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EGÍDIO ÁLVARO (1937-2020). ‘LEMBRAR O FUTURO: ARQUIVO DE PERFORMANCES’PAULA PINTO2022-04-29
Para que serve um espólio de fotografias e vídeos inéditos sobre encontros e festivais de arte e performance em Portugal (1974-1987)? Se alguma instituição museológica chegar a mostrar interesse no seu acolhimento, quanto tardará até que possa ser publicamente consultável e que visibilidade lhe dará? Que papel têm tido as instituições museográficas e as bibliotecas do país na preservação de obras e acervos documentais, na promoção da história de arte portuguesa e na sua visibilidade? Que museus estão preparados para o acolhimento de espólios documentais? Porque são importantes estes espólios documentais e que oportunidades existem para que artistas e intelectuais independentes os trabalhem? Quais as diferenças entre visionar fotografias, vídeos e ter acesso a relatos e depoimentos de diferentes artistas? É fundamental que estes materiais sejam cultural, visual e materialmente tratados e que conteúdos históricos e teóricos sejam produzidos sobre o trabalho do crítico de arte Egídio Álvaro, mas igualmente sobre os artistas que com ele colaboraram, chamando a atenção para a falta de responsabilidade institucional de lhes conferir visibilidade e permitir que o seu interesse se renove. Reconhecer, celebrar e activar o espólio documental de Egídio Álvaro, abrindo-o a uma comunidade de artistas, historiadores e outros interessados na história da performance arte, será um sinal importante para o trabalho que qualquer instituição venha a fazer no futuro com o mesmo e confere-nos a todos uma oportunidade para pensar na presente condição das artes em Portugal. Este programa representa uma oportunidade para lembrar a performance enquanto expressão artística e inscrever a sua história na cultura portuguesa, mas sobretudo debater e renovar a abordagem cultural sobre materiais documentais e visuais que, com o passar do tempo, necessitam de ser activados por novas gerações, encontrar novos espaços e meios de exposição. Ainda estamos na fase das perguntas, em que as respostas são certamente desconhecidas....
CICLO INTERNACIONAL PERSPECTIVA 74 Entre 21 e 24 abril, o programa LEMBRAR O FUTURO: ARQUIVO DE PERFORMANCES foi inaugurado com a exposição de uma série de materiais do ciclo internacional PERSPECTIVA 74. Em Outubro de 1973 (mês do lançamento da Revista de Artes Plásticas Nº1), Egídio Álvaro convidou em nome da Galeria DOIS, uma série de artistas a participarem numa exposição consagrada a alguns aspectos da “arte contemporânea”; ainda antes do conceito mais genérico de performance resumir um campo experimental que se apropria de elementos associadas a diversas artes, surgem nesta época expressões como: intervenções, arte conceptual, arte processo, arte ideia, arte transversal, arte lúdica, dialéctica da duração, arte da troca, arte corporal, crítica do suporte, arte de comportamento, espaços vivos, ambiente, instalação, escultura-viva, situação, arte viva, etc..., que procuram inscrever novos registos artísticos. Depois de reunir preliminarmente com Da Rocha (ou Paris Couto), Hubert, Moucha, Pineau, Schwind, Tomek e Yokoyama, dirige o convite a Alvess, Ben, Brecht, Borgeaud, Dixo, Filliou, Gerz, Klassnick e Oldenbourg. As exposições durariam 1 semana/cada, com direito a um desdobrável com formato A3 (dobrado ao meio), um catálogo geral a ser organizado durante uma retrospectiva na última semana do ciclo e a edição de um álbum serigráfico com uma edição de 100 exemplares de cada artista. A viagem e a estadia dos artistas eram asseguradas pela Galeria Dois, tendo como seu centro de acolhimento a Casa de Valadares, de Jaime Isidoro (1924-2009). O ciclo, organizado por Egídio Álvaro para as galerias do Grupo Alvarez, estendeu-se às ruas, mercados, praias, cafés e praças públicas do Porto. Inaugurou a 16 de Fevereiro de 1974, antes da Revolução de Abril, mas celebrava já uma mudança nos comportamentos artísticos, destabilizando o estatuto dos objectos artísticos comercializados pelas galerias e expondo um público não especializado a novos modos de produção artística. Entre 16 Fevereiro e 1 Maio 1974, o Ciclo Internacional Perspectiva 74 reuniu treze artistas de seis países – Polónia, Japão, Portugal, Inglaterra, França e Checoslováquia: Tomek Kawiak, Yokoyama, Alberto Carneiro, Roland Miller e Shirley Cameron, Jacques Pineau, Da Rocha, Pierre-Alain Hubert, Miloslav Moucha, Manuel Alvess, João Dixo, Robin Klassnick e Serge III Oldenbourg. Ampliando o terreno de recepção pública da arte à escala da cidade, este ciclo foi fundamental para o desenvolvimento da performance-arte portuguesa.
