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CRITICAL ZONES - OBSERVATORIES FOR EARTHLY POLITICSCONSTANÇA BABO2020-10-27
Intitulada Critical Zones – Observatories for Earthly Politics, e encontrando-se integrada num projeto de escala internacional, tem como principal preocupação o impacto da ação do homem na Terra, no que se tem vindo a apelidar de pegada ecológica, ininterrupta e velozmente crescente. A exposição reconhece e apela à necessidade de ações de sustentabilidade do planeta, para tal sugerindo a união entre disciplinas, competências, conhecimentos e culturas, algo que ilustra, representa e expõe de forma excepcionalmente bem conseguida. Esta mais recente exposição no ZKM resulta, em grande parte, das pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto internacional e interdisciplinar de investigação CZO - Critical Zone Observatories, iniciado em 2007 e atualmente desenvolvido por nove instituições, cujo propósito é analisar os vários processos químicos, físicos e biológicos que compõem a superfície terrestre e nela suportam toda a forma de vida. Na medida em que se tratam de inúmeros e distintos domínios, um grupo de cientistas criou o conceito Critical Zone para nele reunir os vários campos das ciências da Terra e os respetivos elementos desta, ar, água, solo, flora, fauna, etc. Por outras palavras, a Zona Crítica é toda aquela que determina a qualidade e a subsistência do ecossistema terrestre e que, presentemente, se encontra em estado crítico. A este complexo e extenso objeto correspondeu, inevitavelmente, uma igualmente intrincada concepção expositiva. Tamanha tarefa, apesar de largamente ambiciosa e desafiante é, contudo, concretizada com distinção pelos dois nomes que a ela se propuseram, Bruno Latour e Peter Weibel. Sendo o último o atual diretor do ZKM e considerando que ambos são incontornáveis referências nos campos da arte e da filosofia, a colaboração de ambos já tem sido objeto de admiração e apreço, principalmente na concepção e realização de três exposições anteriores neste mesmo Centro, Iconoclash (2002), Making Things Public (2005) e Reset Modernity! (2016). Em relação ao mais recente projeto, revela-se, uma vez mais, quanto ambos os curadores dominam profundamente as áreas teórica, artística e tecnológica, bem como detêm perspetivas e visões tão conscientes do presente, assim como tão à frente do seu tempo. Por conseguinte, o resultado é um dos exercícios expositivos e curatoriais mais surpreendente e de destaque dentro desse contexto. Esta parceria contou também com a participação de Martin Guinard-Terrin, jovem curador residente, e Bettina Korintenberg, especialista em estudos culturais. Acrescenta-se a contribuição dos participantes do Critical Zone! Study Group da Universidade de Arte e Design de Karlsruhe que, durante os últimos dois anos, dedicaram-se à materialização da exposição. Por fim, é ainda importante reconhecer a fundamental colaboração do Strengbach Observatory, observatório em Aubure, a 150 km de Karlsruhe, cuja escala de oito hectares e o seu avançado equipamento permitem recolher inúmeros dados ao nível do solo, do ar, da floresta e das águas. Deste modo, o projeto reflete a importância quer do trabalho em equipa quer da ação em comunidade, princípios imprescindíveis e aplicáveis no âmbito do combate à crise ambiental. Bruno Latour propõe um "Novo Regime Climático" (New Climatic Regime), apelando à percepção de que a actual situação ambiental afeta todas as coisas vivas e interfere não só com a esfera da ciência, mas também com as da política, cultura, ética e história. Porém, infelizmente, como se refere no texto que acompanha a exposição, "cuidar da Terra é muito difícil: não temos qualquer sensibilidade por aquilo de que ela é feita ou de como ela reage às nossas ações". Com efeito, "estabelece-se um feedback entre o que fazemos ao solo no qual vivemos e como ele reage à nossa ação colectiva" e, apesar das repercussões da maioria das atividades humanas não serem observáveis à escala planetária, como por exemplo em imagens capturadas via satélite, não são por isso menos disruptivas. É, aliás, essa invisibilidade que dificulta a consciencialização da