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CHOICESINÊS VALLE2014-01-0611º Edição da Feira de Arte Frieze Londres – 2013 www.frieze.com Relatórios recentes apontam que a maioria das propriedades avaliadas em valores superiores a um milhão de libras no atual mercado londrino estão maioritariamente a ser adquiridas por estrangeiros Russos ou da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) [1]. Este mesmo surto de investimento na cidade de Londres, pode também ser experienciado na 11a edição da London Frieze Art Fair acabando por ser um reflexo de um brutal consumismo. Percorrendo os seus corredores facilmente nos apercebemos que a maioria das pessoas que aqui deambulam, não está só entusiasmada por ver arte ou para concretizar um bom negócio mas também veem este evento como uma oportunidade de ostentar as suas recentes fortunas. Aqui, onde o capitalismo está ao rubro, a atual crise económica global é praticamente imperceptível. Os próprios bilhetes de entrada na Frieze, com um custo de £50, esgotaram instantaneamente no primeiro dia de abertura ao público e as principais atrações são na sua maioria frívolas, extravagantes e inflacionadas. Tal como estivéssemos num parque de diversões, algumas das obras expostas iniludivelmente atraiam a audiência, forcando-a a interagir com estas obras, como é o caso da instalação na entrada principal, Safety Cones (After Richard Serra) de Rob Pruitt, constituída por vinte e três pinos fluorescentes rodoviários, que torna-se o cenário perfeito para posar para uma fotografia rodeada por estes cones humanoides; ou a obra Portrait of the Artist of 2013 de Jennifer Rubell apresentada pela Gagosian Gallery, representando uma mulher gigante branca e grávida com o ventre aberto, que poderia ser penetrado pelo espectador para um rápido retrato, caso este se dispusesse a retirar os seus sapatos após uma longa espera na fila; a enorme espiral em plexiglas do artista americano Dan Graham exposta no stand da Lisson Gallery também ela faz parte deste tipo de obras sensacionalistas, bem como a obra mais dispendiosa na Frieze, as quatro esculturas balão de Jeff Koons constantemente vigiadas por seguranças que quase pareciam fazer parte da instalação, uma sátira totalmente acidental a um excesso absurdo. Extensas filas eram formadas em torno de objetos que satisfaziam um imediato hedonismo de prazer, com cores garridas e brilhos intensos, proporcionando experiencias que espicaçavam uma viagem para um mundo fantástico de puro vácuo. O que é que um gato colorido dentro de uma meia ou uma enorme mulher com um ventre oco podem verdadeiramente contribuir para o entendimento da sociedade? Não será isto uma pura sátira de estupidez face ao alienado, ocioso ou vazio no qual estamos impostos a sobreviver? De um modo geral podemos considerar que as Feiras de Arte têm todas a mesma essência, um espetáculo de objetos cintilantes e apelativos, que nos fazem questionar a razão pela qual as galerias se quer se incomodam em trazer algumas destas coisas, no entanto dentro desta lugubridade encontramos sempre por estes corredores algo novo e refrescante! Neste caso, foi notória uma maior representação de galerias não ocidentais, onde galerias da Turquia ou da África Sul foram alguns dos principais exemplos.. Dos trinta países representados existiam galerias provenientes do Brasil, China, Hungria, Índia, Coreia ou mesmo do México, que dilataram a perspectiva do mercado de arte ao exibirem artistas usualmente desconhecidos da habitual rotina Europeia, no entanto a sua representação continua a ser uma pequena minoria. Contudo é interessante observar que esta minoria também representa uma maioria, se levarmos em consideração o fato de que as questões abordadas pelos artistas representados por estas detêm uma maior componente sociopolítica nos seus projetos, comparadas com as demais galerias. Ora este não é um facto estranho ou inesperado, visto que o mundo da arte está cada vez mais global do que internacional e “a atual arte política, com o seu intenso foco em transferir questões facilmente deslocáveis como o conflito regional, a cultura de consumo ou mesmo a política ambiental ou laboral é a forma perfeita para um reconhecimento global e para uma cultura artística cambiável”. [2] Da Ásia, representada pelo Project 88, foram apresentados os projetos artísticos de dois colectivos artísticos: The Otolith Group com o ensaio videográfico People To Be Resembling (2012) que indaga as metodologias do post-free jazz; e o Raqs Media Collective com a série Forthcoming Titles (2012) constituída por nove projetos que consistiam em capas de livro