A suíça Larissa Iceglass e o britânico William Maybelline estão de regresso desde Abril último com o seu quinto LP. Desde 2012, ano de estreia do duo Lebanon Hanover no registo longa-duração com “The World is Getting Colder”, “Let Them Be Alien” completa uma mão-cheia de álbuns. Pelo meio, entranhou-se na comunidade do gothic rock revivalista do post-punk e darkwave do início da década de ’80 como um dos seus mais destacados embaixadores contemporâneos, conquistando admiradores que muito ultrapassam este círculo. Juntam-se ainda algumas outras edições em outros formatos, onde Lebanon Hanover ensaiam complementos e variações à sua raiz musical; veja-se o maxi single “Babes of the ‘80’s” de 2016, cujo original revela esta veia algo exploradora que, ainda assim, não trai a substância essencial da sua música – traição essa cometida pelos (assaz) dispensáveis remixs contidos no maxi.
É, pois, “Let Them Be Alien” por si só, e enquanto pretexto de uma digressão que anima a visita e revisita dos seus antecessores, que anima e justifica a referência. Tal digressão denuncia a evidência que “Let Them Be Alien” confirma (ao que parece, já lá se vai): a música de Lebanon Hanover é repetitiva e redundante. E, por esse motivo, enjoativa e entediante.
“Let Them Be Alien” não foge à regra. A desnudez do corpo musical é estruturada pela cadência pesada e tonal do baixo, pela implacidez intransigente e perturbante das caixas rítmicas, pelo dramatismo espesso e envolvente dos teclados sintetizados e pela austeridade sombria e opressora dos vocais, todos eles combinados em constrição melódica cujas harmonias carregam o símbolo de uma outra desarmonia. Invariavelmente um dos principais sulcos que Lebanon Hanover lavra no âmago emocional: além da inquietação, o do desalento total. Lebanon Hanover esvaziam tudo de tudo. É, porém, esse esvaziamento absoluto a condição fundamental para se encontrar em Lebanon Hanover a essência que preenche o vazio. Mero engodo, portanto, a sensaboria da habitual reiteração. Absoluto motivo, portanto, a depressão da latente melancolia.
A verdade é que, ao seu fazer artístico, que tão simplesmente e sem outra ambição é o que é – a expressão necessária dos seus autores –, Lebanon Hanover parece acumular outros desígnios; alguns destes sem sequer premeditação por parte dos artistas, tais como a do objecto artístico que, ainda que sem embutido de ideologia, involuntariamente reconfigura a experiência do observador, e permite o tão estimulante ensaio de debate de outras matérias à mesa do café, mesmo que estas não estivessem voluntariamente inseridas na concepção e execução da obra.
Por um lado, se Iceglass e Maybelline parecem ser, na contemporaneidade, a evocação de um certo romantismo, refugiando-se no conforto deprimido do isolamento da natureza e nos ambientes propícios à divagação intuitiva que conduzem à experimentação emocional e intelectual em oposição ao frenetismo encadeador das urbes de Londres e Berlim do séc. XXI onde, ainda que aí alternando residência, se sentem estranhos, a identidade musical de Lebanon Hanover é, antes de mais, um grito afirmativo do duo, tenazes e incorrigíveis nostálgicos do fazer artístico de uma era pré-tecnológica anterior ao século XXI (e ao XX), no qual não conseguem escapar ao sentimento de alienação numa época em que o patrocínio da alteridade em defesa da igualdade está tão em voga. Ao evocar algumas das tendências musicais de há algumas décadas que o fervor da novidade dos dias de hoje olham talvez de soslaio, Lebanon Hanover fazem assim saltar para cima da mesa do café a discussão da igualdade preservadora da diferença identitária contraposta à homogeneização regularizadora dessas mesmas diferenças.
Por outro lado, ainda que obra musical, “Alien”, como característico em Lebanon Hanover, “exige” a destacada atenção ao conteúdo lírico afirmativo desta sua peculiar alteridade que evoca a condição humana afinal, pois é nele que se revela e ultrapassa ao incorporar em palavras confessadas sem vénias acanhadas a inquietude e a resiliência a essa mesma alienação perante os optimismos iludidos e manipulados ou os simulacros permanentes cujos efeitos propagam a dúvida e apagam qualquer convicção. “Alien”, a faixa de entrada, tão evidente quão relevante nestes diversos propósitos, e porque absolutamente significativamente crua e emotivamente cristalina, e assim-mesmo de difícil selecção parcelar, é aqui transcrita integralmente: “I like to wander some graveyards alone / And think of all that Iʼve become / What kind of box I would go / And would you even notice / My disappearance my impressions / Iʼm just waiting, waiting... / And until then my desolation / Will be my trademark / Iʼll always remain alien / And however hard I try to integrate / Iʼll always remain alien / You say I should go out / In every brutal town / There is someone of substance / Forcing me to do things I never do / For instance laugh at jokes of you / Small talks have simply no relevance / And until you change / Iʼll keep my delighted face / It is my trademark to always remain alien / And however hard I try to integrate / Iʼll always remain alien”.
“Let Them Be Alien” é um álbum mais no assinalável percurso de Lebanon Hanover que encorpa e corresponde aos ensejos e desejos do género musical. Mas é bem mais que isso. É a honesta e emocional expressão confessional de dois alienados que se abandonam e não abdicam do seu carácter identitário, e incitam ao mesmo, sem que simultaneamente deixem banalizar a diferença às mãos da homogeneização desta. O melhor a fazer, sugere-se, é ouvir, dar a ouvir aos amigos, e depois combinar um encontro no café.
“Let Them Be Alien” tracklist
1. Alien
2. Gravity Sucks
3. Kiss Me
4. Favorite Black Cat
5. Lavender
6. Du Scrollst
7. True Romantics
8. Silent Choir
9. Ebenholz
10. Petals