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VISÕES DE UMA ESPANHA EXPANDIDALUÍS LIMA2018-07-29
A exposição New Spain reúne obras de sete artistas espanhóis emergentes e está patente na Solar – Galeria de Arte Cinemática, ancorada no programa da 26ª edição do Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema. Este movimento conjunto de imagens conceptuais, visuais e sonoras, que assim se tornam hápticas para melhor se contaminarem, é uma proposta expositiva do curador galego José Manuel Lopez (colaborador do Museo de Arte Contemporáneo de Vigo e do Centro Galego de Arte Contemporánea, de Santiago) e de Nuno Rodrigues, co-director do festival Curtas de Vila do Conde. Os artistas são: Carla Andrade, Inés García, Laida Lertxundi, Lois Patiño, Natalia Marín, Samuel M. Delgado e Helena Girón e apresentam instalações emparedadas em dois pisos, no espaço da galeria, aliando entre si a utilização plástica de diversos meios, como o filme, o vídeo e a fotografia, expandindo os limites entre o cinema e as artes plásticas, sublimando assim o movimento estético de uma multiplicidade conceptual. Do conjunto dos seis trabalhos apresentados, dois são inéditos: No Hay Tierra Más Allá, de Samuel M. Delgado e Helena Girón e El paisaje está vacío y el vacío es paisaje, de Carla Andrade. Os textos do catálogo dizem, a quem quiser lê-los, que se trata de «uma experiência estética. Para reflectir uma Nova Espanha expressa no olhar renovado deste grupo de artistas, quase todos nascidos na década de 1980 e a trabalhar fora do país de origem». Convite a pensar um paralelismo entre o desenraizamento identitário de uma nova geração de artistas-cineastas espanhóis e o próprio expansionismo frustrado de um império colonial com quase meio-século de história. Destaquemos antes o sublinhado lacónico ao título da exposição: «a alusão tragicómica do título à época dos descobrimentos espanhóis na América do Sul e respectivo falhanço do império, em articulação com a condição estrangeira do grupo de artistas», aliada ao «cruzamento dos territórios do dispositivo convencional do cinema e os do contexto de galeria». Teríamos assim uma desterritorialização tripla: a dos géneros (cinemático, expositivo, sonoro, etc...), dos artistas (da sua condição identitária como e-migrantes), e dos avanços e recuos das fronteiras dos Estados-Nação (que hoje fracassam, sobretudo, no caso espanhol, mais em termos de nação do que de Estado que, enquanto reino, perdura em solo europeu). Os títulos das peças têm um pendor fortemente poético, tentemos traduzi-los: Nova Madrid; Não há Terra Mais Além; 025 Pôr-do-Sol Encarnado; A Paisagem está Vazia e o Vazio é Paisagem; Amanhecer para a Oração; Viagem de Inverno. Entrar na galeria Solar é, pois, encontrar a leitura incerta desta poética para uma interpretação pessoal das propostas. «A sonhada utopia espanhola [que] acabou por se transformar numa inevitável atopia (uma anomalia, algo de estranho e fora do lugar), pelo que também as suas imagens serão apátridas: imagens sem lugar de um lugar sem imagens» é uma leitura possível, a do curador José Manuel Lopes. De um horizonte montanhês esmagado por um filtro encarnado que não se assume como pôr-do-sol a não ser como uma sua alusão literal, com um camião vermelho que imediatamente risca a paisagem, à enumeração inventariada de simulacros para cidades utópicas, passamos pelas salas da Solar em busca de uma Nueva España pós-colonial mas não a encontramos. Há muito da(s) América(s), dos utópicos Thoreau ou Fourrier, há heterotopias que nos dizem provir das vidas dos sete jovens artistas, cineastas que trabalham de modo expandido o cinema, mas que recusam ser expansionistas quanto à sua origem. Os artistas apresentam, pois, instalações que aliam diversos meios, como o filme, o vídeo e a fotografia, mas também a música e o som não forçosamente musicado – como os ruídos submarinos de No Hay Tierra Más Allá ou a voz, narrativa, inglesa, de New Madrid – tecendo uma tela conceptual para a projecção de imagens em movimento, ou antes, para a impressão do movimento das imagens que se torna háptico. Como, por exemplo, espreitar para dentro de uma caixa iluminada do interior para invadir fotografias apresentadas em jeito de álbum de família – uma família que acreditou, pode ler-se, na possibilidade concreta de realizar a utopia comunista em comícios – numa caixa, obviamente de tons avermelhados, uma mesma tonalidade para os vários objectos presentes: novamente a coloração intensa do filtro nas imagens iniciais de Sunset Red. Filme que inclui diálogos ocasionais de pessoas