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MICHAEL BIBERSTEIN: A ARTE E A ETERNIDADE!VICTOR PINTO DA FONSECA2019-04-16
Se as portas de percepção fossem
Na apresentação de um novo livro sobre Michael Biberstein (1948-2013), na Fundação Carmona e Costa, Fernando Belo (um dos oradores) revelou num aparte que Biberstein em determinada altura teria visitado o maior acelerador de partículas do mundo LHC, na periferia da cidade de Genebra, revelador do interesse do artista no desenvolvimento inicial do universo (fascinado pela ciência e pelo cosmos?). O Big Bang, a grande expansão, tem tudo a ver com investigação científica; mas também com a obra de Biberstein, conjecturei eu - à escuridão do nada das origens irá opor-se a luz na pintura de Biberstein! Já Delfim Sardo (o segundo orador da tarde), referiu a forte dimensão espiritual de toda a obra de Biberstein, no entanto, uma espiritualidade não religiosa (porque Biberstein sempre se posicionou como agnóstico), e recordou uma frase simbólica de Michael Biberstein, "Nós temos uma necessidade psicológica de metafísica". À medida que o lançamento do livro decorria, tomado por uma sensação de curiosidade, ia-me questionando em que sentido a mistura de ideias científicas com espiritualismo, com a "necessidade psicológica de metafísica", seria intelectualmente clarificador da obra de Biberstein. Teria a pintura de Biberstein misticismo científico, teria uma linguagem espiritual (cuidadosamente, evitando as implicações teológicas), teria "alma"? Não nos devemos esquecer que as reflexões de Biberstein acerca da metafísica, a sua conexão com a natureza, e até a abordagem científica ao Big Bang parecem ser / ecoar em formas de espiritualidade, como transcendência, evolução do cérebro para além do conhecido - noções de Ciência da Mente, de ciência e cosmologia! Mas examinemos a influência da chamada metafísica da natureza no desenvolvimento da "pintura" de Michael Biberstein! Onde está em Biberstein a "pintura-espiritual"? Onde está a pintura com alma de Biberstein? Num determinado sentido, em matéria relacional entre ciência e espiritualismo, ainda hoje é elucidativo recordarmos o século XVIII: é neste momento que o estudo da ciência e da cosmologia desperta e dá energia à humanidade, retirando-a da sua ignorância e torpor primevos. No entanto, as experiências desenvolvidas pelos primeiros cientistas europeus, talvez tivessem exteriorizado uma outra coisa, como deduzimos dos poetas românticos, principalmente Coleridge, Wordsworth, Byron e Keats, que escrevem sobre essas experiências assumindo o ponto de vista da ciência, na poesia, festejando a interligação da arte à ciência naquilo que porventura terá sido o princípio da conceptualidade metafísica! Na época, observam-se novas combinações entre o pensamento artístico e científico que começam a moldar a compreensão europeia da modernidade e no momento. Em 1807, Humphry Davy, químico britânico, brilhante e original, referiu-se a comparações entre a imaginação científica e poética, com termos que seriam ecoados quer por Coleridge quer por Keats: "A percepção da verdade é um sentimento quase tão simples como o da percepção da beleza; e o génio de Newton, Shakespeare ou Miguel Ângelo e o de Handel não são, em carácter muito distantes. A imaginação bem como a razão são necessárias para a perfeição na mente filosófica. A rapidez de combinação, a capacidade de perceber analogias e de as comparar com os factos é a fonte criativa da descoberta. A descriminação e a delicadeza da sensação, tão importantes na pesquisa física, são outras palavras que significam gosto; e o amor da natureza é a mesma paixão que o amor do magnífico, do sublime e do belo", in "A Era do Deslumbramento", R. Holmes (pág 362). Coleridge, uma das mais brilhantes mentes da sua geração, inspirou-se no surgimento das referidas experiências científicas. Nos seus pensamentos misturou propositadamente poesia, ciência e cosmologia, para criar uma releitura relacional cativante. A ênfase