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ARCOLISBOA, UMA FEIRA DE ARTE CONTEMPORÂNEA EM PERSPETIVACONSTANÇA BABO2023-06-03
As feiras de arte têm vindo a consolidar a sua centralidade e a sua importância na esfera da arte. Instituídas enquanto espaços de desenvolvimento cultural, troca, conhecimento e debate, consistem, igualmente, em modelos expositivos inovadores e propícios ao cruzamento de diferentes plásticas, práticas e culturas. Enquanto tal, e sendo tão locais quanto globais, de escalas internacional, transnacional ou multinacional, as feiras convocam questões tais como a globalização, a par da transdisciplinaridade e da hibridez da própria criação artística contemporânea. De acordo com esta amplitude, dirigem-se aos mais variados públicos, habitués ou não das artes, residentes e estrangeiros. Um caso relevante é a ARCO, feira internacional de arte contemporânea fundada em Madrid e cuja edição portuguesa, organizada pela IFEMA Madrid e pela Câmara Municipal de Lisboa, celebrou, este ano, a sua sexta edição. Nesta, assinale-se, dentro da programação paralela, uma conferência dedicada à Rede Portuguesa de Arte Contemporânea, com o intuito de dinamizar e internacionalizar a criação portuguesa, e o espaço ArtsLibris, dedicado a revistas, edições de artista, foto livros e publicações digitais. A mais recente ARCOlisboa decorreu entre os passados dias 25 e 28 de maio, na Cordoaria Nacional, reafirmando-se enquanto ponto de encontro de galeristas, artistas, colecionadores e outros profissionais de arte. Demonstrou, uma vez mais, tratar-se de uma ocasião valiosa justamente tanto para os que se movem no campo das artes, como para um público que pretenda conhecer exemplares interessantes da produção artística atual, mediante uma perspetiva menos formal e regulamentada, mais livre, dinâmica e próxima, do que se possibilita convencionalmente no contexto institucional. Como anunciado, esta edição da feira teve o objetivo de apresentar “um panorama da cena artística portuguesa, num amplo diálogo com a arte espanhola e europeia, acompanhada de uma seleção criteriosa de artistas africanos”. Aumentou, uma vez mais, o número de galerias participantes, totalizando-se oitenta e seis, das quais vinte e cinco eram portuguesas e sessenta e uma estrangeiras. Das novas participações europeias indiquem-se Carlier | Gebauer, de Berlim, e a austríaca Elisabeth & Klaus Thoman. Reencontraram-se inúmeras galerias nacionais e embora algumas tenham investido em conceituados artistas internacionais, como foi o caso de Cristina Guerra com Lawrence Weiner, denotou-se, sobretudo, e como é devido, a representação de fortes nomes portugueses. Destaquem-se a Bruno Múrias com Rui Calçada Bastos, a Fernando Santos com Gerardo Burmester e Manuel Rosa, a Francisco Fino com a incontornável Helena Almeida, através da série Dentro de mim (2018), a Presença com Inês D’Orey, Marisa Ferreira e Maria Trabulo, e a Vera Cortês, vencedora do prémio Millennium para melhor stand, com três imponentes esculturas de António Bolota, Peça #1,#2 e #3 (2023). Sobre as galerias espanholas, urge apontar a Fernando Pradilla, com obras do ASA - Ateliê Sandra Albano. As magníficas fotografias de Albano Afonso e os elegantes desenhos de Sandra Cinto, ambos concebidos a partir da flora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ecoavam, em íntima sintonia e diálogo, para lá da circunscrição do stand.
M’braket Bouhchichi, L’ Atelier 21. © Constança Babo
Sublinhe-se, igualmente, a presença das galerias africanas, sob o leque do programa África em Foco, comissariado por Paula Nascimento. Das oito galerias, destaquem-se a Arte de Gema, de Moçambique, e, especialmente, L’ Atelier 21, de Casa Blanca, com admiráveis peças tais como a pintura Silhouette #5 do artista M’braket Bouhchichi. Poderá questionar-se se a divulgação de arte africana, a par de alguma oriental, é suficiente para consolidar uma representatividade efetivamente “internacional e global”, e não predominantemente ocidental, mas, não obstante, reconhece-se o esforço da ARCO nesse sentido, tratando-se aliás de um exercício imprescindível. Ainda a assinalar, as escolhas da Mayoral, de Barcelona, que se estreou este ano na feira, com notáveis exemplares de Antoni Tàpies e Juan Miró, com os quais, poderá dizer-se, introduziu um certo desfasamento em relação às demais.
Tales Frey, Galeria Verve. © Constança Babo
Destaque-se, por fim, a secção Opening Lisboa, orientada para as galerias mais jovens, este ano contando com a participação de vinte e três. Sobressaiu, por exemplo, a Foco, com um notável trabalho escultórico de Francisco Trêpa, e a Jahn und Jahn, com belas peças fotográficas. Por sua vez, a Galeria Verve, de São Paulo, apresentou o artista Tales Frey, com várias peças datadas entre 2017 e 2023, das quais se distingue Estar a Par, trabalho exposto sob a forma de registo fotográfico e que consiste numa performance a ativar com a colaboração da artista Hilda de Paulo. Será neste núcleo paralelo de stands que se encontram algumas das obras mais irreverentes da feira, assim como em alguns projetos SOLO, caso da galeria Baró, de Palma, com o artista Sidival Fino. Em suma, numa retrospetiva geral, testemunha-se o empenho da ARCOlisboa em cumprir a declarada intenção de uma maior diversidade cultural, da qual se espera, no futuro, uma ainda mais expressiva pluralidade. Dito isto, atesta-se, sobretudo, a sua consolidação enquanto feira diversa e valiosa no contexto do mercado da arte contemporânea.
Constança Babo
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