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O ESTADO DA ARTE


Richard Prince, da série Canal Zone, 2008.


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DANIEL MCCLEAN

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O Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América não aceitou o recurso daquele que é já um marco na questão da violação de direitos artísticos: o caso Cariou vs. Prince (Novembro de 2013). Esta decisão é monumental para o mundo das artes. Significa que a sentença do Tribunal de Apelação americano, na Relação (Abril de 2013), da prolongada disputa entre o fotógrafo Patrick Cariou e o artista Richard Prince, permanece intacta.
O Tribunal na Relação decidiu largamente a favor de Prince em detrimento de Cariou no início deste ano. Argumentou que o grosso da série Canal Zone (2008), as pinturas-collage de Prince baseadas na sua ´apropriação` das fotografias de rastafáris de Cariou, equivale a ´uso legal` sob a lei dos direitos autorais americana, num julgamento que significativamente consolida o alcance a que pode chegar a liberdade de expressão artística nos Estados Unidos e que se pode tornar num importante precedente para outros sistemas legais.


O caso

Amplamente conhecida, a disputa começou quando Prince exibiu Canal Zone na Galeria Gagosian, em Nova Iorque, em 2008. A série de 30 pinturas-colagem de Prince incorporam cópias em grande formato das fotografias a preto e branco de Cariou da comunidade rastafári, tiradas (com a benção da comunidade) na Jamaica. Estas imagens foram copiadas por Prince a partir do livro de Cariou Yes Rasta (2000), sem permissão de Cariou, tendo Prince pintado cores brilhantes e berrantes por cima das caras e dos corpos dos sujeitos de Cariou, distorcendo-os desta maneira. Fazendo isso, o artista invocou e parodiou os estereótipos modernistas do selvagem ´primitivo`, particularmente o trabalho seminal de Picasso Demoiselles d’Avignon (1907).
O tribunal de primeira instância de Nova Iorque (2011) argumentou que Prince, a galeria Gagosian e o editor Rizzoli tinham infringido a lei dos direitos autorais ao fazer e distribuir cópias das fotografias de Cariou e que a defesa do ´uso legal` não se aplicava. Controversamente, ordenou também que os réus tinham de destruir as pinturas de Prince que ainda não tinham sido vendidas (num valor que podia atingir os 10 milhões) e todas as cópias do catálogo da exposição que estivessem ainda na sua posse.
Por contrário, o Tribunal da Relação aplicou expansivamente a defesa do uso legal. A defesa do uso legal nos Estados Unidos permite aos tribunais isentar infrações aos direitos de autor avaliando flexivelmente quatro factores principais: o propósito do uso, a natureza do uso, a quantidade de trabalho protegido usado e o impacto da infracção no mercado do trabalho protegido.
Significativamente, o tribunal alegou que os trabalhos de Prince nem sequer tinham de comentar ou referir-se às imagens de Cariou como fonte material: o que era importante era se os trabalhos de Prince eram visualmente ´transformativos`. O teste que o tribunal aplicou para esta questão foi o facto de um ´observador sensato` perceber a diferença entre o original e a cópia – e isso não dependia das intenções do artista. Desse modo, o tribunal decidiu que 25 dos 30 trabalhos de Prince ficavam isentos, enviando os restantes 5 para um júri deliberar.


Comentário

A recusa do Supremo Tribunal americano em pronunciar-se sobre a disputa é sem dúvida uma boa notícia para muitos artistas contemporâneos cujas práticas, como as de Prince, se baseiam na cópia não autorizada de imagens existentes (fotografias, filmes e outros trabalhos artísticos), na medida em que essas práticas muitas vezes colidem com restrições de direitos de autor. Contudo, a decisão é menos bem vinda para os fotógrafos que ficarão agora sem protecção de direitos autorais nos Estados Unidos, em muitas situações onde as suas imagens são usadas sem permissão por artistas.
Para muitos advogados especialistas em direitos de autor (incluindo os americanos), a decisão do tribunal pode estar em desacordo com um dos princípios centrais da lei dos direitos de autor: que é o facto de não ser competência dos tribunais estarem envolvidos em questões de julgamento do valor estético. De facto, a decisão parece passar sobre um dos princípios fundamentais do direito de autor que é a ´neutralidade estética`, privilegiando obras de ´arte` com reconhecimento institucional em detrimento de obras fotográficas sem reconhecimento institucional, reflectindo assim um elitismo cultural, uma divisão alta/baixa cultura.
Contra isto, a decisão do tribunal deve ser vista dentro do contexto da lei americana do direito de autor, particularmente a acepção de que as leis de direitos de autor existem para promover o desenvolvimento cultural, assim como proteger os direitos dos autores/detentores dos trabalhos. Aplicar a lei de direito de autor a partir do ponto de vista público conduz a uma interpretação mais liberal do direito de autor, do que um sistema baseado num entendimento estrito dos direitos de propriedade, como se pode ver aqui.
Qualquer que seja o mérito da decisão do tribunal, deve ser primeiramente lembrado que a decisão se aplica apenas nos Estados Unidos e que é seguramente inconsistente com as leis dos direitos de autor de outros países, incluindo o Reino Unido e as leis europeias do direito de autor. Galerias e museus fora dos Estados Unidos que desejem expor/vender os trabalhos de Canal Zone de Prince, ou outros trabalhos semelhantes baseados em ´apropriações`, devem ser cautelosos, pois isso poderá infringir as leis de direitos de autor do país onde esses trabalhos estejam a ser distribuídos. Segundo, deve ser lembrado que as incertezas continuam para os artistas e galerias que esperem apoiar-se numa acção de defesa. Mesmo que o âmbito do uso legal se tenha sem dúvida expandido como resultado da decisão do tribunal, é ambíguo o quanto um artista terá que alterar visualmente uma imagem para que o seu trabalho possa ser considerado ´transformativo`. No entanto, o que está claro é que é uma defesa que favorece a ´colagem` mais do que a apropriação ´inalterada`. É ainda duvidoso, por exemplo, se antigos trabalhos de apropriação de Prince, incluindo a sua famosa série Cowboys (1980-92; imagens publicitárias do Homem Marlboro copiadas, aumentadas e redimensionadas), estariam protegidos pela defesa se fosse hoje aplicada. Versão portuguesa do original inglês de Daniel McClean.




Este artigo foi originalmente publicado na ArtReview, Janeiro/Fevereiro 2014.