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Agora que 2015 terminou, celebramos alguma da excelente música que este ano trouxe com um conjunto adicional de sugestões de artistas que nos acompanharam ao longo do ano e aos quais ainda não havíamos dedicado a merecida referência.
SUPERPOZE - OPENING
“Opening”, lançado em Abril pela editora parisiense Combien Mille Records, pode ser designado como a estreia no que a LP’s diz respeito de Superpoze, o compositor, produtor e teclista/pianista natural de Caen e agora residente em Paris, Gabriel Legeleux. Existe, contudo, a referência ao álbum “Lost Cosmonaut”, que o artista disponibilizou on-line em Dezembro de 2010 através da editora DigitalPit para donwload gratuito, e que recebeu em Outubro de 2011 uma edição limitada de apenas 30 exemplares lançada já pela Combien Mille. A estes dois trabalhos, juntam-se ainda vários EP’s: “Snowpixel” em Março de 2010, também colocado na DigitalPit e, já lançados pela Combine Mille, “From The Cold” em Novembro de 2012 e “Jaguar” em Setembro de 2013. A bem elaborada composição musical de todo o álbum, revelada pela fantástica faixa homónima “Opening”, que destacamos a par de “Time Travel”, “Home Is Where I Am” e “Ten Lakes”, consegue colocar o tempo e o espaço a pairar em suspensão e, nessa dimensão imaterial, fazer-nos embarcar numa viagem contemplativa que nos faz flutuar simultaneamente entre os contrastes de atmosferas sonoras fluidas e cristalinas ou compactas e opacas. Legeleux oferece-nos em “Opening” oito excepcionais faixas que denunciam e conjugam de forma assinalável a sua formação musical inicial mais clássica com a presença de piano, de percussão e de instrumentos de cordas, à qual juntou a produção electrónica em beats, efeitos e sintetizadores. Não só este último álbum, como também a sucessão dos trabalhos anteriores, reflecte uma inequívoca progressão artística que atravessou vários géneros musicais, desde ambientes mais hip-hop e jazz dos trabalhos iniciais até ao electro-pop, sempre enquadrados na sua excelente produção electrónica, que vale a pena visitar e revisitar.
FAYE DUNAWAYS – THE LATE JUNE SESSIONS EP
Faye Dunaways é o projecto colaborativo entre Aldo Struyf e Fred Lyenn Jacques, o guitarrista e o baixista da banda de suporte de Mark Lanegan (para além de outros projectos que ambos mantêm em paralelo). Lançado em Agosto pela Sacred Love Records, o EP “The Late June Sessions”, composto por quatro faixas nas quais está incluída esta hipnotizante “Monsieur Billy”, foi composto e gravado durante a digressão europeia de Lanegan do início de 2015 e o projecto suportou a digressão como opening act. O seu rock minimalista e sombrio carregado de produção electrónica deixa-nos na expectativa pelos próximos passos deste projecto.
LOCKAH – AND BLUE BRINDLE TOO EP e IT GETS MORE CLOUDY LP
O escocês Tom Banks residente em Brighton, que adopta o nome artístico Lockah, produtor, DJ e co-fundador da editora Tuff Wax, creditado por uma discografia que conta desde 2011 com vários EP’s e LP’s e inúmeros remixes, parcerias com outros artistas e apresentações ao vivo em sessões do Boiler Room ou na BBC, entre outras por toda a Europa, lançou através da editora Donky Pitch, sediada também em Brighton, em Abril, o EP “And Blue Brinde Too” e, em Julho, o LP “It Gets More Cloudy” que, para além das faixas originais em cada um dos trabalhos, partilham esta “Barcelona Drums” e também “You'll Suckers Don't Even Cut Corn”. O EP e o LP subsequente oferecem uma nova dimensão artística de Lockah, ilustrativa da sua inventividade, que, à sua característica e individualizada sonoridade electrónica sustentatada em melodias sintetizadas, ora contorcidas ora distorcidas, e em maciças linhas de baixo, adiciona agora instrumentação de bateria e de guitarra, que dá origem a um enérgico electro-pop instrumental que nos faz viajar e retroceder aos anos ’80.