emolduradas e uma vazia, que de algum modo examinam o legado transcontinental de Rosa Luxemburgo, que este coletivo acredita ser crucial para a compreensão do mundo. Na área Frame Frieze, uma secção da feira dedicada à apresentação de projetos individuais por galerias com menos de 8 anos de existência, a galeria japonesa Aoyama Meguro Art Gallery apresentou o projeto Precarious Tasks #7: Try to keep conscious about a specific social issue, in this case \"anti-nuke,\" as long as possible while you are wearing yellow colour (2013) do conhecido artista Koki Tanaka, que toma o formato de uma instalação documental sobre um projeto social que desenvolveu em colaboração com um grupo de pessoas em Los Angeles, sobre os protestos contra a utilização de energia nuclear que têm vindo a decorrer todas as sextas-feiras em frente à residência do primeiro-ministro em Tóquio, desde o desastre nuclear de Fukushima em 2011. A presença de artistas do Médio Oriente também foi notória, a própria galeria turca Rampa foi incluída na lista de galerias de destaque da Frieze, trazendo artistas que nos últimos anos têm vindo a construir um forte percurso de trabalho, como Nilbar Güres ou Erinç Seymen. Güres, pode ser inserida na geração forte de artistas que estão a emergir dentro do panorama artístico contemporâneo turco, em que através da sua prática artística demonstra um forte discurso feminista, explorando questões de género social, inter-relacionado com a identidade feminina, o papel da mulher na sociedade ou mesmo a re-construção da imagem da mulher muçulmana no mundo ocidental. Por outro lado, Seymen, um jovem artista turco já conhecido do panorama artístico português, pela sua participação em 2007 na exposição “An Atlas of Events” na Fundação Calouste Gulbenkian. Na Frieze, expôs o projeto Sketches For A Paradise: Fear No Evil (2013), onde apropria-se de imagens exóticas que recortou de uma antiga enciclopédia de modo a refletir sobre a colonização, transformando e re-imaginando todo este processo. Tal poderá mesmo ser encarado como uma tentativa de desmistificar alguns dos pressupostos culturais existentes. A galeria londrina Anthony Reynolds também apresentou alguns artistas do Médio Oriente, como a artista Palestina Emily Jacir ou o Libanês Walid Raad. A obra Untitled (Fragment from Ex Libris) (2010-2012) de Jacir, consiste numa série de fotografias capturas com a sua própria câmara de telemóvel durante diversas visitas à Jewish National and University Library em Jerusalém, que retratam imagens de livros que foram extorquidos de casas, bibliotecas e instituições palestinas em 1948 e, que posteriormente foram catalogados nesta biblioteca sob a designação de ‘AP’ (Propriedade Abandonada). Este é um projeto que levanta questões sobre repartição e restituição da propriedade Palestina, algo que ainda continua sem resposta. Um dos projetos mais relevantes de Raad apresentado nesta edição da Frieze foi Hostage: The BacharPolaroids: Plates: [cat. A]_Bachar_Photographs_001-021 (2011), uma instalação constituída por vinte fotografias Polaroid sobre o cativeiro de Souheil Bachar no Líbano durante 10 anos consecutivos, onde a presença do seu corpo ou do seu rosto foram eliminadas de todas as fotografias. Apenas duas galerias africanas estiveram presentes na London Frieze Art Fair, a Goodman Gallery e a Contemporary Art Gallery Stevenson, ambas sediadas na África do Sul. Estas trouxeram um conjunto extenso e notável de artistas como Alfredo Jaar, David Goldblatt, Ghada Amer, Kendell Geers, Mikhael Subotzky, Meschac Gaba, Nicholas Hlobo, Robin Rhode, Sam Nhlengethwa, Viviane Sassen e William Kentridge. Deste enorme conjunto de trabalhos podemos destacar a enorme instalação parietal Le Monde en Miniature et la Mode en Miniature (2008) ou Voyages (2012), ambas do artista beninense Meschac Gaba, que dominavam o stand da galeria Stevenson. A primeira, foi inicialmente idealizada para uma exposição colectiva, que contingentemente nunca aconteceu, que consiste numa instalação sob a forma de vitrine de uma loja de moda com roupas infantis, concebidas em Benin, onde perturbadoras frases foram bordadas nas roupas - \"xenofobia\", \"violência\" ou \"terrorista\". Com este trabalho Gaba reaviva-nos “para o fenómeno silencioso onde a nossa sociedade transforma as crianças em vítimas vulneráveis” [3], mas também para o seu valor ou função nas economias globais. O último, Voyages, pode ser compreendido como uma extensão de projetos que Gaba iniciou quando foi convidado para participar na exposição We Face Forward (2012) em Manchester, surgindo como uma oposição à obra Ensemble, exibida