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O FUTURO SEGUNDO CANDJA CANDJANATÁLIA VILARINHO2015-10-28
Nasceu em 1976 em Moçambique e frequentou o Curso de Cerâmica na Escola Nacional de Artes Visuais de Maputo antes de começar a participar em exposições individuais e colectivas no país africano. A vontade de mostrar o seu trabalho a outros mercados e culturas levou-o a pedir a um amigo que o ajudasse a construir um portfolio em CD, algo que fosse facilmente transportado ou enviado para qualquer parte do mundo. Um exemplar chegou à Galeria Belo Belo, em Braga, e o telefone de Ilídio tocou. Desafio Sonhos-coloridos, a sua primeira exposição individual em Portugal, em 2004, permitiu-lhe mostrar o seu trabalho ao país. Foi convidado a expor no ano seguinte no Auditório Municipal de Vila do Conde e em 2006 regressou à Belo Belo para exibir Pauta entre Zoologia e Lirismo. Este arranque em terras portuguesas permitiu-lhe iniciar um novo caminho, “foi uma bola de neve, foi crescendo”, afirma Candja Candja. As coisas estavam a correr bem, tinha projectos planeados e o passo seguinte foi mudar de vida, mudar de país.
Apesar de afirmar que aprendeu a viver sempre um dia de cada vez, Ilídio confessa que não foi fácil deixar Maputo: “tens amigos a qualquer momento, com muita facilidade. Em Portugal é tudo mais fechado e as pessoas não se relacionam com tanta facilidade”. Então porquê sair da terra natal? “Tinha de tomar essa decisão, queria levar o meu trabalho para outra fase”, confessa, “sou jovem e tenho energia para aguentar as dificuldades”. A chegada a Portugal não foi de facto fácil, apesar de ter exposto durante o ano de 2007 no Porto, em Coimbra e em Almancil. A crua realidade nacional atingiu-o em cheio: “sou africano e os europeus desconfiam do trabalho africano. Uns decidem ir mais além, mas outros nem nos dão uma oportunidade”. No primeiro contacto em Lisboa, cara a cara com um importante galerista, foi-lhe sentenciado: “não sei se a arte africana vende”. Atónito, confessa que chegou a pensar o que é que passaria pela cabeça dos portugueses: “a informação não chegou aqui? Parece mais fácil para nós que estamos do outro lado saber o que se passa cá e o contrário não? Alguma coisa está a falhar!”. E depois de ter apostado em Portugal, ficou algum tempo sem conseguir expor o seu trabalho.
Inconformista e decidido, Candja Candja não desistiu de tentar mostrar aquilo de que era capaz. Com a certeza de que o seu trabalho fala por si, passou a olhar para Portugal como um dormitório. Dorme cá, trabalha cá, procura algo mais fora, com uma ideia: “talvez assim eles possam começar a prestar atenção ao meu trabalho”. Dividindo o tempo entre o computador e o atelier, iniciou uma busca de galerias de arte dispostas a receber o seu trabalho na Europa. Enviou portfólios. E quando menos esperava, os contactos começaram a surgir. Primeiro uma galeria em Hannover e no mesmo ano outra em Hamburgo originaram duas exposições, a última curiosamente com o título The game is to survive. Parece ser este o mote do artista, que em 2013 conseguia expor Invictus, na Unix Gallery de Nova Iorque.
O título da exposição norte-americana é-lhe caro. Passou por uma fase em que ficou seis meses sem pintar: “não tinha onde cair morto, não tinha material, só tinha duas ou três cores”, e um dia, em casa, viu Invictus, filme de Clint Eastwood que relata o período pós-eleitoral na África do Sul, em que um Nelson Mandela recém saído da prisão assume a presidência do país. “Foi inspirador, cheguei ao fim do filme a pensar que tinha que dar a volta e que era possível pintar com as cores que tinha”. Decidiu tentar o mercado norte-americano e recebeu resposta de uma galeria em San Diego, mas foi com a Unix Gallery, em Chelsea, que entrou no país. “Enviei um email, um pequeno texto e imagens, seis meses depois o telefone estava a tocar. Agendámos uma exposição e fizeram-me um contrato de dois anos com exclusividade”.
