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“É tempo de voltar a pôr o urinol de Duchamp outra vez na casa de banho!” Este cativante grito de guerra pertence a Tania Bruguera. Há alguns anos atrás, o Museu de Arte de Queens tomou a artista cubana à letra, convidando-a a instalar uma réplica da Fonte (1917) em instituições de Nova Iorque. Esta era uma ideia graciosa: uma representação simbólica do sentimento, familiar neste momento, de que as representações simbólicas podem já não ser suficientes. No entanto, um dia depois a assinatura ‘R. Mutt’ de Duchamp tinha desaparecido, limpa pelo pessoal da manutenção. Talvez este apagamento acidental tenha sido apropriado. Mesmo num museu, a arte torna-se difícil de discernir quando é posta a uso.

O recentemente expandido Museu de Queens tem sido um importante aliado na busca de Bruguera por uma arte útil. Esta frase, dependendo do humor do momento, soa tautológica ou oximorónica - além de ter um sentido de ferramenta ou dispositivo difícil de traduzir. Nos últimos doze anos, Bruguera tem vindo a refinar e a complicar esta ideia através de alguns projectos importantes: uma academia de arte na sua casa em Havana (2002-09), Immigrant Movement International em Queens (2011 – até ao presente) e, mais recentemente, a exposição ‘Museum of Arte Útil’ no Van Abbemuseum, Eindhoven (2013-14). Apesar de ter laços apertados com organizações convencionais, todas estas iniciativas funcionam como acutilantes contra-instituições ou proposições alternativas. Para parafrasear outra das máximas de Bruguera, ela não quer uma arte que aponte para a coisa, ela quer uma arte que seja a coisa.

Nisto, não está sozinha. Tem sido um ano de alto nível para a arte útil, mesmo que haja apenas um pequeno consenso sobre como a designar (os actuais termos que vão à frente são prática social ou arte socialmente comprometida). No ano passado, a notável iniciativa de ‘arte legislativa’ de Laurie Jo Reynolds, Tamms Year Ten (2008-13), conseguiu encerrar a famosa prisão de máxima segurança Tamms, no Illinois. Como notou a artista, ‘Fora do confinamento solitário veio a solidariedade’. Em reconhecimento, Reynolds – uma participante no ‘Museum of Arte Útil’ – foi galardoada com o Prémio Leonore Annenberg para a Arte e a Mudança Social na Creative Time Summit 2013: o muito popular e ligeiramente evangélico evento anual que celebra a confluência entre arte e justiça social. A arte útil tem também recebido um nível de exposição mediático: no ano passado, o New York Times publicou um artigo intitulado ‘Outside the Citadel, Social Practice Art Is Intended to Nurture’, em que se citava Bruguera, enquanto que em Janeiro o The New Yorker fazia um perfil alargado de Theaster Gates. A última peça era intitulada ‘The Real-Estate Artist’ – sintomático dos entusiasmados relatos sobre arte útil, enquadrando a prática social como pouco mais do que um activismo empreendedor. Onde os governos falham, os artistas mostram o caminho!

Os aplausos têm sido pontuados por discretos e insistentes criticismos. Num penetrante ensaio intitulado ‘A Critique of Social Practice Art’, publicado em Julho passado no International Socialist Review, o crítico de Nova Iorque Ben Davis questionou o que acontece quando esses projectos na realidade desviam a atenção da verdadeira extensão do mal estar social mais amplo. O seu caso de estudo foi o Project Row Houses (1993- até ao presente) de Rick Lowe, no districto Third Ward de Houston. Tomando em consideração a renovação de seis blocos de shotgun housing [1], este é, acertadamente, um dos mais louvados exemplos de prática social. Mas a crise habitacional na cidade não melhorou nas últimas duas décadas. Antes, ficou drasticamente pior: o número de pessoas a viver em bairros de rendas reduzidas duplicou só na última década. E o que acontece quando a arte é útil para as ‘pessoas erradas’, uma frente de promotores imobiliários ou Câmaras ambiciosas? Alegações persistentes de uma cumplicidade gentrificadora nunca estão longe. O próprio Lowe está consciente disto. No Creative Time Summit do ano passado, perguntou se a arte comunitária não está a ser ela própria gentrificada pelos praticantes sociais em ascensão.

Como Bruguera sabe, o termo “arte útil” não é novo. Em 1969, o artista argentino Eduardo Costa escreveu o ‘Manifesto de Arte Útil’, descrevendo o primeiro daqueles a que chamou ‘Objectos de Arte Úteis”. Estes incluíam comprar substitutos para os sinais de trânsito em falta no centro de Manhattan e pintar uma estação de metro na 5ª Avenida. O impulso até pode ser encontrado mais atrás: nos EUA, no argumento de John Dewey no seu livro Art as Experience (1934), de que nada é mais útil que a arte; ou no Reino Unido, a John Ruskin, que advertiu celebremente em The Stones of Venice (1853) que ‘as coisas mais bonitas no mundo são as mais inúteis’. Hoje, Ruskin é qualquer coisa como um espírito guia para o Grizedale Arts, em Lake District. As suas abordagens reformistas influenciam as suas enérgicas actividades, como a loja de solidariedade e a biblioteca desenhada por Liam Gillick que instalaram no seu Instituto Coniston local, que o próprio Ruskin ajudou a reconstruir em 1878. Grizedale foi um dos diversos parceiros do ‘Museum of Arte Útil’, que temporariamente transfigurou o velho edifício Van Abbe no que foi descrito como uma ‘fábrica social’.

Desenvolvido em conversa com Bruguera, este projecto despoletou um número de questões prementes, incluindo como é que ‘usamos’ um museu? E, se o museu público se mantém essencialmente uma instituição de finais do século XVIII, como é que o tornamos relevante hoje? Numa entrevista projectada numa das galerias, o director do Van Abbe, Charles Esche, pediu nada menos do que a ‘abolição do museu como ele existe actualmente’. Num ensaio comissionado para o ‘Museum of Arte Útil’, o teórico Stephen Wright afirmou que as décadas recentes viram uma ‘viragem usológica’. Se esta frase tão pouco atractiva vai vingar ou não (eu voto não), um aspecto importante deste projecto provocativo é uma mudança de termos. ‘Espectadores’ tornam-se ‘utilizadores’; os trabalhos são ‘iniciados por’ e não ‘da autoria de’, e foram ordenados de acordo com categorias – embora, deva dizer-se, soando ligeiramente a anos 1990 – actualizadas: ‘A-Legal’, ‘Space Hack’, ‘Open Access’. Isto não era tanto um novo museu, mas uma paródia às classificações autoritárias de outrora. Com a própria galeria de Bruguera presente no ‘Museum of Arte Útil’, intitulada ‘Quarto da Propaganda, Legitimação e Crença’, o projecto era na maior parte um gozo – o zelo ficou em intermitência messiânica. Era o som, nem sempre agradável, do museu a pensar acerca de si mesmo e sobre o que pode significar utilidade. [versão portuguesa do original inglês]



Sam Thorne
Director artístico da Tate St Ives, Reino Unido, e director fundador da Open School East.


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Notas

[1] Shotgun houses são vivendas rectangulares muito estreitas, com as divisões a sucederem-se umas às outras e uma porta em cada ponta da casa. Eram muito populares no sul dos Estados Unidos.


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Este artigo foi originalmente publicado na revista Frieze, volume 162.