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A vantagem do mundo se tornar aparentemente mais pequeno é que ele se torna maior. O mundo cresce num processo de expansão auto-sustentada em resultado da troca e consumo de sons, cheiros, cores e sabores, de ideias, pensamentos e convicções, um sem-número de conteúdos disponibilizados por meios incessantemente mais rápidos e acessíveis que aproximam tudo e todos mas que, ao mesmo tempo, são o estímulo e fonte de criatividade que alargam os seus horizontes. TĀLĀ é sinónimo de viagem, de uma viagem à volta do mundo que funde em si mesma inúmeros ambientes em que mergulhamos ao ouvir a sua música sem contudo sairmos do mesmo lugar.
Mesmo que ainda sem um LP editado, bastam o EP “Alchemy”, lançado em 17 de Novembro de 2014 e apresentado pela faixa “Black Scorpio” na segunda posição da tracklist, e o antecessor EP de estreia “The Duchess”, lançado em 02 de Junho anterior, ambos pela editora londrina Aesop, para nos deixar entusiasmados com mais um nome a seguir atentamente.
TĀLĀ é farsi e significa ouro ou dourado, atributo que lhe equivale por completo e que entendeu escolher como nome artístico. TĀLĀ é intensa, empolgante, tentadora, acolhedora, e ao mesmo tempo sólida, crua, incisiva e obscura. Isola-se no seu estúdio no Soho onde se escapa para um mundo apenas seu e divaga num processo de criatividade sem restrições inspirada pelas ideias e sensações mais diversas e ecléticas com que se depara espontaneamente no cosmopolitismo do seu dia-a-dia ou que busca activamemte de forma quase obsessiva, que permite que a invadam e influenciem e a partir das quais extrapola as suas criações, sem deixar de regressar ao porto seguro da casa dos pais nos calmos arredores de Londres onde cresceu e absorveu durante anos um ambiente cultural e musical variado, rodeada de inúmeros instrumentos musicais do pai iraniano, músico clássico de profissão, da mãe e irmão ingleses amantes de música pop, R&B e hip-hop americana que cresceu a ouvir, da formação clássica de piano que iniciou cedo e da inevitável cena electrónica londrina que a desviou para iniciar os seus projectos experimentais de sonoridades computadorizadas.
O seu arrojado electro-pop alternativo é uma sobreposição de inúmeras e distintas camadas e reflecte as várias culturas musicais que recolhe da sua vida e do mundo inteiro, fundidas numa produção electrónica maciça e maximizada, repleta de ritmos acutilantes e penetrantes dos sintetizadores robustos e dos baixos e beats pesados sob os quais se nota a presença dos enigmáticos traços sonoros folk das suas raízes iranianas, com nuances de clássico e melódico R&B e hip-hop áspero e marginal, a par do distinto e amplo desempenho vocal que ocupa lugar central e deixa uma marca de relevo no seu trabalho e que, de igual forma, assume ele próprio várias identidades alternando entre secções harmoniosas e arrebatadoras efectivamente cantadas e outras em que os vocais samplados e mixados são transformados em mais um dominador instrumento musical que se junta à restante produção musical.
“Black Scorpio” é viciante desde o seu início. Aprisiona-nos com a secção de abertura de intensa produção electrónica e vocal progressiva, dramática, quase apocalítica, como um comboio que nos abalroa em velocidade descontrolada, interrompida por uma curta pausa que quase não nos permite inspirar, para de imediato nos voltar a arrebatar numa transição em crescendo que mistura electrizantes sintetizadores e vocais samplados e nos faz pensar que nos aproximamos de um refrão que não existe pois a irreverência e criatividade de TĀLĀ não são compatíveis com estruturas enformadas e afinal nos encaminha para uma passagem instrumental de timbre metálico, outra vez interrompida e que nos conduz a um outro segmento vocal mais harmonizado, após o que o ciclo estonteante recomeça. No final brusco e decrescente, TĀLĀ finalmente nos permite inspirar depois dos vertiginosos três minutos antecedentes.
“Black Scorpio” é a imagem de marca de TĀLĀ. É feito de tanto ao mesmo tempo e aparentemente contraditório em si mesmo, mas possui um elemento comum rítmico que é o ligante de tantos componentes e torna o todo coerente e personalizado.
