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O ESTADO DA ARTE


Drawing Room 2023. © Liz Vahia


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Drawing Room 2023. © Liz Vahia


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LIZ VAHIA

2023-11-25




 


Com mais uma edição da Drawing Room Lisboa, feira dedicada ao desenho contemporâneo que decorreu na SNBA este mês de Outubro, regressaram também as Millennium Art Talks, um programa com curadoria de Maria do Mar Fazenda e que apresentou uma série de conversas temáticas em torno (novamente) do que é isto do ‘desenho’. Desta vez, o desenho foi pensado na sua relação com a Política e a Memória, e com a Arquitectura e a Antropologia, contando com a participação de vários artistas, muitos deles com obra exposta na feira.

A primeira conversa, que juntou João Sousa Cardoso, Fernando Marques Penteado, Pedro Barateiro e Isa Toledo, tinha como mote “Desenho e Política” (embora também pudesse chamar-se “Desenho e Linguagem”, como apontou Maria do Mar Fazenda na introdução). Como Isa Toledo afirmou, desenho e política são dois conceitos “que todos achamos que sabemos o que são, mas depois são difíceis de explicar”. No entanto, foi consensual que uma ideia de posição social, relação com o Outro e a vivência do quotidiano, eram termos que se aproximavam do que seria “o” político. Para Fernando Marques Penteado, “a única coisa que temos de político é a vida quotidiana, é o dia a dia”, ou seja, “age-se politicamente todos os dias com a forma como se está no mundo”. E pudemos ver imagens de “Prison Speech Project” (2003), trabalho desenvolvido com reclusos da HM Prison Wandsworth (Constance Howard Textile Research Centre; Crafts Council, Londres).

 

Fernando Marques Penteado na Drawing Room 2023. © Liz Vahia

 

No entanto, como João Sousa Cardoso disse, “o quotidiano é uma camada da nossa actuação política, mas não é a única”. Para si, no trabalho de Fernando Marques Penteado podemos ver questões como o labor e o tempo e como “o desenho se liga antropologicamente à mão, como pode estar perto do golpe, do risco, do rasgar, da linha, traço, da manualidade”. Para João Sousa Cardoso, o desenho é da ordem da “prática íntima do quotidiano”, sendo que “praticar com as mãos é praticar as ideias”.

Esta ideia de intimidade também foi de alguma forma abordada por Pedro Barateiro, para quem o desenho está tão intrinsecamente ligado ao seu trabalho que nem sequer pensa assim tanto nele. Para Barateiro, o “desenho” como obra expõe um lado íntimo do “desenhar” como prática, “uma exterioridade e alteridade que todas as formas de inscrição convocam”, disse o artista, que nos trouxe o seu vídeo “Monologue for a Monster” (2021), onde o discursivo e o visual se balançam num movimento de auto-representação que é uma auto-reflexão.

Já a segunda conversa foi dedicada à apresentação do programa intitulado “O Desenho como Pensamento”, que decorre desde 2020 em vários espaços culturais de Águeda (e arredores) e tem a direcção artística de Alexandre Baptista. Além deste artista e curador, participaram também neste painel Catarina Leitão, Gabriela Albergaria, Isabel Madureira Andrade e Pedro Valdez Cardoso, todos eles participantes nas actividades do projecto. “O Desenho como Pensamento” é um programa que contempla exposições (individuais e colectivas) em que os artistas, embora com linguagens distintas, têm no desenho um campo priviligiado na sua obra. A este conjunto de exposições, juntam-se também ciclos de conversas sobre questões relacionadas com o desenho.
Cada artista convidado deste painel falou sobre a sua experiência no programa “O Desenho como Pensamento” e sobre as obras expostas. Alexandre Baptista afirmou que escolheu para este ciclo os artistas que mostravam no seu trabalho “este processo de construção de desenho”. Pedro Valdez Cardoso falou da necessidade de mostrar um desenho com objectualidade, em que se percebesse o limite do próprio suporte. Em “Slow”, instalação que apresentou no Salão de Chá do Parque Alta Vila, em Águeda, os fios do bordado são deixados à vista para acentuar esse processo de construção. Também Isabel Madureira Andrade falou do processo de construção das suas obras, sobretudo o processo de decalque (frotagge) que tem vindo a usar há bastante tempo e que lhe permite, a partir de objectos que têm um padrão, uma regularidade ou simetria, desenvolver um processo de revelação em que a imagem “aparece” no papel. Para Isabel Madureira Andrade, a escolha de um objecto que já existe e a partir do qual trabalhar permite concentrar-se noutras questões do desenhar que não o “assunto”, ou seja, questões como o tipo de papel, a sua gramagem, a pressão sobre ele... Enfatizando também o lado de “acidente” que isso pode trazer, pois nunca sabe que desenho irá surgir. E conclui que “há sempre, primeiramente, algo de tridimensional no meu desenho, algo escultórico”. Esse lado “escultórico” preocupou também Catarina Leitão, que se questionava “como é que o bidimensional que está fechado no papel se transporta para o espaço?” Em “Sativa”, Catarina Leitão mistura o desenho com a escultura e apresenta o que chamou de “peças naturfacturadas”, onde o natural e o artificial se apresentam de forma ambígua e a separação entre natural e humano é instável.

A junção de humano e natureza estava também patente na série “Landscape in repair” em que Gabriela Albergaria tem vindo a trabalhar e que, segundo a artista, pretende transformar através do desenho o discurso ligado à natureza e aos temas actuais das alterações climáticas, desflorestação, etc. Para Gabriela Albergaria, “o desenho no meu trabalho é de facto uma forma de pensar. O desenho constrói pensamento na sua execução e ajuda a pensar, muda maneiras de pensar.”

 

Rui Calçada Bastos na Drawing Room 2023. © Liz Vahia

 

“Os desenhos” e “o desenho” como traçado do percurso ou marca da vida, assim como os conceitos de “imagem” e “arquivo”, foram os temas lançados por Cristina Robalo na conversa que tinha por título “Desenho e memória” e que contou com os artistas Adriana Molder, Catarina Dias e Rui Calçada Bastos. Apesar de poderem não ter o “desenho” como actividade definidora, Cristina Robalo mesmo assim “vê” desenho na obra destes artistas, que deambulam em sentidos diversos entre uma ideia de “imagem” e “desenho”.

A partir destas conversas, percebemos que o desenho é também esta actividade que deambula entre o “fazer” e o “pensar”, sem no entanto chegar a fixar-se. Se todos achamos que sabemos o que é um desenho, este mantém mesmo assim um lado que não se deixa agarrar, perpectuando sobre si uma conversa infinita, um pensamento que não se concretiza de todo. Ele amplia e circunscreve ao mesmo tempo, está aqui em matéria, mas remete para um fantasmático. Como alguns artistas mencionaram nestas conversas, no desenho está uma intimidade que exigiu uma expressão, um interior que quis relacionar-se com o exterior, mesmo que mantenha ainda um carácter de mistério.

 

 

Liz Vahia
Licenciada em Antropologia, pela Universidade de Coimbra. Doutoranda no programa Filosofia da Ciência, Tecnologia, Arte e Sociedade da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

 

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Mais informação sobre esta edição das Millennium Art Talks 2023 aqui.