crise ecológica e que contribui para o seu agravamento. Reconhecendo este obstáculo, Critical Zones - Observatories for Earthly Politics procura transpor os problemas ecológicos para o universo imagético, material e objectual da criação artística, dos novos média e da experiência estética. Com efeito, apesar da natureza destes fenómenos ser material, visível e tangível, tratam-se de híper-objectos que, como Timothy Morton (The Ecological Thought, 2010) explana, são híbridos, mutáveis e massivamente distribuídos no tempo e no espaço, tornando-os difíceis de apreender e percepcionar. A arte é, por certo, uma potência capaz de dar imagem e voz às mais várias questões, de as ilustrar, esclarecer e conceder ao espectador. A isto se acrescenta que, quando a criação artística é aliada às mais inovadoras possibilidades técnicas, nas quais o ZKM é um lugar de excelência, permite-se um ponto de vista com pormenor e alcance científicos. Paralelamente, como facilmente se compreende, a ampla variedade e pluralidade de problemáticas e de elementos naturais somente são passíveis de representar por via de uma equivalente multiplicidade de práticas artísticas e média. Por isso, a exposição é composta por uma heterogeneidade de objetos, desde os mais científicos, caso de modelos e amostras de matérias físicas resultantes de observações em campo, documentação imagética e textual, fotografias, mas também pinturas, litografias e ilustrações, até aos elementos mais criativos, tanto visuais como escultórios, instalações, vídeos, filmes, produções sonoras ou modelos 3D. Acrescente-se, ainda, que a maioria dos objetos expostos se reportam a questões espácio-temporais, dimensões determinantes tanto na esfera da ecologia como da estética. Ora, relativamente à última, é importante destacar que a experiência estética que se desenvolve ao longo da exposição é pautada por densidade e singularidade aos mais vários níveis. Encontrando-se o ZKM, espaço amplo e estrutura industrial, ocupado por inúmeros estímulos visuais, sonoros e físicos, materiais, digitais e virtuais, artísticos, científicos e tecnológicos, interativos e imersivos, instala-se um percurso profundamente experiencial e sensorial e, ao mesmo tempo, intelectual, sugestivo de pensamento e reflexão, devido ao tema que carrega e aos textos que o traduzem. Ainda, finda a visita, verifica-se, por um lado, que a tecnologia proporciona inéditas e revolucionárias formas de aproximação entre o homem e o mundo, e, por outro lado, que independentemente dos mais variados temas e contextos, o universo da estética subsiste, sendo que, como Gilbert Simondon refere, o objeto estético é "um prolongamento do mundo natural e do mundo humano" (Simondon, Du mode d'existance des objets techniques, 1989: 187). Por certo, o cruzamento entre arte, tecnologia e ciência tende a aumentar e instituições como o ZKM são lugares privilegiados para desenvolver projetos deste caráter. Paralelamente, encontrando-se as globais questões ecológicas em contínuo agravamento, sobressai a urgência em propor novas políticas ambientais, as Earthly Politics, como anuncia o título da exposição. Este é também um apelo à mudança e às mobilizações sociais, havendo, entre as obras de arte e os textos que compõem a mostra, secções relativas a intervenções, propondo, precisamente, agir e intervir. A estrutura expositiva é também determinada por uma divisão em seis áreas, sugerindo a primeira, enquanto ponto de partida, Starting to observe! - começar a observar, no âmbito de, como se aclama no último momento expositivo, Becoming terrestrial, ou tornarmo-nos terrestres. Por último, a presente exposição sobre a crise ambiental coincidiu com a crise pandémica viral e, apesar de não ser imediatamente perceptível a sua relação, ambas convocam questões centrais: refletem o desequilíbrio do presente, das condições de vida e requerem novas políticas ecológicas, territoriais e sociais. É, pois, necessário repensar a existência do planeta e a intervenção do homem e abandonar o pensamento narcísico e antropocêntrico, tão característico da contemporaneidade, pois, para a Terra não há "individual", somente "colectivo" e “global”.
Constança Babo |