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O ESTADO DA ARTE


Capa do livro, com Julie Cockburn, The Meteorologist, 2014, fotografia encontrada bordada, jacto de tinta, 25.3×20.4cm (p. 151).


Carmen Winant, My Birth, 2018, instalação de cerca de 2000 documentos encontrados e impressÔes fotogråficas com fita adesiva, dimensÔes variåveis, p. 50-51.


Kali Spitzer, Eloise Spitzer, 2015, ferrotipo com colĂłdio hĂșmido, 25.4×20.3cm, p. 110.


Marina Font, Untitled, 2015, sĂ©rie Dark Continents, impressĂŁo a pigmento sobre tela, gesso, napperon e fios montados em painel de madeira, 47.5×35.6×3.8cm, p. 153.


Douglas Mandry, Plaine-morte-210421_020, sĂ©rie Monuments, 2020-21, fotograma em papel Kodak com pinhole de gelo, 50.7×40.6cm, p. 266.


Samin Ahmadzadeh, 10 000 Faces II, 2017, fotografias entrançadas Ă  mĂŁo em contraplacado de bĂ©tula envernizado, 18.5×24.8×1.8cm, p. 138.


Capa do livro, com Valérie Jouve, Sans titre (Les Personnages avec Andréa Keen), 1984, C-print, 100x130cm.

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O livro Contre-culture dans la photographie contemporaine [Contracultura na fotografia contemporânea] de Michel Poivert (Textual, 2022, 304 páginas,180 imagens de página inteira, recebido em assessoria de imprensa) é bem vindo porque vem aclarar uma corrente fotográfica que, se já existia anteriormente, só foi trazida à luz há uma dúzia de anos, graças a festivais (o de fotografia experimental em Barcelona, o da imagem tangível em Paris), feiras (A ppr oche, Offscreen), exposições (no V&A, no MAM, no ICP, GESTE, no Folkwang, no CPIF) e livros (Lyle Rexer, Yannick Vigouroux, Diarmuid Costello, Geoffrey Batchen e este vosso autor), para citar apenas alguns. Esta corrente, nascida depois da advento do omnipresente digital, compreende abordagens variadas, como podemos ver na diversidade referenciada acima, que Michel Poivert reagrupou sob a égide da contracultura, da heterodoxia, da resistência ao modelo dominante, ao progresso imposto. Quando a fotografia não é apenas uma imagem, mas é também um objecto material (como irá mostrar uma exposição na BnF em outubro de 2023), quando vai contra a iconografia preponderante, então ela é também questão de emancipação, de ética, de ecosofia. A breve introdução, intitulada “Um pouco mais que uma imagem”, esboça um quadro geral desta paisagem; é seguida de sete capítulos temáticos, cujas fronteiras são por vezes fluídas; teríamos gostado de ter na introdução um “caminho de ferro” a introduzir esses sete capítulos.

O primeiro capítulo, “a fotografia reciclada”, trata da recuperação de fotografias existentes, do revelar de imagens vernaculares, da recolha e da reutilização, contracorrente do escoamento fastidioso de imagens que já Rimbaud denunciava em 1871. Entre os 22 fotógrafos deste capítulo encontramos Isabelle Le Minh ou documentação céline duval. Também uma composição da americana Carmen Winant com numerosas fotos recortadas de corpos e fragmentos de corpos femininos reunidos numa fotomontagem exuberante. Uma ligeira irritação deste primeiro capítulo: a ordem das reproduções não segue a ordem do texto, é preciso navegar à vista ou recorrer constantemente ao índice, e um artista cuja obra é descrita no texto não está no caderno de imagens, enquanto que dois estão lá sem estarem no texto, o que não facilita a leitura.

Os dois capítulos seguintes tratam de técnicas antigas e de processos antigos, primeiro de pinhole, de fotografia povera, de lomografia, de fotograma, depois de cianótipo, de calótipo, de ambrotipo, de colódio, de goma bicromatada, etc. Os artistas que voltam assim às fontes da fotografia não são necessariamente nostálgicos, antes procuram uma autenticidade, uma materialidade que a modernidade não permite mais. 43 artistas nestes dois capítulos, de Alison Rossiter a Driss Aroussi e de Matthew Brandt a Vittoria Gerardi. Aqui ao lado uma ferrotipia com colódio húmido da canadiana meio autóctone meio-judia Kali Spitzer, que escolheu utilizar a técnica dos retratos de índios americanos do século XIX, como uma reparação para o olhar colonial ainda praticado sobre eles.

Os dois capítulos seguintes estão interessados na materialidade aumentada do objecto fotográfico: primeiro a manufactura, as intervenções sobre a fotografia com bordado (como a capa do livro com Julie Cockburn), costura, tecelagem (aqui na imagem pela iraniana de Londres Samin Ahmadzadeh), perfuração, pregos, desenho ou escrita; depois a amplificação, o escultórico da fotografia impressa sobre metal, sobre vidro, sobre mármore, sobre porcelana, ou descolada e recolada, que lhe confere relevo, uma terceira dimensão. 37 artistas, de Carolle Bénitah a Joana Choumali e de Dune Varela a Sylvie Bonnot. Aqui ao lado, uma fotografia adornada com um napperon que cobre os genitais em forma de útero da argentina a viver nos Estados Unidos da América Marina Font, que explora o continente negro da sexualidade feminina esforçando-se em traduzir as suas próprias pulsões inconscientes.

