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MAC/CCB: O MUSEU DAS NOSSAS VIDASMIGUEL PINTO2023-12-27
Todas as escolhas, ao nascerem de um gesto de preferência, são atormentadas (estando mais, ou menos, cientes disso) pelo que invisibilizam. Quando expostas ao olhar e escrutínio do público, em funções que, nos nossos sistemas culturais, procuram a moldagem dessa relação, como a curadoria ou a programação, essas escolhas podem desencadear uma de duas reações: a aceitação desinteressada, comum ao ocasional consumidor cultural, que não vai muito para além da tentativa de compreensão do propósito e intenção de determinado critério, numa dormência tantas vezes motivada pela falta de transparência da instituição que visita quanto ao motivo dessa escolha e que, na sua instância mais radical, parece fingir a não-existência desse gesto (definindo a hegemonia da narrativa única, obrigatória, oficial, ou de “bom gosto”); ou, o questionamento e problematização dessa escolha que, na sua melhor hipótese, pode ser desencadeado, logo à partida, pela autocrítica da própria instituição quanto ao seu poder de escolha, consciente da preferência que a fez surgir. É quase paradoxal, portanto, que na relação entre crítico e instituição, o primeiro gesto crítico deva, idealmente, partir da própria instituição, inscrever-se na legenda ou folha de sala, não para que o crítico tenha o seu trabalho facilitado, ou seja conduzido a uma espécie de nulidade, mas para que consiga um melhor julgamento (e sublinhe-se a importância de julgar criticamente, nos dias de hoje) do todo, possibilitando-lhe ir para além dele. Quando esta autocrítica não é elaborada, fundamentando o seu propósito na ilustração de um cânone de movimentos artísticos (como se não fossem também eles fruto de uma escolha), a premissa desta reação só pode ser continuada com o surgimento de algum fio condutor que permita o seu desenvolvimento, para lá do banal “porquê isto, e não outra coisa” – no fundo, mesmo que ténue, por algum gesto de transparência. A vontade de compreender mais e melhor, quando feita necessidade, raramente é tão facilmente derrubada, mas pode ser, em boa medida, travada, condicionada, posta em causa (e tantas vezes o é). Poderia partir daqui para outro texto que elaborasse sobre a pertinência da proximidade da crítica de arte e o jornalismo, este último, enquanto veículo comunicativo assente numa deontologia que assegura (ou deve assegurar) a sua independência de interesses externos, funcionando como salvaguarda da primeira, permitindo-lhe, se não essa deontologia, pelo menos, alguma legitimidade (na verdade, mencione-se não só o jornalismo, mas também os projetos financeiramente autónomos, independentes que, teimosamente, vão conseguindo garantir uma independência de opinião). Mas também este texto é feito de escolhas. É no mesmo caminho que se fundam as coleções de arte, conduzindo-nos, hipoteticamente, às mesmas reações – é a falta de meios, de espaço, e no seu caso mais gravoso, de criatividade ou capacidade crítica, que toldam esta espécie de maldição que é a escolha, sempre tingida de sacrifício (isto, se entendermos a arte como algo assim tão próximo da vida). Num mundo artístico cada vez mais heterogéneo, até a querer afirmar-se como anticanónico, ao consciencializar-se da invisibilização que o fez surgir (moldado por perspetivas masculinas e eurocêntricas, que colocaram de lado tudo o que lhes fosse periférico), reivindicando o direito às narrativas marginais, que agora proliferam (ainda que, muitas vezes, presas a cinco ou seis temas-chave que guiam os sistemas de arte, em busca de validação e alimento às suas obsessões neofílicas) é normal que a aceitação desinteressada da primeira reação cause algum choque quando dita em voz alta. Por um lado, ainda bem. É verdade que não há nada