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OS DESAFIOS DO EFÉMERO: CONSERVAR A PERFORMANCE ART - PARTE 2MARTA RODRIGUES2015-08-18
Apresentar/Re-presentar RoseLee Goldberg declarou numa entrevista que “a performance vai ser “o” suporte artístico do séc. XXI.” (Goldstein, 2012) De facto ela estava certa. Os museus estão cada vez mais envolvidos com a performance art ao dedicar espaços e exposição a este tipo de arte. A apresentação da performance em museus e festivais já faz parte do mundo da arte actual. Para enfatizar esta tendência é obrigatório referir os Tate Tanks. Os Tate Tanks abriram em Julho 2012, e são “as primeiras alas de um museu permanentemente dedicadas a expor arte ao vivo, performance, instalações e trabalhos de filme no mundo.” (Serota, 2012) Esta iniciativa tem vindo provar-se essencial, não só para a apresentação da performance, instalação e new media art mas também para a sua conservação. [Fig. 1] Como o Chris Dercon, director da Tate Modern declarou: “(…) existe o problema de armazenar as performances. Os Tate Tanks servem para coleccionar, reconstruir e mostrar performances.” (Davoudi, 2012) De facto os Tanks são um projecto incrivelmente importante para a performance que funcionará como um palco para os artistas contemporâneos da performance e como um lugar para envolver o publico com a historia da performance. Catherine Wood, curadora de arte contemporânea e performance na Tate, considera que “a arte é muitas vezes mostrada em contactos muito diferentes daqueles que originalmente eram pretendidos. Num museu podemos ver as coisas em contextos de outras obras: é para isso que os museus servem.” (Higgins, 2012) Isto leva-nos a pensar numa outra forma de apresentar a performance: a re-presentação.[Fig. 2] Re-presentar, re-criar re-fazer, re-encenar… Estes termos estão directamente ligados com a performance art relativamente à maneira como podemos apresentá-la. Já reflectimos sobre alguns dos problemas sobre a preservação e colecção da performance art mas agora temos que pensar sobre a representação da obra preservada mas que antes foi apresentada. Confuso? Para Marina Abramovic na sua exposição no MoMa The Artist is Present foi bastante simples. Ela queria demonstrar que era possível preservar a performance art através de recriações ao vivo dentro do contexto de um museu. (Cotter, 2010) Assim, a artista recrutou os seus alunos de performance para um retiro no campo e treinou-os usando os seus próprios métodos de criação artística para recriar as suas próprias peças do passado. (Akers & Dupre, 2012) Para ela, as formas tradicionais de documentação como a fotografia e o vídeo não são de confiança e não a satisfazem: “A única maneira de documentar uma peça de performance art é re-apresentar a peça em si”, declara a artista. (Barrett, 2011) [Fig. 3] Por exemplo, para Allan Kaprow um happening apenas poderia existir uma vez. [Fig. 4] Porém, eventualmente o artista deu a sua permissão para refazer um dos seus happenings, 18 Happenings in 6 parts na galeria Hans der Kunst em Munique. Kaprow apercebeu-se que a peça “não existia para além dos relatos fragmentários em primeira mão preservados pelo grupo de pessoas que assistiram ao evento”, daí ter decidido faze-lo. (Barret, 2011) Robert Morris e Bruce Naumann por exemplo, permitiram a reconstrução dos seus trabalhos, dando instruções minuciosas sobre o cenário que deveria ser recriado. (Rebordão et al., 2010). Representar performances pode ser feito com sucesso. Desde os guias até à documentação fornecida pelos artistas, podemos representar uma peça de performance art e envolver o publico com a acção ao vivo em vez de arquivos de video ou fotografia dispostos numa galeria.