que habitam a paisagem mas também cenas íntimas de casa, onde uma mulher nua, alongada sobre o ventre no chão, a olhar para um monitor TV ao raso do solo, antecipa um beijo apaixonado no ecrã, também coberto de encarnado. Música americana, aleluias e harmónicas. Paisagens: poderia ser esta uma outra liga estética, matéria-forma para a união das obras presentes. Paisagens de montanha, de mar e praia, de uma serrania sempre longínqua, de um monte nevado que rasa obliquamente uma tela vizinha onde, em clarões, se impõe uma floresta desfocada, assombrada pela presença-ausência de vozes ou até de rostos em grandes planos; mas estamos já de volta a outra sala. Também de vultos distantes que dão a escala às serranias e às praias, Ku Klux Klan encapuçados na serra, à beira-mar, brancos ou pretos em negativo, em exposição invertida, tal como as telas que por vezes são de simples papel, onde se imprime o movimento das imagens que podem ser vistas de ambos os lados da superfície, numa quebra do jogo especular, criando assim a possibilidade de acreditar nas duas faces do mundo como numa só, na dobra da superfície que é esta New Spain intercontinental e que renasce, continuamente, nem que para contar a história de uma utopia que, como todas, nunca se cumpre a não ser na sua tentativa. Por que motivo a topologia, como lógica dos espaços, aqui múltipla e feita heterotopia, nos assombra tanto quando nos são dadas afinal, a ver, tantas paisagens firmes? Talvez por estarem em falta a casa, o lar, o lugar-urbe, a àgora cidadã onde a república se pensa. Pensemos numa república espanhola, numa monarquia-império, numa nova Hispânia transcontinental, e o que vemos? Simulacros de cidades que se erguem na força da catástrofe, como diz Natalia Marín ao definir o simulacro como «a ressurreição da catástrofe» que, «num acto de prevenção», dá corpo ao cataclismo. Jovens artistas exilados ou, menos dramaticamente, (e)migrados, trabalham o movimento das imagens pensando e conceptualizando, com água, e cubos caleidoscópicos que reflectem a luz como se de um prisma goethiano mergulhado numa câmara obscura se tratasse, ao som de melodias country-music – na sala ao lado – e de fantasmas clássicos, na neve, na serra, ou perdidos nos traços digitais em stop motion de cidades nocturnas: heranças comuns do pôr-do-sol na montanha? Será esta a Espanha Nova que é dada a ver na exposição? New Spain, Nueva España ou antes, uma Espanha expandida aos seus sonhos, fantasmas, medos e desejos, às paisagens do presente, às frustrações de impérios passados nunca consolidados, assombrados pelo medo de uma identidade nacional reiterada pela reificação de uma coroa que esta geração de artistas, precisamente em fuga identitária, procurou tornar anárquica na sua produção estética e política? Uma nova Espanha, uma Espanha expandida, mas, ainda assim, apaixonada pela utopia de um território identitário. Atentemos, primeiro, à possível resposta do curador José Manuel Lopez: «uma Espanha imperial que tratava de inculcar a hispanidade e o catolicismo no resto do mundo» e que «tinha como lema Plus Ultra (“Mais Além”), duas palavras que ainda figuram na bandeira e no escudo dos espanhóis». Ontem e hoje, ainda. Expandir-se, empenhar-se mais além das suas fronteiras – é esse o sonho de qualquer império. «A sonhada utopia espanhola acabou por se transformar numa inevitável atopia (uma anomalia, algo de estranho e fora de lugar), pelo que também as suas imagens serão apátridas: imagens sem lugar de um lugar sem imagens». Procuremos, depois, pelo lado dos artistas, nas palavras de Inés Garcia que fala na primeira pessoa do seu trabalho: «A minha prática artística incide no movimento, no tempo e na precariedade entre a realidade objetiva e a realidade poética. Interesso-me especialmente pela criação de tempos de trânsito que não se referem a um mundo externo, mas a uma representação mental que remova precisamente as fronteiras entre o real e o irreal para causar uma ambiguidade inquietante, um deslize entre o sono e o despertar». Sem concluirmos, por fim, mergulhemos numa pura expansão dos limites que abole a rigidez das fronteiras... As visões de uma Espanha expandida estão Plus ultra - mais além destas palavras, sejam leituras dos próprios autores, do curador ou de quem sobre ela quiser dissertar: as suas fronteiras abrem-se no espaço expositivo da Galeria Solar, até dia 1 Setembro: nuestro hermanos y plus ultra.
Luís Lima
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New Spain Patente até 1 de Setembro de 2018
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