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ARTES PERFORMATIVAS


DEVON FOLKLORE TAPES (II): SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA COM DAVID CHATTON BARKER

RUI MIGUEL ABREU

2012-07-19



Na última edição de Memórias do Futuro trouxemos a primeira parte de uma entrevista com David Chatton Barker, homem do leme da intrigante Devon Folklore Tapes. Disponibilizamos agora a segunda parte desta conversa em torno da música mágica e pagã que a DFT tem vindo a editar.

 

 

P: Misturam sons encontrados, ruídos, estranhos drones e o resultado parece ligar-nos a um qualquer inconsciente coletivo. Onde é que esta música se inspira?


R: Bem, parte muito da ideia de banda sonora e também da library music e dos álbuns conceptuais. Estes três formatos para criar sons sempre exerceram sobre mim um fascínio mais forte do que a criação de canções convencionais com letras. A minha abordagem à feitura de música é bastante não musical, na verdade. É mais uma reação, uma forma automática de montagem de sons que de certeza está de alguma forma ligada à minha «desaprendizagem» na escola de artes.
Já fiz bandas sonoras ao vivo no passado e essa abordagem está muito presente na feitura destas cassetes e de outras peças musicais. As Folklore Tapes que fiz até agora foram colaborações com um ou com ambos os membros de um misterioso grupo chamado The White Funz, com cada um de nós a assumir um papel na feitura da música. Juntos somos um grupo de improvisação sob o nome David Orphan, que pode ter muitas formações.
A série Smithsonian Folkways também se presta à ideia de reunir gravações de campo e reapresentá-las como um meio contextual e visual de um lugar ou de um sentimento. E desde muito cedo, o vital interesse de John Fahey em topografia e gravações de campo também ficou fixado na minha mente de uma forma muito vincada.
Durante muitos anos fui gravando lugares que visito no meu dictafone e isso resultou num vasto arquivo de gravações de campo em cassete. Estou muito interessado em arquivar o nosso presente para o futuro dos outros de várias formas, tal como acontece nos museus.


P: Além de editar música como parte da identidade David Orphan também trabalha como artista visual. O que é que liga estas duas atividades?


R: Há uma ligação muito forte entre as duas atividades tanto em termos de processo como do que as inspira. E isso pode manifestar-se na relação entre a música e a embalagem visual, algo que eu sempre considerei serem sinónimos. Ao colecionar discos de vários pontos do globo e o meu envolvimento posterior com a Finders Keepers são coisas que me expuseram a artistas e métodos de trabalho que se têm revelado uma constante fonte de inspiração, do cinema do leste europeu à avant garde francesa.
Durante algum tempo, colecionei e trabalhei com instrumentos mecânicos, como caixinhas de música, que alterava e ao mesmo tempo pintava e riscava filme de 8mm, combinando depois as duas coisas. Naturalmente, esta abordagem veio de artistas como Stan Brackhage. E depois há movimentos artísticos e políticos como o Dada, Fluxus, Letrismo e Situacionismo que me informaram desde o início, tendo eu talvez a maior dívida com o Fluxus.
O meu background é sobretudo como artista visual e conceptual e sempre usei gravações de campo nos meus trabalhos para transmitir ideias. De facto, tentei sempre trabalhar com um meio que se presta melhor a uma ideia, por isso várias vezes ao longo dos anos usei vários meios. Pode ser uma abordagem complicada, esta de não me limitar a um estilo, mas é algo que não consigo evitar.
Ao longo do tempo, abordagens e meios foram-se sobrepondo resultando em projetos como as Folklore Tapes que reúnem vários destes elementos, como a serigrafia, feitura de carimbos de borracha, tipografia, pesquisa, encadernação e claro as gravações de campo e a música. Esses elementos fortes do que é táctil, feito à mão e com uma dimensão psíquica sempre estiveram na base de tudo o que faço, e isso garante sempre uma experiência mais interativa e absorvente além de ser uma forma mais recompensadora de trabalhar, esta que resulta num artefacto.

 

P: Desde que a tecnologia de sampling se tornou comum que há comparações entre a ética da colagem nas artes plásticas e o sampling na música. Que pensa desta questão?


R: Penso que é uma comparação muito positiva e de facto é verdade que trato o sampling da mesma forma que trato a colagem nos meios visuais. Há um forte ideal de reciclagem bem no âmago desta prática, quer estejamos a falar de música concreta ou de hip hop, trata-se de encontrar algo novo no que já existe e pensar nestas partes como algo de tangível é algo de muito saudável. Sempre segui a técnica corte e cola DIY e isso atravessa tudo o que eu faço.