de inerentemente negativo nessa espécie de conformismo – nem todos podemos apaixonar-nos por tudo, e a arte, no escapismo que permite, também pode ser entretenimento (e não há nada de assim tão problemático nisso, porque não é só no conteúdo que lhe acedemos), mas esse desinteresse, como um sinónimo de despolitização, de desengajamento, tem já qualquer coisa de caduco, como se aceitasse de mão beijada a apatia, a ignorância, num mundo que se vai apercebendo que deve jogar com todo o conhecimento que retém na ponta dos dedos – e que, do outro lado da barricada, fez surgir conceitos como o consecutivamente repetido “politicamente correto”, portador de uma qualquer espécie de verdade nova que se acredita ser mais do que um juízo moral bacoco e sempre relativo. Nunca se escreveu tanta opinião - e ainda bem. No entanto, num panorama artístico contemporâneo ausente de escrutínio, como é tantas vezes o caso português, esta problematização atribui-se, muitas vezes, como um fenómeno paradoxal – a posição crítica, às problemáticas já domesticadas para discussão, é muitas vezes transformada numa espécie de signo de validação social, sem grande fundo para além das suas sete letras - uma fachada para que, cinicamente, se reiterem, consecutivamente, as mesmas ideias, como apatias disfarçadas, vagas o suficiente para marcarem uma e nenhuma posição simultaneamente, numa indefinição passível de pender para qualquer um dos lados da balança. Num artigo datado de 2008, publicado neste website, Augusto M. Seabra referia-se ao que me parece ser um fenómeno semelhante, citando uma passagem de A Arte e a sua Sombra de Mario Perniola: “No mundo da crítica da arte jovem está difundida a opinião de que a arte de hoje pode prescindir da teoria: o papel do crítico de arte deveria limitar-se a uma espécie de crónica e de promoção publicitária dos artistas que lhe agradam, sem nunca intervir em questões, já não digo estéticas, mas poéticas ou até relacionadas com a história da arte”. À propagação desta crítica acrítica deve-se um conjunto de fatores. Entre eles, a precariedade laboral de quem escreve sobre arte, que alimenta este sistema de interesses, porque dele necessita para subsistir economicamente, ou as parcas políticas educativas que incentivem a formulação de um pensamento crítico e criativo. Com todo este queixume, não quero implicar que a crítica de arte deva, sem regra, obedecer a um determinado critério de julgamento (haja vozes, muitas vozes), apenas me parece que hoje, neste âmbito, há alguma dificuldade em marcar posições, fazer escolhas (deixo, assim, a minha resolução para o ano que vem). Mas, sem mais adendas, passemos ao que nos trouxe até aqui. Na esfera da arte contemporânea, a recém-inauguração do MAC/CCB foi, em Portugal (e penso que o poderei afirmar sem pejos), o acontecimento do ano de 2023. Começou, logo, em janeiro com a sua promessa de abertura, para a inauguração oficial se realizar, apenas, no final de outubro, com a reformulação das exposições permanentes do anterior museu Coleção Berardo, e a inauguração de duas novas exposições temporárias. A escassa atenção prestada a este recente fenómeno (à parte das notícias que documentam a evolução dos processos judiciais e, posteriormente, a abertura do museu) parece ilustrativa do estado das coisas, no que diz respeito ao que o público espera das instituições culturais, e de sobre quem elas reporta – uma generalizada apatia. São escassas as análises críticas sobre as implicações desta nova mudança, e pouca a transparência quantos aos processos judiciais que permitiram estas alterações (soube-se até, há semanas, que Berardo ficara com 214 peças – ou 219, segundo o Público - da sua coleção que, na verdade, são parte de uma outra coleção, incompreensivelmente revelada apenas em 2019 por Pedro Lapa, e que teria