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O ESTADO DA ARTE


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CONSTANÇA BABO

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Atualmente, assiste-se a uma nova revolução, a tecnológica, que consiste no terceiro grande momento industrial. Define-se por várias categorias que, sendo recentes e particularmente inovadoras, se encontram em contínua exploração e experimentação. Dessas, destacam-se a realidade virtual, o próprio universo do virtual bem como o do digital e o do online, todos eles caracterizando-se como velozes, transitórios, mutáveis, intangíveis e elétricos.

Ora, é precisamente a partir da última qualidade que se apresenta a mais recente exposição inaugurada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Electric. Passível de ser visitada desde o dia 25 de janeiro até 24 de maio, a sua condição espácio-temporal transcende essas datas, sendo, aliás, dúbia, difícil de identificar e situar. A mostra foi comissariada por Daniel Birnbaum, reconhecido crítico de arte e diretor do Moderna Museet de Estocolmo e a sua projeção e instalação técnicas ficaram ao cargo da organização que o próprio dirige, a Acute Art.

A Acute Art tem vindo a desenvolver dispositivos e aplicações de realidade virtual com o intuito de servirem enquanto meios e ferramentas de produção artística. Assim, permitem aos artistas alargar as suas expressões e práticas a outros domínios, novos e inovadores. Exemplos disso são os dois artistas internacionalmente reconhecidos e já familiares ao público mais assíduo de Serralves, Anish Kapoor e Olafur Eliasson, cujas criações se expandem, pela primeira vez, para este campo do digital.

Com efeito, ambos são conhecidos pelas suas construções particularmente físicas, estruturalmente complexas e de grandes dimensões que se instalam com imponência nos espaços, ocupando-os e transformando-os. Contrariamente, as novas obras surgem sob a forma de justaposições ou sobreposições de lugares e situações virtuais à galeria expositiva. Por outras palavras, os projetos que agora se expõem no museu inauguram e desenvolvem realidades e dimensões paralelas às reais.

Aos dois artistas junta-se a dupla Nathalie Djurberg & Hans Berg, assim se compondo um diversificado e interessante conjunto de trabalhos no primeiro piso do Museu de Serralves. Sobre cada uma das obras poder-se-ia incorrer numa descrição das suas narrativas e dos seus cenários, mas, ao invés, escolhe-se deixá-los a eles e às suas formas, figuras e criaturas, exclusivamente à vivência do espectador. O que se considera importante anunciar é a experiência fornecida. Não se trata, com efeito, de uma visita ou de um percurso expositivo pois o nível da sua envolvência é outro, superior.

No centro de uma sala em penumbra, sete cadeiras equipadas apresentam cinco realidades distintas, acionadas pela colocação dos respetivos óculos. Assim se retira e isola o espectador do que o circunda, convidando-o a ingressar em universos profundamente imersivos, inteiramente projetados pelos artistas. Propõem-se jornadas virtuais que se tornam quase reais. Apresentadas com mais ou menos ação, com cor ou em escala de cinzas, com motivos naturais ou puramente geométricos, têm, enquanto denominadores comuns, a possibilidade de adoptar uma visão de 360 graus e obter respostas tecnológicas ao movimento que se exerce.

As experiências que aqui se proporcionam são, sem dúvida, singulares, inovadoras e inebriantes. Como tal, a transição entre elas faz-se com ininterruptos entusiasmo e surpresa, o que se mantém e é, inclusivamente, exacerbado por um objeto que aguarda pela sua ativação, no jardim do museu. Este último não só dá continuidade à dinâmica de elevada percepção visual como ainda a conjuga e relaciona com a dimensão física, do corpo e da ação.

Através do download de uma aplicação para smartphone, disponível no local, estabelece-se contacto com a obra. Um cubo de gelo, ou a sua simulação, situa-se algures entre os universos virtual e real, na medida em que habita no primeiro, mas transita para o segundo ao revelar-se no olhar do seu utilizador, relacionando-se com ele em tempo real e assim se inscrevendo no seu (nosso) mundo. O objeto é, pois, reativo à movimentação do espectador, ou seja, à deslocação do dispositivo móvel e à alteração do ponto de vista adoptado.