Depois da intensidade extrema de ”Black Scorpio”, “Everybody’s Free”, também integrada em “Alchemy” na sequência da tracklist e nos traz ainda mais facetas de TĀLĀ, é o peso que repõe algum equilíbrio na balança por via da impressão vocal mais melódica e aberta que marca a sua parcela inicial, ainda que voltemos a encontrar a mesma força rítmica avassaladora dos sintetizadores e dos beats das drum machines mais à frente e também outras identidades vocais. TĀLĀ continua a revelar a sua singularidade, ainda que heterogénea em si mesma. “Everybody’s Free” poderia ter caído no erro de se transformar em apenas mais uma faixa electro-pop, com um carácter apenas demasiado pop ou apenas demasiado R&B, que faria com que se perdesse e passasse despercebida na multidão de produtores de música que se aventuram nos canais de música on-line. Porém, a transformação e manipulação rítmica, melódica e vocal de TĀLĀ produzem o efeito absolutamente oposto. Apesar de menos abstracta que “Black Scorpio” e com uma personalidade mais melódica, TĀLĀ explora as suas capacidades vocais abrangentes em “Everybody’s Free” através de constantes mutações corais que tanto visitam um ambiente algo eclesiástico e gospel, como atravessam territórios hip-hop, são marcados no refrão pela sua natureza original R&B, e ainda atravessam tonalidades conceptuais e experimentais, acompanhadas de diferentes intensidades instrumentais e rítmicas ao longo da faixa e que a tornam singular, revelando uma bem mais profunda complexidade musical e um carácter mais único e distinto do que a sua fundação original R&B poderiam levar a crer, mantendo-nos em constante expectativa ao longo de toda a faixa.
“Alchemy”, primeira faixa na tracklist do EP homónimo, aparenta ser mais tangível. Os versos efectivamente cantados da abertura da faixa levam-nos a crer que estamos perante uma faixa de hip-hop, e agora sim, uma faixa que se aproxima do normal e corrente hip-hop. Basta, porém, aguardarmos um pouco para sermos surpreendidos com uma transição vocal de carácter absolutamente folk em referência às suas raízes iranianas que transformam a faixa em absoluto em mais uma obra individualizada em si mesma, ao que acresce a significativa produção musical subjacente ao desempenho vocal ao longo de toda a faixa na qual, se expurgada dele e escutada por si mesma como se tal fosse possível, voltamos a encontrar a assinatura de TĀLĀ.
O EP de estreia “The Duchess” aberto pela faixa “Serbia” à qual prossegue a faixa “In My Own Hua Hin” já revela a natureza aglomeradora e exploradora de TĀLĀ, numa labiríntica, inconvencional, aventureira e original mescla de expressivas batidas rítmicas sampladas, volumosas melodias sintetizadas, pungentes e vocais e mais ímplictas ou mais explícitas referências culturais étnicas.
Dias antes da estreia de “The Duchess”, TĀLĀ disponibilizou a fantástica mixtape “Other People’s Poetry”. Ao longo de 45 minutos preenchidos por Drake, Shlohmo & Jeremih, Aaliyah, Cashmere Cat, MIA ou Janet Jackson, entre ela própria e outros, TĀLĀ acrescenta novas dimensões às faixas originais agora misturadas, revelando a sua personalidade e inventividade musicais, e renova as suas influências radicadas no médio-oriente misturadas com as sonoridades ocidentais electrónicas, pop e hip-hop, comprovando estar destinada a um lugar de sucesso. Enquanto que “Other People’s Poetry” foi lançada antes da estreia do primeiro EP, em 21 de Novembro, dias após o segundo EP, surge a mixtape “24 Carat”, não só como mais uma confirmação do trabalho editado anteriormente mas também aumentando mais ainda a expectativa quanto às actuações ao vivo que estão a ser preparadas para 2015.
Enquanto muitos podem vislumbrar um aparente conflito no confronto dos vários géneros musicais em que TĀLĀ fundeia o seu trabalho e revelar-se incapazes na sua integração, o brilhante instinto criativo por que é movida em inúmeras direcções distintas traz-lhe invariavelmente o elemento unificador que torna coerente a fusão de todos estes retalhos contrastantes, criando inovadora e relevante música que se distingue e não passa despercebida e simultaneamente se mantém acessível e apetecível, transportando-nos em instantes pelas ruas de Los Angeles, do médio oriente e de Londres.