sido fundada a meias com o Estado, constituída pelos fundos de aquisições do extinto Museu Coleção Berardo, mas cujas obras, a cuja designação o público geral não tem acesso*, não são referidas diretamente no website dedicado à coleção de Joe Berardo, ainda ativo). Portanto, passemos ao que importa: a extinta coleção Berardo, que compõe ainda a grande indiscutível maioria deste MAC/CCB (para já, expõem 355 das 862 peças da coleção, segundo dados do Público) continua o seu desdobramento em dois pisos de exposição permanente (não me debruçarei sobre a exposição temporária de Berlinde de Bruckyere neste texto, já alvo de vários pareceres na imprensa especializada). Ainda que o segundo piso do museu, dedicado às denominadas “vanguardas históricas” se tenha mantido quase inalterado relativamente ao anterior Museu Coleção Berardo (incluiu-se O Impostor de Paula Rego, proveniente da coleção de Arte do Estado, e Cell XXV (the view of the world of the jealous wife) de Louise Bourgeois, que pertencia à coleção Holma/Ellipse), o mesmo não terá acontecido no piso subterrâneo, onde se verifica uma considerável alteração em termos de exposições: uma das alas dedica-se à mostra da coleção de desenho de Teixeira de Freitas, numa exposição que se desdobrará numa outra fase a partir de Março (coleção que teve uma quase despercebida exposição na Cordoaria Nacional no final do ano passado, aí indo para lá do desenho), e outra, ocupando a grande maioria desse -1, cobrindo as “novas vanguardas” como já acontecia no Museu Coleção Berardo. Neste MAC, essa exposição dá pelo título de Objeto, Corpo e Espaço (que, de acordo com o website e legenda da exposição no museu será “periodicamente alvo de reajustes e novos confrontos”) e parece impor-se como a joia da coroa deste “novo” museu de arte contemporânea: é nela que as coleções, agora incorporadas na tutela do Estado, se encontram: Holma/Ellipse, Berardo, CACE, Teixeira de Freitas (e ainda uma breve incursão do espólio de Ângela Ferreira). É também desta que, geralmente, se veem as imagens na imprensa que publicitam o surgimento deste MAC/CCB. Parece ter-se coletivamente decidido que é aqui que se situa o novo museu. Na (re)visita ao museu (porque o fantasma de Berardo assombra-nos sempre neste CCB) há um detalhe, quase despercebido, que me chamou à atenção: no piso 2 mantiveram-se as legendas, praticamente inalteradas, da coleção Berardo, discriminando as salas por movimentos ou grupos artísticos, enquanto em Objeto, Corpo e Espaço, no piso subterrâneo, não só se alteraram como, inesperadamente, se lhes retirou os títulos que, no piso 2, ainda permitem situar, de forma muito prática, o visitante no respetivo movimento ou grupo que determinado espaço ilustra, transmitindo-lhe um entendimento focado, histórica (sempre passível de reajustes). Já na exposição do piso -1 entramos, logo, no texto (e note-se também como, aqui, os textos de sala não estão assinados por autores, como acontece no piso 2). Numa primeira interpretação, este apagamento do título parece querer sugerir uma curadoria livre, desafogada, a possibilidade de encontros inesperados entre obras; no entanto, os textos que lemos vão parar, ainda assim, ao seu propósito original, à tentativa de traçar, muito brevemente, as linhas gerais de um movimento artístico, ilustrado pelas obras em exposição. Então, qual a razão deste apagamento dos títulos, da marcação consciente de um contraste se, no piso 2 do mesmo museu, se optou por mantê-los? Hipótese 1) A resposta mais simpática a esta questão está nas intenções da exposição – o apagamento quer sugerir uma dissolução que remete à desintegração dos movimentos artísticos no pós-segunda guerra, e a que a exposição procura responder nesse “repensar” que sublinha nos textos de apresentação, centrando-se nas “propostas individuais