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O ESTADO DA ARTE


Still da instalação "Telephone Without a Wire".


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BRUCE GILCHRIST

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CAMPO ABERTO


Estamos interessados na ideia de trabalho de campo como prática artística, uma forma de gerar material para projetos de arte através de uma criativa investigação aberta, extemporânea, baseada em pessoas, coisas e fenómenos enraizados num lugar específico. Ao perguntar se a experiência do lugar pode ou não ser mediada, se pode um sentimento de subjectividade externa ser comunicado, combinamos observações e gravações para criar destilações de eventos de uma forma que pode ser recebida por outros - geralmente num outro lugar qualquer. Procuramos correspondências entre paisagem e imaginação que denotem a natureza site-specific da cognição; que o sítio onde estamos afecta profundamente a maneira como pensamos sobre as coisas.

Durante Novembro e Dezembro de 2009 fizemos trabalho de campo numa área de floresta tropical Atlântica (Mata Atlântica), um dos habitats mais ameaçados do mundo, no sudeste do Brasil, na REGUA (Reserva Ecológica de Guapiaçu). Sendo o primeiro lugar a ser colonizado pelos portugueses há mais de 500 anos atrás, é claro que a maioria do habitat original da Mata Atlântica foi substituído por paisagens modificadas pelos humanos, com a desflorestação e a fragmentação a continuar a aumentar. Com a terra a sofrer actualmente pressões sem precedentes, a REGUA tem a missão de reflorestar áreas desmatadas, protegendo a vegetação nativa e a fauna do rio Guapiaçu, um importante local de biodiversidade com muitas espécies endémicas ameaçadas de extinção. O Presidente da REGUA é Nicholas Locke, cujo bisavô, Hilmer Werner, adquiriu o terreno em 1907. Décadas de extração de madeira, plantações de café e de cana de açúcar, produção em larga escala de bananas e a criação de gado bovino Brahman têm sistematicamente desflorestado e degradado as colinas baixas. REGUA (uma ONG) teve origem em 1996 e foi formalizada em 2001; foi acordado numa fase inicial que os objetivos do projeto tinham que incluir a investigação, educação e envolvimento da comunidade, assim como a conservação.

Uma observação inicial significativa durante o nosso trabalho de campo foi a forma como os jovens locais, depois de terem participado no programa de educação REGUA, levavam para casa a sua nova experiência e conhecimento e influenciavam a geração mais velha. Ficámos intrigados por esta inversão da hierarquia de autoridade dentro da unidade familiar, onde a "sabedoria" convencionalmente é passada a partir das gerações mais velhas. Notámos que os pais de algumas das crianças, anteriormente caçadores que exploravam a floresta como um recurso, estavam a ser inspirados por elas e começavam a procurar emprego dentro da reserva para trabalhar com conservação e ecologia. As habilidades de um caçador são facilmente transferíveis a este respeito, com dois ex-caçadores a serem apontados como os primeiros guardas florestais da REGUA.

Partindo de uma pista resultante da observação desta transferência de conhecimento geracional propusemo-nos criar material a partir de um evento participativo e generativo, trabalhando com um grupo multigeracional da população local. Para este fim, criámos uma história simples para uma criança, partindo do nosso próprio fascínio pessoal com os hábitos migratórios da andorinha do ártico, um pássaro que oscila entre os pólos norte e sul utilizando a costa da Mata Atlântica como um auxílio à navegação. Em busca de luz do dia permanente, a andorinha do ártico experimenta uma quantidade de escuridão menor do que qualquer outra criatura sobre a terra.

Uma gravação da nossa história da migração da andorinha do ártico foi reproduzida para cada indivíduo, cuja recordação foi gravada e reproduzida para o próximo participante e assim por diante, uma forma de “Chinese Whispers” ou o seu equivalente brasileiro, “Telefone Sem Fio” [Telefone Estragado]. Este é um jogo que é jogado em todo o mundo e muitas vezes usado como uma forma de demonstrar os efeitos do erro cumulativo, o surgimento de imprecisões e falta de fiabilidade da recolha humana. Erro cumulativo, como o nome sugere, é um erro que aumenta progressivamente em grau ou importância durante uma série de medições ou cálculos.

No evento, as crianças conseguiram relembrar e regravar informações salientes da história original. Mas por alguma razão, quando chegou aos pais, a memória não permaneceu: a história original rapidamente desapareceu e foi substituída por assuntos relacionados com o local de trabalho, interações sociais e o ganhar a vida. Através do processo do “Telefone Sem Fio” transmitindo ao longo de gerações, a história original - imbuída de uma qualidade quase mítica – foi transformada em quotidiana e mundana. Inspirados por isto, decidimos continuar a pensar sobre o processo de Telefone Sem um fio como um instrumento para gerar material criativo.