Ilídio Candja Candja não parou entretanto: “as coisas não acontecem do nada, vou atrás”. Depois de investigar a receptividade da arte africana em vários países, apercebeu-se de que a maior parte dos artistas africanos internacionais tinham sido lançados por franceses, belgas e ingleses. Pesquisou algumas galerias e enviou vários emails. As respostas começaram a chegar. Em 2014 estava a expor na Galeria Lumieres de Afrique, em Bruxelas, cidade que o surpreendeu pela posi-tiva: “perdi-me numa rua e porta sim, porta sim, só via galerias de arte tribal”. Neste momento está a investir em França. Tem contactos com galerias em Paris e Lyon, e uma exposição já marcada para o ano que vem em Lille, na Galerie Frederic Storme, onde apresentará, como gosta de fazer, trabalhos absolutamente novos.
“Don’t fuck my dreams”, inscrito em Tropical Ceremony, obra actualmente exposta na Plataforma Revólver, exprime a inquietação do artista: “a vida é fodida, há um futuro incerto, essa é a minha inquietude”, explica. Responde a esta sociedade com desapego pela ideia de lucro. Mahala Blood, que significa “sacrifício em vão”, título que dá nome à exposição actualmente patente em Lisboa, exprime a sua insatisfação por este momento em que sente que as pessoas desvalorizam o que foi conquistado pelos nossos antepassados. Ao criar a sua própria pintura rupestre inspira-se em autores desconhecidos e acaba por prestar homenagem a quem fez algo no passado e que agora é tão facilmente esquecido.
A arte rupestre tem um lugar importante na obra de Ilídio Candja Candja. Conta que um dia, ao desenhar enquanto olhava para um insecto através de uma lupa infantil, apercebeu-se que aquele tipo de desenho não lhe era novo. Desenvolvera no terceiro ano de Artes Visuais um trabalho re-lacionado com a pintura rupestre. Optou por resgatar esse trabalho e criar a sua própria linguagem com alguns apontamentos de escrita hieroglífica “impulsiva, sem significado”. Olhou para o passado e desenvolveu uma ideia: “não devo esquecer quem sou, o que quero fazer e para onde pretendo ir”. O processo criativo desenvolveu-se resgatando a tradição moçambicana para a actualidade: “utilizo elementos como a capulana, que me interessa bastante. Esta é a minha pintura rupestre, uma homenagem a todos os autores primitivos desconhecidos por várias razões, e eu estou a dar o meu contributo”. Para isso pesquisa exaustivamente, olha para trás e pega nas ideias que o assaltam. Afirma que o faz com convicção: “é meu dever, Ilídio Candja Candja, artista africano, nascido em Moçambique, olhar para trás, para as minhas origens, resgatar o que foi feito pelos meus ancestrais e fazer o meu caminho à minha maneira”.
Gostaria de voltar a Maputo para uma exposição e revela que o fará com a calma necessária de quem procura fazer as coisas bem. A arte, para si, não tem qualquer nacionalidade, pertence ao mundo, à sociedade. Ele, apenas um “fazedor de arte”, deixa a obra seguir a sua existência depois de terminada: “já não me pertence, tem a sua própria vida, segue o seu caminho”.
Fala com um desprendimento de quem não sente por certo nada do que tem na vida. Afirma que se tivesse tido a vida facilitada não estaria hoje onde está: “foram as dificuldades que me levaram a tomar este caminho e este género de pintura. Não tinha dinheiro, mas tinha de continuar a produzir”. Levanta-se e dirige-se para Africa/Afrique futuro sem fim, peça disposta à entrada da sua actual exposição na Plataforma Revólver. E aponta para a figura que se situa no centro do quadro: “não sabemos quem é que está por trás disto, o lucro vai para algum lado, mas ninguém sabe para onde. É a matemática da vida, vamo-nos matando por causa do dinheiro. Inventam-se novas percentagens e deixa-se de fora o ser humano. Nós somos apenas um elemento para adicionar, estamos a ser descartados e sacrificamo-nos por nada”. Vivemos um saque sem limites, tudo é para destruir. E enquanto olhamos para ele e pensamos no país e na cidade onde estamos, em que tudo o que não seja lucro ou turístico é descartável, encontrando demasiadas semelhanças entre a vida que estamos a viver e o quadro que se estende à nossa frente, Ilídio Candja Candja pergunta: “que futuro é este, em que o ser humano é excluído? É futuro para quem?”.
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