Atravessada metade de 2017, e pisando vários terrenos da música, destacamos sugestões adicionais de trabalhos que marcam os primeiros seis meses do ano.
SHANNON WRIGHT – “DIVISION”
Pela mão da etiqueta francesa Vicious Circle com que trabalha desde há anos, 3 de Fevereiro vê chegar o mais recente trabalho da longa carreira da compositora norte-americana Shannon Wright.
A música de Wright é como um ferro em brasa directo ao coração. Desde 1999, data do seu primeiro álbum, a contínua irrequietude da sua alma punk-rock melódica vertida no requinte das suas composições e letras alterna entre a fúria em labareda dos riffs de guitarra e da descarga do martelo sobre os tambores de tom e dos címbalos da bateria e a intensa serenidade, ou serena intensidade, das suas progressões melódicas de piano e guitarra. Esta espinha dorsal, que nunca abandona mas não a impede de espreitar em elegantes apontamentos outros territórios ainda mais acústicos ou ainda mais electrónicos, acompanha as letras de Wright, tão insubmissas quão poéticas, fiéis a essa alma punk.
As oito faixas de “Division” não são mais que a continuidade dos seus precedentes, o que, no caso de Wright, já é muito. Destacam-se “The Thirst” e “Soft Noise”.
ACTRESS – “AZD”
O produtor britânico lança o seu quinto longa duração de originais em 14 de Abril na londrina Ninja Tunes.
Artista conceptual dedicado a explorar os micro-macro cosmos interiores compostos pelas ligações e circuitos entre as galáxias sensórias e neurológicas, e assim igualmente activar ou intensificar as nossas, Darren Jordan Cunningham vai buscar conteúdos e inspirações diversos para construir “AZD”, desde o futuro em colapso de Blade Runner à reflexão e distroção visuais do “feijão” Cloud Gate de Anish Kapoor, passando pelo trabalho artístico meticuloso e secreto de James Hampton ou pelas auto-projecções psicológicas e inconscientes das sombras de Jung, entre outras fontes inspiratórias. Conceptuamente, Cunningham dá-nos imensa coisa, uma amálgama que, como todas, corre o risco de ser “areia a mais para a camioneta” e perder credibilidade. Contudo, encontra-se o denominador comum no reflexo provocado pelo metal morto que faz confrontar a carne viva consigo mesma. Cunningham transporta este carácter provocador e sugestivo do olhar para os universos interiores e da viagem nos espaços vazios deles para a experiência sensorial do seu house minimalista e conceptual. Tão valido musicalmente quão conceptualmente, as doze faixas formam um todo consistente com o percurso anterior.
TASHAKI MIYAKI – “THE DREAM”
Da densidade e complexidade conceptual de Actress para as paisagens melódicas de fantasias e emoções do duo californiano.
Tashaki Miyaki existem já há seis anos, apesar de se terem limitado a um EP e uns poucos singles. Isto até 7 de Abril passado, data de lançamento do primeiro longa-duração com o selo da Metropolis Records. Em boa hora surge a estreia.
Ao duo original composto pela multi-instrumentista e vocalista Paige Stark e pelo guitarrista Luke Paguin junta-se Dora Hiller no baixo para produzir treze faixas que andam entre o shoegaze, o noise-rock e o dream-pop.
Efeitos de ecos e de reverbs carregam a voz e a guitarra com as quais se equilibram os teclados, a bateria e o baixo e as cordas de violinos em vagas e vagas sucessivas de uma elegante e texturada sonoridade que tem o mérito de não cair na armadilha da obsessão por inovação que, quando sai mal, sai mal, enquanto simultaneamente se revela personalizada e distinta. De igual forma, as letras são histórias de vida que giram em torno de emoções e sentimentos de perda, esperança, amores e desamores. Tashaki Miyaki não complicam e fazem bem.
SUPERPOZE – “FOR WE THE LIVING”
2015 foi o ano de estreia do compositor e produtor francês Gabriel Legeleux no território dos longa-duração com o álbum “Opening” a que fizemos referência na altura. 2017 vê Superpoze dar continuidade ao seu percurso, anteriormente marcado por uma mão-cheia de EP’s e singles onde tonalidades mais hip-hop e jazz afloravam à superfície da sua identidade electrónica, em contraste com a etapa presente.
Em 24 de Fevereiro surge “For We The Living” na casa parisiense da Combien Mille Records, a editora que o próprio conduz. As novas oito faixas consolidam as aptidões de Legeleux enquanto escultor sonoro. O maço e ponteiro de Legeleux são os teclados sintetizados, os beats e mais uma parafernália de ferramentas electrónicas. Mantém-se evidente a influência da sua formação musical clássica, o que eleva a estrutura rítmica e melódica das suas composições a patamares de relevo. Na sequência de 2015, a matéria que Legeleux trabalha com precisão resulta num volume onde espaço e amplidão a tornam imaterial e suspensa. Onírica, cristalina, flutuante, a música de Legeleux é a pura experiência auditiva.