[Fig. 5] Para alguns académicos, representar obras de performance art pode ser uma optima solução para reinterpretar e preservar. No entanto, para outros esta representação pode levar a uma interpretação errada ou a uma percepção errónea da peça. A artista da performance Carolee Schneemann, “assume que nenhum dos pioneiros dos anos 70 quer que as suas peças sejam recriadas”, por exemplo. Chris Burden era um desses pioneiros e não deixava que nenhum dos seus trabalhos fosse refeito. (Harris, 2010) Não obstante, Nicholas Logsdail (fundador da Lission Gallery) concorda com o ponto de vista de Marina Abramovic, dizendo que a performance pode perfeitamente ser re-apresentada e re-interpretada tal como partituras musicais. Assim, para dar continuidade a esta discussão é importante mencionar uma serie que Marina Abramovic apresentou no Guggenheim Museum em Nova Yorque, Seven Easy Pieces. Nesta serie, a artista recriou cinco trabalhos de artistas da performance que influenciaram o seu trabalho artístico, uma performance sua, Lips of Thomas, e mais uma nova performance fazendo as sete peças. Marina queria “expor um modelo para a re-encenação da performance que respeitasse o passado e abrisse outros possibilidades para a reinterpretação.” (Barret 2011) Olhando para umas das recriações a Genital Panic de Valie Export, apesar de Marina ter conseguido reproduzir a obra na perfeição, nunca será repetida no mesmo contexto, considerando que a peça de Valie “foi apresentada no despertar do movimento feminista e foi estruturada à volta do interior de uma cinema”; a peça de Marina foi apresentada em 2005 numa galeria de arte. (Barrett, 2011). Muitos argumentam que isto poderá levar a uma percepção errónea da peça original, mas se pensarmos bem, nós temos noção do contexto original da peça de Valie Export. O que aconteceu naquela galeria em 2005 serviu para demonstrar importância e relevância ao passado trazendo-o para um novo publico e contexto agora. Como o curador Inke Arns considera: “Assim, podemos afirmar que as re-encenações artísticas não são uma confirmação afirmativa do passado; em vez disso, são maneiras de questionar o presente através de eventos históricos passados que se gravaram inevitavelmente na nossa memória colectiva.” (Arns 2007)
Re-presentar a performance art pode ser uma vantagem se considerarmos que é uma maneira de mostrar uma peça que em tempos “viveu” num certo tempo a um publico de hoje e do futuro. É também uma maneira de envolver as pessoas com as diferentes realidades da historia da performance pois poderá ajuda-las a entender o que foi, porque é que foi assim e o que é agora. [Fig. 6] Outro bom exemplo seria a performance de Yoko Ono, Cut Piece de 1964. [Fig. 7] Durante esta performance a artista sentou-se num palco com um par de tesouras e convidou o publico a cortar uma peça da sua roupa. (Kalsi, 2013) O guião desta peça foi representado com o passar dos anos em vários países pela própria Yoko e ela conseguiu “monopolizar a experiência de casa representação para assim poder desenvolver o seu trabalho mais além.” (Barrett, 2011) Por exemplo no Japão a sua performance foi percebida como striptease, em Londres e Nova Iorque o publico não interagiu com o ritual da maneira certa. Em 2003 ela conseguiu passar a mensagem que desejava do “acto de dar” para o publico. A artista declarou que “quando apresentei esta performance em 1964 fiz-lo com raiva e fúria. Desta vez faço-o por vocês com amor pelo mundo… Cut Piece é a minha esperança para a paz mundial.” (Barrett, 2011) Em 2013 podemos ver a artista Iraniana baseada na Alemanha, Anahita Razmi a usar o mesmo conceito que a Cut Piece mas num contexto diferente com a sua Re/cut piece. Anahita veste um vestido Gucci preto e convida o publico do Dubai a corta-lo. Aqui, a artista foca-se num contexto diferente, um contexto associado à moda e luxúria, centrado no valor do vestido. (Kalsi, 2013) [Fig. 8]
“Re-encenar performances de referência, gera discussões fascinantes sobre a natureza da performance, a sua efemeridade como é que os artistas a usam para expressarem determinados conceitos. Fornece uma oportunidade para revisitar os tempos de quando a peça foi originalmente feita.” (Richards, 2013)
Os museus são lugares de envolvimento de contextos passados com contextos novos, onde a historia é guardada e partilhada. Claramente, representar a performance art levanta muitas questões relativamente à autenticidade, apropriação ou má interpretação. Contudo, representar é essencial para a prevalência deste tipo de arte na sua forma original: ao vivo.
