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SOBRE AS TENDÊNCIAS DA ARTE ACTUAL EM ANGOLA: DA CRIAÇÃO AOS NOVOS CANAIS DE LEGITIMAÇÃOADRIANO MIXINGE2017-02-20
Os adolescentes e jovens do período anterior ao fim do conflito hoje são jovens e/ou adultos, muitos deles estão em fase formativa e/ou já formados, como cidadãos têm posturas cívicas que em nada devem à época de partido único vivida no nosso país, estão despidos de qualquer forma de compromisso moral que os faça depender da geração de utópicos e sonhadores que lutaram pela independência, apesar de muitos deles serem seus filhos. Estes jovens e adultos não devem quase nada (ou pouco) ao sistema político e social imperante, uma vez que, a maior parte, resulta e ou emana de sacrifícios familiares e de esquemas de sobrevivência pessoais, o que, por si só e a priori, lhes dá maior liberdade individual. Além do mais, pelo uso que fazem das novas tecnologias e pela frequência com que viajam, têm um acesso à informação como nunca nenhuma outra geração teve. É, pois, neste contexto dinâmico e em constante mutação que resulta delicado, problemático e inconclusivo avaliar as tendências actuais da arte angolana contemporânea. Entre fins de 1999 e princípios de 2000, no ensaio intitulado “O regresso do Pan-africanismo” que consta do livro de ensaios “Made in Angola: arte contemporânea, artistas e debates” (L`Harmattan. Paris, 2006), defini cinco das principais tendências da sensibilidade e da razão africana contemporânea, a saber: Tendência pela sublimação da guerra e dos mortos; Tendência pela fabulação da História, dos Mitos e do Cosmos; Tendência pelo retrato (do indivíduo, da sociedade, dos costumes ou da natureza); Tendência pela representação de totalidades espaciais e temporais como reformulação de noções ancestrais e/ou da livre imaginação; Tendência pelo uso de tecnologias de ponta: o ciberespaço e as vídeo-imagens. Apesar das mudanças de actores, das peculiaridades dos projectos artísticos e tanto das características das obras como dos meios de expressão artística (pintura, escultura, instalação, fotografia e ou vídeo, entre outros), creio que estas continuam a ser as principais tendências criativas tanto na arte africana como na arte angolana contemporânea. Mas, duas vertentes parecem caracterizá-las, a saber: uma primeira vertente decorativa e utilitária e, uma segunda, mais reflexiva e de marcado compromisso social e político. Nessa ordem de ideias, poderíamos dizer, por exemplo, que a obra de Yonamine Miguel se inscreve na tendência pelo retrato (do individuo, da sociedade, dos costumes ou da natureza) e a obra de Nástio Mosquito situar-se-ia na tendência pela representação de totalidades espaciais e temporais fruto da sua livre e atípica imaginação. Na obra "Pão nosso de cada dia", Yonamine fixa numa imagem só os 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos elevando-o naquele que, certamente será, o retrato mais imponente que lhe tenham feito, numa dimensão que inequivocamente o imortalizará na arte. E, assim, sucessivamente, poderíamos catalogar os artistas angolanos mais interessantes do momento - e nem sempre por causa somente da sua obra artística - como, a meu ver, o são António Ole, Van, Kiluanje Kia Henda, Francisco Vidal, Yonamine, Nástio Mosquito, Januário Jano, Keyezua, Toy Boy, Thó Simões, Edson Chagas, Binelde Hyrcam, António Gonga, Franck Lundangi e Nelo Teixeira. No entanto, num sentido mais amplo, a meu ver, talvez resulte mais sugestivo apontar, aqui e agora, que as paredes são o suporte do fio condutor mais consistente e renovador da arte angolana tradicional, moderna e contemporânea: caso determinássemos uma sequência artística e histórica ela começaria, então, a partir das pinturas rupestre de Tchitundu Hulu, passando pela pintura mural Cokwé, pelos murais de Albano Neves e Sousa (e outros artistas), pelos murais das paredes da propaganda revolucionária dos anos 70 e 80 do século XX, que estão em Luanda e noutras cidades de Angola. Da propaganda revolucionária chegaríamos às paredes que António Ole foi fazendo a partir da sua exposição Margem da Zona Limite (1994), as paredes do exorcismo da guerra que Fernando Alvim pintou também nos anos 90 do século passado, sem esquecer a parede de pau à pique de Van, as paredes de papel ou de catanas de Francisco Vidal, a parede de torradas de Yonamine na sua bela obra "Pão nosso de cada dia", a parede/contorno/limites ausentes do vídeo "Cambeck" de Binelde Hyrcam até as paredes de Thó Simões, Edson Chagas e Alekssandre Fortunato na exposição "Fuckin Globo III" . Para além desse elogio e exaltação do muro como suporte, das tendências criativas propriamente ditas, teríamos que falar de tendências associadas às novas dinâmicas institucionais e, por conseguinte, aos novos sistemas de legitimação. Quer dizer, nos últimos anos, apesar do declínio do Salão Internacional de Exposições (SIEXPO), no último andar do Museu Nacional de História Natural, temos assistido à consolidação de várias instituições como a Fundação Sindika Dokolo e a revitalização da União Nacional de Artistas Plásticos (UNAP), que permite apoiar criadores que estão situados na fronteira entre a arte e o artesanato. Mas isso não é tudo: temos assistido com entusiasmo ao surgimento de novos espaços de exposição como as galerias Movart, Nikharte e a do Banco Económico, o trabalho do E-estúdio Luanda que não passa desapercebido, a irrupção do atelier-galeria Mampuya, a abertura da Casa das Artes, em Talatona, o desempenho do Espaço Luanda Arte (ELA) situado no edifício da De Beers, incluindo a intensificação do trabalho do Centro Cultural Português ou ainda, o contributo bastante criterioso de comissários de arte como Paula Nascimento, Suzana Sousa, Benjamin Sabby e Danilo Fortunato, fundamentalmente. Mas, o que é mais curioso ainda são as estratégias à margem de todas as instituições e especialistas antes citados como a dos artistas que todos os últimos três anos participaram nas exposições Fuckin`Globo I, II e III que, produzindo eles próprios as suas exposições, vertendo online o essencial da documentação, imagens e vídeos das mostras, se dirigem directamente a uma audiência internacional e, por conseguinte, podem dar-se o luxo de movimentar-se à margem das capelinhas da arte local. Ou, dito de outro modo: a Fundação Sindika Dokolo deixou de ser assim tão relevante quanto quer fazer crer à opinião pública e aos burocratas locais, a tal ponto que vários dos artistas que inicialmente trabalharam sob a alçada dela, hoje por hoje, o que querem é evoluir à margem dela. Apesar da Fundação Sindika Dokolo, num passado recente, parecer estar a ir na boa direcção e ser notória a sua capacidade de reinvenção preocupando-se, por exemplo, pela música e pelo teatro local, ainda está por ver-se qual os efeitos reais e as consequências para as práticas e a criação artística locais. Mesmo que não aprofundemos aqui, não podemos deixar de sublinhar que, sem lugar a dúvidas, pese embora registarmos um esforço significativo do Complexo das Escolas de Arte do Ministério da Cultura e do Instituto Superior de Artes do Ministério da Educação, continuamos a carecer de uma formação artística de maior qualidade, vemos muitas fragilidades no coleccionismo de arte público e privado, falta de revistas especializadas de arte e por conseguinte de uma crítica da arte ajustada às especificidades do panorama da arte contemporânea. Estas são as principais carências do sistema institucional das artes visuais e plásticas em Angola que provocam que, em parte, as suas tendências criativas e institucionais tenham muitas limitações.
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