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INSTAGRAM: CRIAÇÃO E O DISCURSO VIRTUAL – “TO BE, OR NOT TO BE” – O CASO DE CINDY SHERMANSÉRGIO PARREIRA2017-09-03
Encontramo-nos ainda numa fase em que muitos artistas a nível global tentam encontrar a sua identidade virtual nas várias plataformas disponíveis. Nuns países seguramente mais do que noutros, o Instagram já é um meio de promoção e divulgação dos projetos e obras que um artista está a criar, e também um meio para comercializarem essas mesmas obras. O mercado das artes visuais e os próprios artistas apoderaram-se desta plataforma com extrema eficácia, fazendo com que o Instagram se tenha tornado num meio de comunicação primordial para seguir o que estão a produzir e exibir a nível global. Os artistas começaram a ter esta consciência muito presente, e encontram-se contas de Instagram que são verdadeiras exposições virtuais de artes visuais, em que estes partilham o trabalho que produzem atualmente, muitas vezes o processo de criação, e anunciam também o que podemos expectar nos próximos posts e futuras exposições em espaços físicos. Muitos artistas e criadores que até há pouco tempo tinham as suas contas privadas, aperceberam-se que tornar a sua conta pública poderia seguramente gerar uma nova curiosidade, colocar ativamente obra no mercado, e simultaneamente produzir um novo espaço de exposição e promoção da sua identidade artística e pessoal. O caso de Cindy Sherman @_cindysherman_ é sintomático de todos os fatores que acabo de enunciar. O que começou por ser uma discreta adesão à plataforma no final de 2016, com um modesto número de seguidores, transformou-se durante o último mês numa página de culto, que atrai atualmente mais de 120 mil seguidores, com uma média de 15 mil likes por post. Cindy Sherman é uma artista Norte Americana, reconhecida pela sua maestria nos formatos fotográficos e filmográficos em que explora exaustivamente, através do retrato e principalmente do auto-retrato, o papel da figura feminina na sociedade contemporânea. Explorando referências históricas da tradição da self-portraiture e jogo teatral de incorporação de personagens, Sherman socorre-se das mais diversas ferramentas utilizadas no cinema, encenação, teatralização, maquilhagem, figurinismo, criação de alucinação e fantasia, para eternizar e registar alter-egos femininos, potencialmente imperecíveis, que associamos a conceitos oriundos do universo da celebridade pública, e nos quais, em término, nos identificamos no reconhecimento da exposição pessoal num confronto entre as expectativas da sociedade e a nossa verdadeira identidade pessoal. O trabalho de retrato fotográfico de Cindy Sherman esteve desde sempre, e ainda hoje, firmado numa dialética do presente, enquanto e simultaneamente, respiga tradições da arte, forçando o espetador a questionar e analisar estereótipos culturais, sátira política, caricatura, e inúmeras outras alusões a potenciais acasos cómicos do quotidiano, que muitas vezes se revelam inconfortavelmente hilariantes. Em última análise, o retrato fotográfico desafia uma preeminente flexibilidade da percepção visual, indissociável da subjetividade da inteligência da natura humana. Numa época da selfie-portraitura, jogo de exploração do espelho de nós próprios, em que a autocritica tende a escaparmos, pois indubitavelmente é algo que evitamos, surgem os posts de Sherman, que questionam toda esta lógica de captação do nosso máximo inspirador self-momentum. É exatamente aqui que está a inovação e o sucesso inesperado da página da artista. Seguramente que os criadores do Instagram não anteviam que um ser humano / artista, através da tecnologia, intencionalmente explorasse enfear o seu Eu, e publicá-lo avidamente como espelho da sua imagem. Com o auxílio de aplicações (apps) como o Facetune, que permite aos utilizadores aperfeiçoar as suas feições, e a Pefect365, um kit de maquilhagem virtual, a artista transforma caricaturalmente a sua face a extremos de ridículo, muito pouco atraente, exacerbando uma intervenção feminista e controvertendo a forma como uma mulher supostamente se deve apresentar. Goste-se ou não do produto final enquanto objeto artístico, é inquestionável que esta exposição virtual de Cindy Sherman nos coloca num interessante patamar de questionamento, do que pode ou não ser apresentado como um objeto artístico sequencial, de uma carreira legítima e histórica. O Instagram transpõe também com esta tipologia de intervenção, a mera plataforma de publicação fotográfica ou fílmica da imagem autoral de captação instantânea, ou republicação de conteúdos, transformando-se eventualmente de forma lícita numa técnica artística. O Instagram de Cindy Sherman não oblitera por completo, pelo menos atualmente, as imagens do pessoal/quotidiano, entre o que poderemos designar como trabalho profissional e artístico. Também na sua página encontramos registos de obras de outros artistas captadas em espaços públicos, acontecimentos banais de narrativa privada, mas que nesta página específica, desta artista única, se tornam particularmente curiosas e revelam interesses passíveis de serem questionados também eles como influências conceptuais e artísticas. Numa não mais questionável decisão do que devemos tornar privado ou público, o Instagram está irreversivelmente, e até novas formas o suplantarem, instituído como um espaço em que o agente artístico ou comunicador das artes tem necessariamente que estar presente. Para os artistas visuais em particular, surge como a ferramenta contemporânea mais eficaz de projeção e comunicação conceptual e estilística, assim como coloca, e consoante cada estratégia individual de disseminação, o trabalho artístico num mercado global muitas vezes aspirado e aparentemente inalcançável.
Sérgio Parreira |