metafísica filosófica que influenciou as cartas, e as formas de Coleridge, definirá os parâmetros para percebermos a concepção, o propósito, e o estímulo da pintura de Michael Biberstein - o hábito de relacionar imagens da natureza com os estados de espírito da necessidade humana de metafísica. "Quanto mais investigamos os fenómenos da natureza, mais descobrimos a simplicidade e a unidade na sua concepção", Humphry Davy É evidente que o século XVIII, a sensação (sensibilidade) trazida para o meio da ciência, que relaciona a descoberta e a ousadia da ciência com as mesmas qualidades da poesia contemporânea, é o momento observativo para Michael Biberstein: o artista converte-se num viajante no tempo influenciado pelo ideal romântico. Vejamos: Biberstein, desde cedo, lançou-se nas imensidões do universo, e entrou nas profundezas da metafísica, fruto de uma combinação sonhadora de ideias e sensibilidade que podemos considerar de temperamento largamente romântico e filosófico! As paisagens formalmente abstratas de Biberstein são a afirmação de que os artistas podem mostrar-nos um caminho para outro tipo de conhecimento mais elevado. O que revela que Biberstein reflectia no conhecimento científico e na omnipotente mãe Natureza (particularmente influente no trabalho imaginativo do artista), um sentimento de que a arte e a ciência estão interligadas e de certa forma se poderiam fundir (combinar) na sua obra.
A Arte e a Eternidade! Na verdade, estas ideias conduzem inevitavelmente a questões acerca da natureza da mente, do conceito tradicional de alma e de "espírito", de infinito - de para além do conhecido. De interioridade e exterioridade: e de como poderá isto ser explicado ou formulado em termos científicos, ou antes deve ser pura e simplesmente afastado, ignorado. Parece-me óbvio que a 'necessidade psicológica de metafísica' que Biberstein diz satisfazer é uma explicação não racional, um desejo de passar ao desconhecido, uma aspiração a evoluir para formas de vida mais elevadas, "a teoria da vida" de Coleridge, que inclui a identidade espiritual ou alma. Para Coleridge, o "princípio da vida", consistia num movimento em direcção à "individuação", que subia pela cadeia da criação e por fim se manifestava na forma única de "autoconsciência" humana, que incluía a consciência moral e a identidade espiritual, ou "alma". De que modo exacto o cérebro humano "gerava" esta consciência, Coleridge preferia não dizer. No entanto, na matéria da evolução ainda hoje é fascinante ler Coleridge: nos seus poemas, explorava a noção metafísica de uma vida una, uma "teoria de vida" que tenta evitar qualquer referência explícita a Deus, ao mesmo tempo que retém a sua intuição de um "poder espiritual" - fosse isso o que fosse - quer no homem quer no universo natural. Era um exercício de equilíbrio que talvez só estivesse ao alcance da poesia, por considerar que o "princípio da vida" existia, mas nada tinha a ver com fisiologia. É óbvio que isto era uma explicação metafísica e não médica. Este conjunto de ideias tinha os seus atractivos, em particular o optimismo e a reverência pelo mundo natural! No entanto, o que é esta reverência pela Natureza, esta esperança - este "algo"? A natureza misteriosa desta "consciência" em si permanece um dos maiores desafios da neurociência moderna e um dos mais duradouros mistérios científicos; como começa, como se desenvolve, a que ponto é partilhado com os animais e o que lhe acontece quando o corpo morre. Certo é que a obra de Michael Biberstein invoca por muitas circunstâncias inteiramente o romantismo: a "Natureza" subtilmente poderosa e requintada! "O que pretendemos explicitar por Natureza é uma série de imagens visíveis: mas estas são constituídas por luz. Daí que o adorador da Natureza seja um adorador da luz", Humphry Davy. E talvez a sua pintura solitária e idealista possa ser definida, numa frase do jovem estudante de Medicina John Keats, como "um vale da construção da alma".
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