dos artistas” que afirma, nesse contexto, “progressivamente menos reunidos em movimentos artísticos”. Hipótese 2) Outra resposta possível (e, talvez, a mais óbvia) prende-se com as novas incorporações de obras da Holma/Ellipse, da coleção Teixeira de Freitas e da CACE no conjunto que compõe agora este museu, e que justificam uma nova contextualização. Foquemo-nos, sobretudo, na coleção Holma/Ellipse, não só a nova incorporação mais numerosa no espaço do CCB, mas também aquela onde é mais evidente o esforço de dialogar com a Coleção Berardo, procurando-lhe pontos de cruzamento que se afirmam bastante evidentes, numa disposição que se demonstra, na sua maioria, frutífera: cimenta-se a preponderância de Joseph Kosuth na exposição permanente (das 33 obras expostas da coleção Holma/Ellipse, há 5 novas inclusões deste artista, com a curadoria a parecer fascinar-se com o suposto interesse da coleção de João Rendeiro nas obras em texto), assim como de artistas como Adriana Varejão (a que a coleção Holma/Ellipse adiciona uma obra), Robert Gober, ou Christian Boltanski, cujos 364 suisses morts eram já uma das mais emblemáticas instalações da Coleção Berardo e, agora, são servidas com um complemento que lhe acerta na mouche, Reservé des Suisses Morts, do mesmo ano da primeira. No entanto, como vemos, as incorporações parecem responder a uma coleção pré-existente, e não impor uma presença nova e independente, que descobre qualquer coisa que não estaria presente antes. Há novas incorporações fabulosas – e aqui fale-se não só da inclusão de duas obras de David Hammons vindos da Holma/Ellipse, mas também da diversão contagiante que é trazida por Jonathan Monk, David Shrigley, ou Maurizio Cattelan na coleção Teixeira de Freitas – mas impõem-se como complementos a uma já concretizada e importantíssima coleção – a de Joe Berardo, inevitavelmente, ainda, o destaque. Por isso, se as novas incorporações são como sublinhados ao que já estava previamente delineado nessa coleção, cuja maioria das obras não é alvo de grandes deslocações no espaço do museu, a questão que coloquei ainda não está totalmente respondida. Hipótese 3) A última resposta que me ocorre tem a ver com um critério que se impõe como mais dúbio – ao retirar-se a referência direta, fechada, a um movimento artístico, foge-se da obrigação a corresponder-lhe, a incluir as “obras obrigatórias” em prol de outras, mais discutíveis. Numa História da Arte em permanente refeitura e complexificação, esta ideia não tem, obviamente, nada de errado. No entanto, navegando pelo website da extensa coleção Berardo, disponível online, há várias escolhas no atual espaço do museu sobre as quais não podemos deixar de pensar, permanecendo quase enigmáticas. Saliento uma, que se situa num dos últimos núcleos de Objeto, Corpo e Espaço, dedicado ao neo expressionismo (ainda que não de forma totalmente assumida, como vimos). Das cinco obras dispostas num dos mais incompreensivelmente curtos espaços da exposição (isto, tendo em conta as valências da coleção Berardo) dispõem-se três artistas: Susan Rothenberg, Julian Schnabel e Julião Sarmento. Deste último, contam-se três obras que ocupam a parede principal desta secção. Não quero duvidar da importância de Julião Sarmento na arte contemporânea portuguesa, sobretudo no “retorno à pintura” da década de 80, e é absolutamente compreensível o esforço de inclusão de artistas portugueses num museu que, agora, pretende ir para lá da “visão do colecionador” pautada por nomes, na sua maioria, internacionais, e fazê-lo com um artista que teve, no ano passado, uma grandiosíssima exposição no mesmo espaço, ainda então Berardo. Além disso, não é de longe o único nome a ter várias obras a figurar numa mesma secção (Adriana Varejão, Robert Gober, ou o imenso Nox de Jorge Molder ocupam dimensões