WILLIS EARL BEAL – NOCTURNES
Do soul profundamente emocional e lo-fi do norte-americano Willis Earl Beal exala a sua peculiar história pessoal e os pensamentos tumultuosos que vagueiam na sua consciência. Um andarilho errante que já tomou tecto em inúmeras cidades e passou por empregos intermitentes, e em algumas nenhum dos dois, enfrentou problemas de saúde, viu-se capturado no consumo excessivo de álcool, perseguido continuamente por insónias e ansiedade, Beal sente-se como um proscrito da sociedade actual onde não encontra vestígios de solidariedade, indignado com a manipulação da personalidade e da individualidade por uma enganadora ideia de comunidade onde vê imperar a competição. Entre lamentos murmurados que arranca da sua intimidade ou brados enfurecidos que invocam e convocam o mundo, sustentados por orquestrações que quase se limitam ao piano e à guitarra, por vezes acompanhados por alguns beats e por teclados sintetizados, encontrou na sua extraordinária música intensa e minimalista, que tem produzido abundantemente desde 2012, não só a sua recuperação e estabilidade pessoal como também a forma de expressão da sua revolta. A esmagadora “Flying So Low” consta entre as doze faixas do seu quarto LP “Nocturnes” lançado em Agosto pela editora Tender Loving Empire, das quais destacamos também “Under You”, “Stay” ou “Start Over”. Recomendamos vivamente a visita aos antecedentes LP’s “Acousmatic Sorcery” e Nobody Knows”, editados em Abril 2012 e em Setembro 2013 pela editora Hot Charity, braço nova-iorquino da britânica XL Recordings, e a “Experiments in Time”, editado pelo próprio em Agosto 2014, que contêm, entre tantas outras, a magnífica e incendiária “Wavering Lines” ou a incrível e vulnerável “Monotony”.
FELIX LABAND – DEAF SAFARI
Dez anos após o seu último longa-duração, o produtor sul-africano regressou em Junho com o seu quinto álbum “Deaf Safari”, editado pela alemã Compost Records. Laband criou um conjunto de nove faixas de duração ambiciosa, como atestam os quase treze minutos de “The Devil Threatens Me”, em que expressa a sua visão política e social sobre a África do Sul. Fiel à sua algo bizarra mas personalizada identidade musical em que a marca da sua herança africana é latente, em “Deaf Safari”, Laband combina vários estilos e influências rítmicas e instrumentais, uma sobreposição minimalista mas afiada e perfurante de beats, percussões várias, inúmeros samples de melodias vocais e instrumentais electrónicas e acústicas.
