Há que dedicar a reserva do dia 6 próximo para descer ao lisboeta Lounge e celebrar com os Llama Virgem o seu primeiro longa-duração “desconseguiste?”, que sucede ao EP do ano passado.
O ambiente psych das harmonias febris e dos loops alucinogénios do electro-rock do trio assegura o leito adequado no qual escorre e do qual se destaca o principal atributo de Llama Virgem, a mensagem destilada pelas letras que queimam o ouvido num spoken word que alterna entre registos mais cálidos e mais incandescentes.
Llama Virgem não levam ninguém ao engano: o destino do seu projecto é explicitamente interventivo. Os títulos nas nove faixas são tão explícitos quanto os versos em que se desdobram. Logo a abrir, em “Portugrall” é a fantasia inebriante de uma fachada que oculta a ruína que a suporta; em a “A Casa Está a Arder”, é o contrassenso demente de um país queimado; em “Descoloniza-me”, é o apelo voluntário à contaminação da consciência por uma alienação néscia; “Antropoceno” encerra com o verso “é uma extinção em massa no Antropoceno” que encapsula todos os que o precedem. E por aqui se dá o mote para as restantes faixas, que enfiam sem contemplações o dedo em outras tantas feridas sociais contemporâneas em que o local e o global se intersectam, abertas por um contexto local e global que é tão causa como efeito daquelas.
Mais importante até que o caleidoscópio da análise racional de cada uma das mensagens de “desconseguiste?” é a sua habilidade de emanar uma síntese que é maior que as partes, sugerindo e evocando os vínculos poder-conhecimento e a noção de dispositif avançados por Foucault que neles diagnostica o entrecruzamento e interacção intangíveis de um conjunto heterogéneo de elementos do mundo actual cujas endemias geradas não só apagam como suplantam as salubridades criadas, assim exaltando a relevância crítica observadora e acutilante inerente ao álbum.
Não obstante, a criatividade tornada objecto em “desconseguiste?” não evita um certo amargo de boca. Tais reflexões racionais inibem em certa medida alguma da ambiguidade e da indeterminação que conferem liberdade à imaginação do ouvinte. O activismo por algo que vá além da intervenção, a reclamação de um ethos humano superior a qualquer política e partilhado na escala local e global, dado como remoto ou perdido, está naturalmente implícito e latente, mas é ofuscado. É, no fundo, a ausência de construção, de uma perspectiva de beleza, que parece afinal perpetuar a dinâmica da fealdade da destruição que combate. “desconseguiste?” é um ferro em brasa tão concreto e directo que acaba por ferir uma parcela da experiência estética. Porventura desígnio intencional de Llama Virgem.
Não é, contudo, este amargo de boca que faz pender o fiel da balança para o lado que “desconseguiste?” não merece. A sua crueza é um bálsamo para o desmascar da ilusão e da fantasia que são propagadas por este dispositif enquanto anestesia das feridas do mundo como observado por Llama Virgem. Imperativo descer ao Lounge no dia 6.