“As bienais record focadas na performance, exposições e feiras de arte dos passados cinco ou seis anos - a Yokohama Triennial de 2011, os Art Parcours da Art Basel ou a Documenta deste ano - deixam bem claro que à medida que avançamos para a segunda década do séc. XXI a performance é sem dúvida a forma de arte dos nossos tempos.” (Goldberg, 2012)
Recentemente há uma tendência para a performance art. Os artistas têm abraçado a performance de várias maneiras, esbatendo as barreiras entre as disciplinas; os artistas visuais estão interessados em apresentar performances e os percorram querem apresentar o seu trabalho num espaço de galeria. (Pogrebin, 2012) Deste modo, podemos notar que existe um crescente compromisso institucional em relação aos artistas que trabalham com a arte efémera, o que é perfeitamente natural considerando que as instituições artísticas querem acompanhar a arte do momento. É certo que o museu de arte contemporânea está a adaptar-se gradualmente a formas de arte mais complexas, como a performance art, new media art e net art por exemplo, e cujos profissionais têm feito um esforço para trazer estas formas de arte para as coleções e cuidados dos museus.
“Em 1900, Benjamin Ives Gilman foi bastante claro quando afirmou que uma vez colecionada a arte pode ser apreciada, investigada, re-interpretada e por sua vez fazer parte de uma base critica continua. É portanto importante que todos os tipos de arte sejam colecionados.” (Cook & Graham, 2010, p.296)
Sendo duas das missões do museu de arte a coleção de obras de arte e proporcionar um lugar para a exploração educacional, é importante que a performance art seja incluída para que as gerações futuras possam aprender sobre ela. Já vimos que muitas instituições artísticas já colecionam e preservam a performance, no entanto ainda há algumas questões a trabalhar relativamente às estratégias implementadas. A performance art exige uma relação próxima entre artista, curador, conservador e até mesmo com o público. É por isso que o processo de aquisição da obra está directamente ligado com todos os outros processos que acontecem a seguir, o que é um estratégia complicada de conseguir para uma instituição que não tem um departamento inteiro dedicado à performance. Assim, na altura da compra, a documentação da peça tem que acontecer juntamente com o artista para decidirem qual o método de preservação mais adequado para que no futuro possa ser apresentada ao publico correctamente. Re-presentar a performance art ainda é uma opção complicada para alguns profissionais de museus, críticos e artistas. No entanto, olhando para os exemplos aqui referidos, podemos ver as possibilidades e vantagens desta possibilidade. Para concluir, conseguimos compreender que o museu de arte contemporânea está a mudar os seus valores e propósitos e que a performance art faz parte dessas mudanças. [Fig.9] Hoje em dia, os “curadores organizam novos projectos, fornecem contextos e conversações publicas e passam tempo de estúdio com os artistas para provocar novos trabalhos e dar feedback, critica e conhecimento.” (Goldberg, 2012) Esta relação próxima com o museu é chave para um melhor envolvimento com o publico e a performance art está a ter um papel fundamental em motivar essa relação. Coleccionar, preservar e apresentar a performance art deveria-se tornar um processo normal para qualquer instituição de arte contemporânea que possua as condições adequadas para acomodar esta forma de arte. por fim, é também necessário tornar este tipo de arte acessível a todos e por sua vez trabalhar mais na digitalização das coleções.
[este texto é a segunda parte do artigo Os desafios do efémero: conservar a performance art, a primeira parte foi publicada a 29 de Julho de 2015 e pode ser consultada aqui]
Marta Rodrigues
::: Akers, M., & Dupre, J. (2012). Marina Abramovic: The artist is present. United States (USA): Music Box Films. |