 

P: Entre a Finders Keepers, a Pre-Cert Home Entertainment, a Ghost Box e a Pye Corner Audio parece existir uma visão partilhada. Também consegue ver essas ligações? A Devon Folklore Tapes encaixa-se nesta imagem?


R: De facto, vejo essas ligações, mas é importante ver esses projetos separadamente uma vez que cada um explora uma área diferente com abordagens únicas. Também é importante diferenciar o que está enraizado na nostalgia e o que não está. As Folklore Tapes estão enraizadas na tradição e na reintrodução de velhas histórias. É como se fosse uma editora de reedições de folclore documentado a que se adiciona uma importante extensão de som e uma interpretação moderna. A estética não está a querer regressar a nenhuma época em particular, baseia-se apenas num estilo muito simples e descomprometido que eu penso que é a minha própria interpretação visual. É difícil não ser inspirado por fontes fortes como os discos do BBC Radiophonic Workshop ou os discos de library music, mas isso é secundário. A Ghost Box apoia-se muito nesse período dos anos 70 de discos educacionais e de library music e embora os seus lançamentos sejam belíssimos e variados é possível encontrar as fontes que os inspiram. Isto não é uma crítica, mas uma mera observação. Para quem se lembra ou conhece aquela estética muito britânica dos anos 70, é uma maravilha contemplar os lançamentos deles. Para os que não se recordam ou não conhecem, ainda há um toque de modernidade que faz com que as coisas façam sentido no presente. Mas, no essencial, o que todas estas etiquetas estão a fazer é trazer à tona elementos que não foram devidamente apreciados numa escala decente quando foram originalmente apresentados. Muitas das coisas que editam parecem novas e progressivas em termos de pensamento mesmo agora e continuam a ter muita vida. Mas é bom que exista um alargado coletivo no presente e gostaria de ver mais cruzamentos no futuro entre estas etiquetas uma vez que todas fazem um trabalho interessante.

 

P: E por falar em cruzamentos, como é que a vossa edição conjunta com a Pre-Cert aconteceu?


R: Penso que fundamentalmente tudo encaixou de forma perfeita com a abordagem da Pre-Cert. Tanto a abordagem da colagem de sons como a fonte dos assuntos abordados. Ao ser parte da Finders Keepers significa que passo tempo com o Andy Votel e ele tinha manifestado interesse em editar o disco. É bom porque significa que a Devon Folklore Tapes tem um lançamento em vinil, mas não diretamente no seu catálogo. Foi desenhado e pensado como qualquer outro lançamento da Pre-Cert, embora seja o mesmo conteúdo que a sua edição original, mas o facto de estar em vinil e não em cassete faz dele um animal diferente, além do facto de conter sons adicionais da história que não tinham cabido na edição original em cassete.

 

P: E para terminar, o que podemos esperar em termos de projetos futuros?


R: Tenho em mãos várias coisas de momento: estou a trabalhar num álbum de novas canções para crianças com o Sam Mcloughlin que é particularmente excitante uma vez que são canções novas com um lado totalmente instrumental e o outro com palavras.
No Outono, a Lancashire Folklore Tapes irá começar com a primeira edição a ser uma coleção de canções que assinalam 4 séculos passados sobre os Julgamentos das Bruxas de Pendle. Estou a fazer a curadoria deste projeto com Rob St John e irá incluir 12 artistas do noroeste de Inglaterra com cada um a produzir uma canção dedicada ao tema. Isto será alvo de uma edição limitada em 400 vinis com notas e documentos anexos variados.
Estou também a trabalhar em adaptar as Folklore Tapes a um espetáculo ao vivo, incorporando projeções, música ao vivo e leituras de livros e tenho esperanças de poder fazer uma digressão em breve. O quarto volume das Devon Folklore Tapes também está quase aí, uma vez que tenciono lançar um novo volume a cada 2 ou 3 meses. O quarto volume será totalmente feminino. Também haverá um compêndio das Devon Folklore Tapes que incluirá um tema de cada investigador. Isto deverá sair no final do ano.

 

Devon Folklore Tapes: http://devonfolkloretapes.blogspot.pt/

Finders Keepers: http://www.finderskeepersrecords.com/

David Chatton Barker: http://www.davidchattonbarker.com/

Loja de prints de david Chatton Barker: http://davidchattonbarker.bigcartel.com/
 

 




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