consideráveis do espaço expositivo). Mas, neste caso específico, num espaço tão limitado, o que leva à inclusão de três obras de Julião Sarmento numa secção que pretende delinear o movimento neo expressionista, e que é composta só por mais duas obras de artistas internacionais, sabendo-se a exclusão de obras de relevada importância de pintores como Paula Rego, Jean Michel Basquiat (uma das 16 obras que Berardo queria, aliás, colocar à venda no estrangeiro em 2019, num processo travado pelo Estado) e Anselm Kiefer? Não que o MAC/CCB tenha de ser uma coleção de nomes sonantes, mas tendo em conta a excecionalidade deste conjunto de coleções, agora, sob alçada do Estado, nomeadamente no traçar de um percurso da arte contemporânea internacional, é demasiado intrigante o que levou a esta exclusão – isto, sabendo-se, que estes três autores não farão parte das tais 214 obras com que Berardo ficou, provenientes do fundo de aquisições do extinto museu (serão uma espécie de trunfo na manga, que colmatará o desaparecimento - ou não? - de algumas obras da coleção permanente com a nova situação judicial?) Ou, talvez, até não seja assim tão intrigante – as possibilidades encontradas pelo retirar dos títulos introduzem-lhes uma indefinição, uma imprecisão; aquela mesma que não se quer posicionar em lado nenhum e em todos ao mesmo tempo, demasiado ambígua para ser contrariada; torna-se, aí, claro o paralelo com muito do que se vai escrevendo sobre arte contemporânea, como um cúmulo dessa “crítica sem teoria” de que nos fala Perniola, na descritividade publicitária que nos vai papagueando folhas de sala, contrariando o seu único propósito – o de uma visão marcadamente subjetiva. Reside-se na indefinição (e não na problematização do cânone), porque é através dela que se justifica tudo, sem se justificar nada, feita carapaça que protege. É aí que percebemos que esta abordagem do MAC/CCB, para o bem e para o mal, espelha uma dormência descaradamente atual, reflexo não assumido de um paradigma que, aos poucos, vai moldando a desconfiança para com os sistemas artísticos em Portugal. Mas esta é, apenas, uma das questões (porventura, a mais fatalista) que se me impuseram ao longo desta visita, e parece-me relevante referir algumas outras. Saliente-se como no caso da coleção Berardo, a disponibilização num website das obras do colecionador é de uma atenção rara no panorama português de arte contemporânea (a CACE fá-lo, agora, também, de forma particularmente detalhada). O mesmo não acontece com a coleção Holma/Ellipse, mantida num muito maior secretismo. Já sem website há vários anos, um levantamento datado de Junho de 2006 permite-nos saber (pelo menos, à altura), o elevado número de artistas que a compunha. Ainda que alvo de novas aquisições (nesta lista não estão ainda presentes muitas das obras desta coleção que são agora parte do MAC, como as várias peças de Kosuth, a obra de Louise Bourgeois ou Pedro Cabrita Reis), é intrigante o que será feito das obras de Kara Walker, Felix Gonzalez-Torres, Tony Oursler (que permitiria a relação com uma das mais paradigmáticas instalações da coleção Berardo, Judy, que agora se terá colocado nas reservas) e, sobretudo, as quatro peças de Dan Graham, de relação óbvia com a coleção Berardo; seria interessante perceber, se ainda na posse da dita coleção, o motivo de não terem sido incorporadas nos vários vazios brancos que ainda compõem esta exposição permanente. Entre estes gestos de escolha verifica-se ainda outra exclusão que me parece pertinente salientar: a de Joana Vasconcelos que, em 2010, na sua retrospetiva “Sem Rede” terá tido a exposição mais vista nos quinze anos do museu Coleção Berardo, segundo dados da Agência Lusa de 2022. Esta exclusão que se manifesta, não só no espaço expositivo, como no recém-editado catálogo dedicado a esta