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O ESTADO DA ARTE


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1 – Quando por oportuna iniciativa de um partido polĂ­tico, o CDS-PP, o plenĂĄrio da Assembleia da RepĂșblica aprovou por unanimidade a chamada do Ministro da Cultura Ă  comissĂŁo especializada a fim de prestar esclarecimentos sobre o atraso da definição da representação portuguesa na Bienal de Veneza (bem como da falta de apoio Ă  presença de galerias na ARCO de Madrid), o complexo processo, sendo do campo artĂ­stico, tornou-se tambĂ©m polĂ­tico. A posterior indicação da dupla JoĂŁo Maria GusmĂŁo e Pedro Paiva, e de Natxo Checa como comissĂĄrio, nĂŁo encerra o processo; pelo contrĂĄrio, as peripĂ©cias foram de tal ordem que solicitam mesmo uma reflexĂŁo sobre o conceito de “representação nacional” em que entrosam os campos da arte e da polĂ­tica.

2 – Bem antes de se consagrar o termo de “globalização”, houve uma “mundivĂȘncia expositiva” associada Ă  revolução industrial e aos impĂ©rios coloniais. A primeira Feira Mundial, “Great Exhibition of the Works of All Nations”, ocorreu em Londres em 1851 e a Exposição Universal de Paris ocorreu em 1900. Foi entre essas duas datas que se iniciou, em 1895, uma mostra assumidamente cultural, a Bienal de Veneza, e a partir da edição seguinte começaram a ser erigidos os diversos pavilhĂ”es nacionais. Evento artĂ­stico, a Bienal de Veneza Ă© tambĂ©m assim um acontecimento inter-nacional, em que os diferentes paĂ­ses estĂŁo representados por artistas singulares.

3 – Entre o carĂĄcter geral do projecto e a singularidade dos artistas expostos, coloca-se agudamente o problema dos “artistas” em si mesmo, como Nathalie Heinich o analisou em L’Élite artiste – Excellence et singularitĂ© em rĂ©gime dĂ©mocratique (Gallimard, 2005). Ora os poderes artĂ­sticos e literĂĄrios em regime democrĂĄtico devem ser exercidos de forma transparente. É nessa transparĂȘncia que tanto mais se exerce a mediação quanto a singularidade, e a excelĂȘncia, tĂȘm um valor artĂ­stico para alĂ©m do “senso comum”, sendo que os artistas se representam a eles prĂłprios mas estĂŁo tambĂ©m na situação de representar um paĂ­s.

4 – O que sucedeu no rocambolesco folhetim da representação portuguesa na prĂłxima bienal foi uma dupla crise de mediação, da mediação polĂ­tica exercida atravĂ©s da Direcção-Geral das Artes e da mediação artĂ­stica propriamente, na escolha de um curador responsĂĄvel – mais do que falar na dupla JoĂŁo Maria GusmĂŁo e Pedro Paiva, cabe aliĂĄs falar numa tripla GusmĂŁo, Paiva e Natxo Checa, escolhida em recurso em funçÔes das suas capacidades como plataforma produtiva.

5 – Chegou-se a essa solução, como foi noticiado, nĂŁo sem que antes o Estado, atravĂ©s da DGArtes tivesse anteriormente contemplado a hipĂłtese do cineasta Pedro Costa. É certo que a partir dos seus filmes ele vem realizando algumas mostras como “Fora – Out” com Rui Chafes em Serralves, mas uma tal hipĂłtese ainda que entretanto malograda nĂŁo deixa de suscitar alguns comentĂĄrios. Pedro Costa Ă© hoje um artista largamente reconhecido internacionalmente, e influente, mas nĂŁo tem de modo nenhum um rasto expositivo comparĂĄvel a outros artistas que vĂȘm trabalhando com materiais fĂ­lmicos. Por outro lado, seria surpreendente na radicalidade do seu discurso um tal selo de “representação nacional”, colocando-se ele, como se coloca, numa hĂ­brida categoria de margem. Enfim, tal hipĂłtese seria parte de um processo negocial, ao cineasta, ao tal cineasta tĂŁo Ă  margem, sendo necessĂĄrio um apoio estatal para reaver a produtores, ou a um produtor, a posse de negativos de filmes seus.

6 – Por todas estas razĂ”es, a escolha de GusmĂŁo e Paiva, dupla que Ă© sem dĂșvida das mais importantes entre os ainda emergentes artistas portugueses, Ă© uma opção de contingĂȘncias, com o interesse de vir interromper a fila de candidatos mais Ăłbvios em função de currĂ­culos mais estabelecidos, mas criando para eles prĂłprios o imenso risco de os categorizar como “favoritos do poder”, o que de modo nenhum a sua obra deixava antever.

7 – Todo este processo foi por isso demasiado obscuro para se enquadrar na desejĂĄvel mediação da excelĂȘncia e da singularidade em regime democrĂĄtico.



Augusto M. Seabra
www.letradeforma.blogs.sapo.pt