Ao mesmo tempo, tínhamos vindo a realizar uma série de entrevistas mais convencionais com pessoas locais interessadas (informantes) que estavam dispostas a partilhar algum fundo cultural acerca da sua experiência de viver na Mata Atlântica. Entre outros assuntos gravámos histórias do folclore regional. Um conto recorrente foi o da Luz De Campestre (Luz do Campo), que comparámos ao ignis fatuus, mais comummente conhecido como fogo fátuo na tradição europeia: pequenas bolas de luz brilhantes com associações sobrenaturais e cujas testemunhas reivindicam que reagem de várias maneiras à presença humana. Várias tentativas foram feitas para recriar o fenómeno em condições laboratoriais, com a explicação científica moderna a ligar esta luz vinda da terra com emissões de fotões, como um subproduto da decomposição orgânica, bioluminescência e piezoeletricidade geologicamente originada, entre outras teorias.

Voltamos ao jogo de crianças como um dispositivo de geração de conteúdo. Mas desta vez manifestamos o nosso interesse na automação – e especificamente nas consequências da automação humana - substituindo a cadeia de pessoas por um software de tradução de linguagem em série. Introduzimos transcrições das gravações de áudio de testemunhos da Luz De Campestre na cadeia de tradutores. É geralmente aceite que a tradução automática disponível no mercado é notoriamente imprecisa, apenas vagamente útil para fornecer a essência de um texto. Diferentes tradutores têm diferentes modus operandi, sendo o Google Translate único, na medida em que usa uma abordagem “big-data-driven” para o seu serviço de tradução, filtrando um grande número de documentos aos quais tem acesso exclusivo e que já foram traduzidos, em busca de padrões num processo conhecido como "tradução automática estatística". A maioria dos outros tradutores automáticos usa uma abordagem baseada em regras, onde linguistas têm vocabulários inicialmente definidos e gramáticas para construir um modelo de tradução. No entanto, um comentador descreveu a fluência da tradução automática em geral como sendo um "tradutor humano pouco competente, alguém que está ao mesmo tempo distraído e bêbedo". Colocar em série esses tradutores automáticos com o seu diverso modus operandi cria uma colisão de exceções às regras, excepções às excepções, gramática massacrada e non-sequiturs para rapidamente causar o desmoronar da qualidade da tradução.

No nosso projecto, o jogo do “Telefone Sem Fio” tornou-se uma metáfora para "falha em cascata", que descreve a possibilidade de como pequenas avarias na infraestrutura podem desencadear cadeias remotas de colapso no âmbito dos sistemas de automação, que se tornaram incrivelmente complicados e interconectados. À medida que a Internet of Things se desenvolve isto só pode tornar-se mais crítico. Há cem anos atrás foi colocada grande fé na automação como uma pedra angular do progresso, em que o encaminhar de postos de trabalho para as máquinas permitiria às pessoas a liberdade para perseguir perspectivas mais amplas e uma inteligência mais rica, livrando-nos do sofrimento dos trabalhos terrenos. Este sentido de automação como emancipatório tem sido substituído com a identificação da automação como uma fonte de fraquezas cognitivas, revelando armadilhas em que caímos através da realização de operações importantes sem pensar sobre elas, depois de termos sido embalados numa falsa sensação de segurança. Está a tornar-se claro, como Alan Turing sublinhou, que os algoritmos nunca irão substituir inteiramente a intuição. É a nossa capacidade de obter um controlo sobre as coisas através de uma sensibilidade individual e colectiva que entrelaça o conhecimento, a experiência e a observação numa compreensão fluída do mundo derivada do acto de viver que nos faz espertos, em vez da nossa capacidade para conseguir factos a partir de documentos ou a partir da tradução de padrões estatísticos de dados. E é neste contexto que temos vindo a pensar nos textos resultantes do nosso disfuncional jogo de tradução automática como uma forma de lixo alienado; um corpus de texto oscilando à beira da compreensibilidade. Mas dentro dele existem fragmentos de ressonância: as palavras Luz do Campo, inseridas na máquina de tradução foram devolvidas como Campo Aberto. Sabendo algo da história da região ao longo dos últimos cem anos, as palavras Campo Aberto evocam a imagem mental de uma paisagem desnudada, e colocam em foco a natureza reparadora do projeto REGUA - um farol de redenção ecológica.

 

 

Bruce Gilchrist

 

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Referências:

Marx, Leo. The Machine in the Garden: Technology and the Pastoral Ideal in America. New York: Oxford University Press, 1964.

Carr, Nicholas. The Glass Cage: Where automation Is Taking Us. London: The Bodley Head, 2015, pp. 119-121.

Mills, A.A. Will o’ the Wisp Revisited. Weather, Vol 55 # 7. Royal Meteorological Society, 2000, pp. 20-26.

Para mais informações sobre a Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA): http://regua.org/