Os dois últimos capítulos têm a ver com a ciência: as "fábulas ecosóficas" onde a fotografia se conjuga com a expedição científica, a geologia, a botânica, a natureza, a caminhada, depois o imaginário de novos mundos, as utopias de mundos possíveis, sejam elas ligadas à verdadeira ciência ou ao contrário aos mitos, ao sagrado. 35 fotógrafos, de Dove Allouche a Raphaël Dallaporta e de Lionel Bayol-Thémines a Stéphanie Solinas. Aqui ao lado, um fotograma do suíço Douglas Mandry, que introduz na sua câmara pinhole blocos de gelo provenientes dos glaciares, que interagem quimicamente com o papel fotossensível: como um grito de alarme sobre o aquecimento global e o derretimento dos glaciares.

Sem que haja realmente uma conclusão, o último capítulo termina com estas palavras “uma imensa respiração utópica – uma libertação do imaginário”. É um livro fervilhante sobre esta nova vertente da criação fotográfica, um livro poético e comprometido. Mas não é um livro académico: nem lista exposições, nem biografias dos artistas, nem (o que mais lamentamos) bibliografia. Michel Poivert cita muito pouco obras de referência: Lyle Rexer brevemente, Günther Anders, Ivan Illich, mal Vilém Flusser, como desvio de uma precisão semântica, ainda que seja um dos que melhor teorizou esta abordagem contra-cultural, esta resistência ao modelo dominante, e que a "libertação do imaginário" de Poivert responda à frase fundamental do livro de Flusser: "esta filosofia [da fotografia] é necessária porque é a única forma de revolução que ainda se nos encontra aberta”. Não terei o pedantismo de listar todos os autores que poderiam ter sido citados aqui, o que teria aberto mais o campo de reflexão ao leitor, mas não era esse o propósito. Outra pequena reprimenda: se os 126 fotógrafos aqui apresentados exibem uma impecável paridade M/F (air du temps obriga), há apenas um terço entre eles que não são franceses (ou da cena francesa), poderíamos ter esperado mais abertura internacional. Muitas descobertas para mim (é o caso de todas as reproduções que coloquei aqui), mas em contrapartida, pouco de grandes nomes (Oscar Muñoz, Bernard Plossu, Pierre Cordier sem imagens) e, portanto, ausências um pouco surpreendentes (mas, novamente, nenhuma lista pedante). Contudo, apesar de algumas reprovações, é um livro apaixonante.



O livro de Olga Smith, Contemporary Photography in France. Between Theory and Practice [Fotografia Contemporânea em França. Entre a Teoria e a Prática (Leuven University Press, 232 páginas, 11 fotos P&B no texto, 28 fotos coloridas num caderno, bibliografia de 18 páginas) é destinado a um público anglófono para compensar o fraco número de livros em inglês sobre este assunto. Ao contrário de um livro traduzido, este é um ponto de vista original, de uma estrangeira que conhece bem a França e que oferece uma perspectiva um pouco diferente, mais ampla e menos enraizada, algo distanciada em relação ao “génio francês”. Mas o interesse deste livro vai bem mais para lá de uma simples apresentação mais ou menos temática do panorama da fotografia francesa contemporânea, que pode ser muito seca; com efeito, de maneira apaixonante, a autora tece ligações entre escrita e fotografia, entre filosofia e arte. Os três primeiros capítulos adoptam o mesmo formato: um momento (os anos 1970, os anos1980 e o período 1990-2020), um escritor (Barthes, Baudrillard, Rancière), um conceito abrangente (a subjetividade, os objectos, o compromisso) e os trabalhos dos fotógrafos desse período. Pode ser pesado e artificial, mas é apaixonante e é a parte mais inovadora do livro. Certamente aprendemos poucas coisas sobre Barthes, muito conhecido, mas os capítulos com Baudrillard e Rancière não só apresentam textos menos conhecidos desses autores (que seria bom editar numa colectânea), mas oferecem também uma análise profunda e inteligente. Este diálogo entre filosofia e fotografia é a qualidade principal deste livro para quem conhece já um pouco da cena francesa. A contrapartida é que há pouca questão sobre outros autores além desses três, e que, por exemplo, toda a rica pesquisa francesa sobre fotografia e psicanálise (Tisseron, Barreau, Gagnebin, Kofman) é remetida ao silêncio. Alguns dos fotógrafos são analisados em detalhe de maneira aprofundada; os textos sobre Depardon e o jovem Boltanski em particular são muito interessantes. Sobre outros fotógrafos (como Bourouissa) poderíamos desejar um olhar mais crítico. A maioria dos fotógrafos estão já bem estabelecidos, não vamos fazer descobertas aqui (a mais nova, creio eu, é Noémie Goudal, que tem 38 anos); muito poucas coisas sobre a fotografia experimental e a contracultura explorada aqui acima. O quarto capítulo não segue o mesmo padrão, prende-se com a fotografia de paisagem, com efeito um elemento importante da fotografia francesa; oferece uma visão transversal bastante completa e liga este assunto à crise ecológica. Mas estamos um pouco surpresos pela quebra de ritmo e de abordagem após os 3 primeiros capítulos. A conclusão esforça-se inteligentemente por uma história não nacionalista da fotografia.

 

[Nota deontológica: livro recebido das edições da Universidade de Leuven em agradecimento ao meu papel como revisor deste livro antes da publicação.]

 

 

 

Marc Lenot
É desde 2005 autor do blog Lunettes Rouges, publicado pelo jornal Le Monde. Em 2009 obteve o grau de Mestre com uma dissertação sobre o fotógrafo checo Miroslav Tichý, e em 2016 doutorou-se pela Universidade de Paris com uma tese sobre fotografia experimental contemporânea. Membro da AICA, venceu em 2014 o Prémio de Crítica de Arte AICA França, pela sua apresentação do trabalho da artista franco-equatoriana Estefanía Peñafiel Loaiza.