GALERIE DIAGONALE (Paris) Já em 1979, o Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian (Av. de Iéna) inicia um ciclo dedicado aos seus bolseiros e Egídio Álvaro propõe algumas exposições e escreve alguns textos. São exemplo os textos para o catálogo de Gonçalo Duarte (Maio 1979) e de João Dixo (Abril 1979). A Fundação Calouste Gulbenkian decide igualmente terminar este ciclo de bolseiros e a exposição de Miguel Yeco, que estava programada há 7 meses, é cancelada, depois da administração da Gulbenkian ter decidido que não queriam performances no seu centro cultural. Com a colaboração de um amigo, Egídio Álvaro tinha encontrado um espaço com um pequeno jardim num pátio em Montparnasse. As actividades da Galeria Diagonale, 10 Boulevard Edgar Quinet (75014 Paris), que abriu imediatamente no dia 25 de Abril de 1979, iniciam com a exposição e performance que Miguel Yeco tinha visto cancelada na Gulbenkian. Na capa do catálogo, o nome da Fundação Calouste Gulbenkian aparece cancelado com uma cruz, mas a marca foi transposta da capa do dossier enviado por Miguel Yeco para a Gulbenkian. Muitos artistas portugueses acabam por expor na Galerie Diagonale até aos anos 90: Da Rocha, Armando Azevedo, Manoel Barbosa, Albuquerque Mendes, Elisabete Mileu, Gerardo Burmester, Miguel Yeco, António Barros, Natividade Correa, Carlos Gordilho, Luís Garcia, António Olaio, entre muitos outros. Mas Egídio Álvaro identificava a Galerie Diagonale como um “lugar de encontros internacionais”, expandindo a sua programação dentro e fora da galeria, por festivais organizados por si ou em parceria com outras instituições culturais. Vocacionada para a performance, apresentou instalações, exposições, arte postal, dança, música, fotografia, vídeo e foi palco de muitos debates. Como o nome indica, a galeria DIAGONALE assumiu-se como lugar de investigação, de encontros e trocas, encruzilhada de linguagens disruptivas, superfície de revelação de clivagens, sem fronteiras, pela criação total e circulação sem entraves. A apresentação deste segundo momento do programa LEMBRAR O FUTURO: ARQUIVO DE PERFORMANCES decorrerá de 4 a 7 de maio.
Egídio Álvaro (1937 - 2020) Curadoria: Paula Parente Pinto Rampa, Porto
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Notas às Legendas [1] Serge III Oldenbourg na Galeria Dominguez Alvarez (22 Abril – 1 Maio 1974) [2] João Dixo na Galeria Alvarez Dois (13 – 20 Abril 1974) [3] Rolland Miller e Shirley Cameron frente à Câmara Municipal do Porto e na Galeria Alvarez Dois (9 – 15 Março 1974) [4] Da Rocha na Galeria Alvarez Dois (23 – 29 Março 1974) [5] Alberto Carneiro na Galeria Alvarez Dois (4 – 8 Março 1974)
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