais sombrios que um projecto com a palavra "espectro" no nome teria obrigatoriamente que incluir no seu menu de ambientes.
A música eletrónica continua a encontrar novos ângulos para observar o passado, para se deixar informar por ele, para o re-equacionar e re-imaginar. Não se trata de mero revisionismo, mas de traduzir um momento presente particularmente despido de luz com as coordenadas de um passado que, paradoxalmente, se ergueu à custa de um honesto fascínio pelo futuro.