Projetado com tecnologia de realidade aumentada, é dinâmico e particularmente bem conseguido, convidando assim a uma experiência interativa e relacional que se quer demorada e singular. O tempo, o modo de comunicar com a obra, o nível de participação e a proximidade que se estabelecem são, pois, determinados por cada espectador, o que permite o desenvolvimento de uma experiência individual, inédita e irrepetível. Instala-se, assim, enquanto um evento efémero, algo cada vez mais recorrente com os novos média digitais, cuja exposição consiste em situações ou ocasiões, mais do que simples mostras.

A obra, que a sua autora Koo Jeong A intitula de densisty (2019), questiona o papel de quem o experiencia, propondo-lhe um lugar central e decisivo no processo artístico, o de utilizador-receptor ou de ator e participante. Trata-se, efetivamente, de uma arte que, mais do que qualquer outra, somente ganha vida e se concretiza nas mãos de quem a recebe. Problematiza, ainda, o próprio conceito de objeto artístico, conferindo-lhe novas possibilidades. De facto, a constituição e a manifestação destas obras coloca-as numa dinâmica que não é exatamente real nem plenamente imaginária. Movem-se entre esferas de existência, exposição e leitura, assim contribuindo para a sua compreensão enquanto imateriais e sugerindo uma desmaterialização da arte, conceito desenvolvido por alguns teóricos, como McLuhan e Lippard. Propõem-se novas modalidades criativas, produtivas, expositivas e receptivas que, sendo tão fascinantes quanto problemáticas, alteram as condições e os quadros de referência do contexto artístico.

Com efeito, a arte tem vindo continua e progressivamente a representar e a refletir a atual era digital. Testemunha-se, aliás, uma viragem tecnológica da arte, particularmente nítida na própria tecnicidade das obras. De igual modo, a pluralidade mediática tem-se revelado uma das principais características das novas criações. Os objetos constroem-se através de vários média, como, por exemplo, instalações audiovisuais que incorporam e cruzam imagem, som, luz, produções 3D, entre vários. Tais técnicas são, por sua vez, suportadas e reproduzidas através de outros elementos digitais, formando, assim, verdadeiras obras multimédia.

Estas formas de arte, sendo cada vez mais híbridas, multifacetadas e fragmentadas, tanto quanto o mundo e o homem contemporâneos, evidenciam-se das demais. Compreendem-se, habitualmente, enquanto new media art. Convém, porém, ressalvar que o caráter de novidade que as pauta não as circunscreve aos mais jovens artistas. Pelo contrário, verifica-se que os novos materiais e técnicas de produção são particularmente atrativos e curiosos para quem tem criado e construído arte a partir de outros meios, mais ou menos tradicionais, mas sobretudo não tão tecnológicos. Simultaneamente, os artistas mais consagrados revelam-se como fortes contributos para a validação e a afirmação dos novos média na esfera da arte. Assim o fazem, precisamente, os que dão corpo à atual exposição.

O projeto expositivo Electric foi inaugurado em maio de 2019, na feira Frieze de Nova Iorque. Agora, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves incumbe-se deste desafio, posicionando-se num lugar de protagonismo no desenvolvimento artístico, a nível nacional e internacional. A instituição afirma, deste modo, a sua contemporaneidade. Ser contemporâneo é, pois, ser verdadeiramente coevo do seu tempo e, hoje, nada o simboliza melhor do que ser-se tecnológico, digital e, em suma, elétrico.

 

 

Constança Babo
Doutoranda em Arte dos Média na Universidade Lusófona do Porto e bolseira da FCT, tendo como área de investigação o objeto artístico dos novos média e os seus modelos expositivos. É mestre em Estudos Artísticos - Teoria e Crítica de Arte pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e licenciada em Artes Visuais - Fotografia pela Escola Superior Artística do Porto. Tem publicado artigos científicos e textos críticos de arte.