nesta exposição. Ensemble representa um símbolo de unidade ao ser criada uma bandeira que unifica as bandeiras da África Ocidental com a da Union Jack através do efeito starburst, enquanto que Voyages, utiliza bandeiras de países ou organizações que mundialmente representam influencia, poder ou controlo, como a da União Europeia, das Nações Unidas, NATO ou mesmo a do Vaticano. Aqui cada bandeira foi empacotada individualmente e exibida com uma vara de viajante, ao que o artista metaforicamente considera como “os objetos defensivos do viajante contemporâneo – o passaporte” [4]. Também devo fazer referência à obra Silence Noise de Kudzanai Chiurai que aborda algumas das questões mais pertinentes da África pós-colonial, como a violência, o deslocamento dos povos africanos ou mesmo o empoderamento negro; ou à poderosa fotografia Tactical Unit (2007) de Mikhael Subotzky captada em Johannesburg, que denuncia o sentimento de medo que diariamente se vive na África do Sul. Uma fotografia montado com um vidro esmagado pelas próprias mãos do artista, é captando um impactante e espontâneo momento sobre a situação controversa sobre a questão de segurança na África do Sul, uma das temáticas recorrentes na obra de Subotzky desde 2004, que simultaneamente tem também vindo a debruçar-se em temáticas como o crime, marginalização social ou mesmo instituições de punição. Alfredo Jaar apresenta um trabalho igualmente forte, o vídeo Kigali, onde observamos o luto de um casal durante a sua visita ao Kigali Genocide Centre no Ruanda. Este centro foi construído exatamente por cima de um cemitério onde mais de 250.000 pessoas foram sepultadas e, desde a sua inauguração em 2004, recebeu mais de 100.000 visitantes de todo o mundo [5]. Neste vídeo, de quase três minutos de duração, este casal é filmado de costas e a longa distância, mas mesmo assim facilmente conseguimos percepcionar a magnitude dos seus sentimentos, apoio mútuo e respeito. Sem dúvida que este é um vídeo muito forte que é simultaneamente um reconhecimento e uma homenagem ao terrível genocídio que sucedeu no Ruanda. Algumas galerias de arte ocidentais também optaram por apresentar obras de artistas africanos contemporâneos ou então projetos que de algum modo se correlacionam com este grande continente, como foi o caso da Galeria Tanya Bonakdar de Nova Iorque que apresentou as obras de Meshac Gaba La traversée et Le Capitaine (2010) ou United Nations- Souvenir Palace (2010). Esta última é uma instalação constituída por uma mesa de uma criança pintada com o logótipo da ONU, rodeada por seis cadeiras de criança, sendo cada uma pintada com uma bandeira diferente, nomeadamente a Grã-Bretanha, França, Alemanha, África do Sul, Brasil e Egito, tendo os últimos três países sido nomeados numa proposta para a próxima reformulação do Conselho de Segurança da ONU. A Galeria Herald St., localizada à direita da entrada principal da Frieze, expôs o trabalho Made in Africa, Assembled in China (2013) do artista jugoslavo Djordje Ožbolt, que pode ser entendido como uma sátira sobre a globalização ou mesmo à incongruência de objetos africanos como uma moda de ornamentos home-décor. O interesse e representação de Arte Contemporânea Africana tem vindo a ascender nos últimos anos, sendo a sua presença notória não só em eventos mundiais de relevo, mas também no acréscimo exponencial de galerias que focam-se essencialmente em Arte Africana, como a Jack Bell Gallery, Tiwani Contemporary, October ou GAFRA em Londres. Além disto, coincidindo com a Frieze Art Fair, foi inaugurada a primeira feira de arte Africana no Reino Unido, a 1:54 Contemporary African Art Fair apresentada na Somerset House, que durante este loucos dias trouxe a Londres uma refrescante e financeiramente mais acessível Arte Contemporânea. Com o Pavilhão de Angola a ganhar o Leão de Ouro na Bienal de Veneza de 2013 ou, mais recentemente com a nomeação de Okwui Enwezor para Diretor do Sector de Artes Visuais da 56 ª Edição desta mesma Bienal, não restam dúvidas sobre o aumento de visibilidade, reconhecimento e relevância da Arte Africana e de seus atores no mercado de arte global. [1] http://www.tinyurl.com/oe3ydzr [2] Charlesworth, J.J., Global vs Local, in Art Review - Power eats the soul, Novembro 2013, volume 65, número 8. [3] Meschac Gaba, Catálogo da Exposição Le Monde, Publicado por Stevenson, África do Sul, 2013. [4] Idem. [5] www.kigalimemorialcentre.org/; [6] Título completo da obra: Koki Tanaka, Precarious Tasks #7: Try to keep conscious about a specific social issue, in this case \"anti-nuke,\" as long as possible while you are wearing yellow colour (2013) |