coleção, orientado por Pedro Lapa (que, não só fora diretor do Museu Coleção Berardo, entre 2011 e 2016, mas, também, um dos conselheiros de João Rendeiro na aquisição de obras para a coleção Ellipse - que agora se junta à primeira – no que fora uma polémica acumulação de funções público-privadas com Alexandre Melo, à altura assessor do primeiro ministro, José Sócrates), parece fundamentar-se por um variado número de fatores. Entre a polémica nomeação para a Bienal de Veneza pelo próprio Secretário-Geral da Cultura, em 2012 (pelo menos, agora, estamos um bocadinho melhor, nesse aspeto) ao mediatismo de uma obra tantas vezes tida, pelos circuitos artísticos em Portugal, como excessiva ou de gosto mainstream (o que quer que isso signifique). No entanto, até que ponto é que o critério do gosto pessoal do curador (não o digo num tom pejorativo, porque, no fundo, é um dos possíveis pontos de partida fundamentais para o gesto curatorial) se deve impor ao reconhecimento dado pelo público? Fará sentido falar de teimosia, elitismo? É facto que o espaço de um museu, ou as páginas de um catálogo não são infinitas, e as malditas escolhas permanecem. Parece-me, ainda assim, haver algumas dúvidas no ar numa obra muitíssimo promissora, mas que já se impõe como, aparentemente, firmada – um museu de suspensões, e de tão atuais ambiguidades, ainda algures em vias de se encontrar. Acrescento, por fim, que após a visita às exposições do museu que permitiram a escrita deste texto, dirigi-me à nova loja-cafetaria do museu. Por ironia, ou não, do destino, na montra do balcão da cafetaria estava um livro: Joana Vasconcelos ou o Reencantamento da Arte de Gilles Lipovetsky e Jean Sarroy. Por trás dele, um caríssimo vinho da Quinta da Bacalhôa, ainda propriedade de Joe Berardo. Como cantava Neil Young há quase seis décadas atrás: There's something happening here, but what it is ain't exactly clear…
Miguel Pinto
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* Augusto Alves da Silva: Lau (2007); René Bertholo: Europe Midi (1964); Daniel Buren: Projeto/soprar: deambulatório (1985-2007); Pedro Cabrita Reis: Os Observadores (1994), Gabinete de Amador #2 (2001), Um, Dois e Três (2001), A Grelha (2006), Grupo Composto - #13, #14, 15 (2007), Amarração (2008); Lourdes Castro: Caixinha Óculos (1962); Rui Chafes: Menos Arte (2005); Ângela Ferreira: Para Moçambique (modelo nº1 ecrã-quiosque-tribuna em celebração de uma utopia pós-independência); Fernanda Fragateiro: Caixa (desmontagem) 2, (2006); Laurent Grasso: 1619 (2008); João Maria Gusmão e Pedro Paiva: Horizonte de Acontecimentos (2008); Willem de Kooning: Sem título (1976); Álvaro Lapa: Sem título (1970); Robert Longo: Óleo e Rosas (2003); José Loureiro: Sem título (2008); Ana Mendieta: Variação Facial Cosmética (1972), Sem título – Sinal de Sangue nº2 / Vestígios do Corpo); Boris Mikhailov: Mãe e Filha. Depois do Banho, ela disse: agora já não nos vão encontrar; Manuel Ocampo: A Esteticização de Fantasias Dessublimadas Tornadas Impotentes por Gestos Irresponsáveis (2007); Dennis Oppenheim: Dead Furrow / Structure for Viewing Land (1967); Miguel Palma: Google Plane 1968-2008 (2008); Pires Vieira: Pintura da série “Outubro IV” (1976), Pintura da série “Outubro III” (1977); Robert Ryman: Tract (1982); Ângelo de Sousa: Sem título (1964-2005); João Tabarra: Atelier (2007), Tornado (2007); Emilio Tadini: Viagem a Itália (2007); Justine Triet: Manifestação (2006); Laurence Weiner, John Baldessari, Julião Sarmento: Drift (2004); Francesca Woodman: Early (1972-75), House #4, Providence, Rhode Island (1976), From Space 2, Providence, March (1976), Untitled, Providence, Rhode Island (1976), Untitled, Rome, I. 152 (1977-78), New York – N380B (1976-80), Face, Providence, Spring (1976-2000).
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