ANNA VON HAUSSWOLFF – THE MIRACULOUS
A compositora, pianista, organista e vocalista sueca Anna Von Hausswolff deu continuidade, em Novembro, à sua obra musical que exibe uma imponência majestosa e imperial, com o seu terceiro LP “The Miraculous”, promovido pelas editoras City Slang (Europa) e Other Music (EUA), sucedendo ao igualmente memorável “Ceremony” de Julho 2013 e a “Singing From The Grave” de Maio 2010 (no qual sentimos presente uma vertente mais folk europeia e que nos faz realçar aqueles últimos face à sua estreia). É-nos impossível selecionar a faixa a realçar de entre a sua discografia sem experimentarmos a indecisão sobre qual merecedora de maior destaque – de entre as treze de “The Miraculous”, enunciamos esta “Evocation”, sem deixar de citar “Discovery”, “An Oath” ou “En ensam vandrare”; também “Deathbed“ e “Mountains Crave”, que são igualmente marcantes em “Ceremony”. Inspirada pelo nome Miraculous do local imaginário que criou enquanto criança, uma dimensão alternativa por onde a sua mente vagueava em histórias que inventava depois de ouvir os relatos reais sobre um local na Suécia rural de grande beleza natural mas cujos campos estão ainda “manchados” pela opressão brutal e sanguinária que um rei antigo infligiu sobre uma revolta de camponeses, a colossal e sombria paisagem sonora de “The Miraculous” atravessa o post-rock, o gothic-rock, o doom-metal e o ambient e evoca esse universo simultaneamente imaginário e real de fantasia, mistério e terror. O ritmo é lento e as secções melódicas são espessas. O álbum foi gravado na cidade de Piteå que acolhe o imponente Acusticum Pipe Organ, equipado com nove mil tubos, alguns deles parcialmente submersos em água, incorpora alguns instrumentos de percussão e contém ainda várias opções de efeitos electrónicos e de gravação. Apesar do seu papel preponderante na composição, a vertente rock da guitarra e da bateria e de alguns efeitos sonoros equilibram convenientemente a sua enorme presença sem a permitir exclusiva, e delas emerge a poderosa voz de Von Hausswolff, que alterna entre passagens esmagadoras ou delicadas – “The Miraculous” é um álbum conceptual e audaz que não nos facilita as coisas ao início, mas a que nos entregamos sem hesitar após esse primeiro embate.
ARCA - MUTANT
O exuberante produtor venezuelano Alejandro Ghersi residente em Londres, que se dá a conhecer por Arca, ocupou estas páginas aquando do lançamento do seu álbum de estreia “Xen” em Novembro de 2014 através da editora Mute Records. Um ano após, trouxe-nos o seu segundo LP “Mutant” lançado na mesma editora, cujas vinte faixas são encabeçadas por “Alive”. Mais do que um conjunto de músicas no seu contexto mais convencional, Arca continua a desafiar-nos e a empurrar-nos para lá da zona de conforto com as suas paisagens sonoras electrónicas de texturas abstractas e orgânicas. Segundo o próprio, “Mutant” aborda a fluidez e flexibilidade entre polos opostos na reacção inesperada que equilibra a acção: maleabilidade em resposta a tensão, impulsividade em resposta a rigidez, inclusão em resposta a agressividade; mutações que são transpostas para a composição sonora através do fluxo melódico e rítmico em constante alteração.
CIGARETTES AFTER SEX – AFFECTION EP
Cigarettes After Sex é sinónimo de um extraordinário ambient rock elegante e sofisticado, de uma atmosfera sonora íntima e envolvente, simultaneamente melancólica e incandescente. Em Outubro, o quarteto de Brooklyn originário do Texas lançou o seu segundo EP (se de tal pode ser intitulado) “Affection”, que contém apenas a faixa homónima e um surpreendente cover do clássico soft rock “Keep On Loving You” de Reo Speedwagon – um trabalho cuja curta duração merece referência por encontrarmos, na faixa original, a sequela das quatro faixas do seu primeiro EP: o magnífico “I” que, apesar de datado de Julho de 2012, optamos por destacar face a “Affection” com esta notável “Nothing’s Gonna Hurt You Baby”. Valerá a pena aguardar por mais registos desta banda.
HOLLY HERNDON – PLATFORM
Tal como Arca, a sound-artist norte-americana Holly Herndon, compositora, produtora e verdadeira obreira musical, dispensa apresentações adicionais; não é esse o intuito desta referência, se não o mais que merecido reconhecimento de uma carreira musical já traduzida em vários trabalhos editados e inúmeros projectos colaborativos da maior relevância. “Platform”, encabeçado por esta “Interference”, foi lançado em Maio e, tal como Arca, é mais um exemplo de quão irreverente, desafiante e inventiva é a sua música de vanguarda, texturada e abstracta, que nos estimula e provoca a ir mais além, mais além de nós mesmos e do que existe.