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O ESTADO DA ARTE


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Guggenheim Museum – Bilbau, 1997. Arq. Frank Gehry

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MUSEUS, DESAFIOS E CRISE (II)



AUGUSTO M. SEABRA

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O Museu Guggenheim de Bilbau Ă© o paradigma do impacto de um projecto arquitectĂłnico, sobrepondo o edifĂ­cio em si Ă  possĂ­vel importĂąncia da apresentação de obras e de exposiçÔes, que supostamente sĂŁo a finalidade do museu, e teve as maiores consequĂȘncias enquanto capital simbĂłlico e gerador de fluxos econĂłmicos. “A ideia de museu como espaço de recolhimento dedicado Ă  contemplação de obras de arte perdeu o seu fundamento na realidade. Os museus constroem-se agora para regenerar o espaço urbano, promover a indĂșstria turĂ­stica e conseguir crĂ©ditos polĂ­ticos e de imagem com a operação”, nos termos da anĂĄlise de Iñaki Esteban em El efecto Guggenheim. HĂĄ um novo e “enorme espaço-espectĂĄculo”, que “tende a colocar a arquitectura, em forma de anĂșncio, em contacto com um pĂșblico projectado como consumidor em massa”, escreveu Hal Foster no seu ensaio sobre Frank Gehry, “O Construtor” (incluĂ­do em Design and Crime e tambĂ©m no volume Museumania – Museus de Hoje, Modelos de Ontem da Colecção PĂșblico Serralves) - “Em vez de ‘fĂłruns de empenho cĂ­vico’, os seus [de Gehry] centros culturais surgem como espaços para assistir ao grande espectĂĄculo, ao deslumbramento turĂ­stico” e assim “’o singular impacto econĂłmico e cultural apĂłs a sua inauguração em Outubro de 1997’, dizem-nos a propĂłsito do ‘efeito Bilbau’, ‘desencadeou uma procura desenfreada de obras semelhantes por arquitectos de todo o mundo’”.

Com esta mudança de escala, e de impactos nĂŁo apenas culturais mas tambĂ©m sociolĂłgicos, econĂłmicos e simbĂłlicos, ocorreram mudanças de modos e desafios de gestĂŁo. “Os problemas de financiamento e de gestĂŁo econĂłmica tornaram-se rapidamente de uma importĂąncia primordial, a ponto de suscitaram questĂ”es fundamentais no respeitante Ă  Ă©tica e a finalidade dos museus”, assinalou Philippe Durey, antigo director da rede francesa de museus. SĂŁo questĂ”es notavelmente analisadas por Jean-Michel Tobelem em Le nouvel Ăąge des musĂ©es – Les institutions culturelles au dĂ©fi de la gestion.

Comparando a estrutura dos museus e a das empresas (e assim colocando a questĂŁo dos museus como “empresa cultural” ou “organização cultural de mercado”), ele caracteriza diferentes idades ou perĂ­odos, sublinhando no quadro mais recente factos como a “internacionalização” e a consagração de “marcas” de museus, com “as aproximaçÔes entre diferentes instituiçÔes sob a forma de alianças estratĂ©gicas ou de uma expansĂŁo internacional”, assinalando nomeadamente dois factos salientes, a aliança entre o MoMA e a Tate, anunciada em Maio de 2000, com vista Ă  constituição de um sĂ­tio informĂĄtico conjunto de vocação comercial, e a irresistĂ­vel ascensĂŁo do Gugenheim – jĂĄ nĂŁo o museu especĂ­fico de Nova Iorque, obra de Frank Lloyd Wright, mas o que poderemos considerar “marca” ou “franchising”, o “McGuggenheim” escreve Tobelem, por paralelo com os McDonalds – com a gestĂŁo de Thomas Krens.

Na sequĂȘncia da anĂĄlise que desenvolvi nos textos sobre “A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Digital”, torna-se patente que hoje a noção, e a quantificação, dos “visitantes” de um museu nĂŁo diz apenas respeito a presenças fĂ­sicas mas tambĂ©m virtuais, estas inclusive com as possibilidades nĂŁo sĂł de acessibilidade, de compra electrĂłnica de entradas, mas mesmo de venda de produtos. Quanto Ă  filosofia de “management” – pois que o termo Ă© mesmo esse, o de uma empresa, cultural – no caso do Guggenheim hĂĄ uma definição lapidar de Krens: “Imaginem um museu em perpĂ©tuo movimento. O Guggenheim nĂŁo Ă© um local Ă© um ponto de vista [sublinhado meu]. O Guggenheim Ă© tudo o que vocĂȘs tĂȘm vontade de imaginar. O Guggenheim Ă© o agente da cultura para todos”.

Este processo, caracterĂ­stico da presente era do capitalismo globalizado, implica tambĂ©m novos e complexos problemas na relação entre os museus e o mercado, em particular o da arte contemporĂąnea, nomeadamente com a irresistĂ­vel ascensĂŁo de novos “partners”, como sobretudo a China e as petromonarquias do Golfo, de Abu Dhabi ao Qatar.

“É tarefa [ainda] dos museus designar o que Ă© arte e o que nĂŁo Ă©. Os agentes econĂłmicos nĂŁo tĂȘm, com efeito, em grau como o dos agentes culturais, o poder de conferir o estatuto artĂ­stico a formas de arte concebidas para nĂŁo serem ‘recuperadas’ pelo mercado”, escreveu Raymond Moulin em L’artiste, l’institution et le marche, no capĂ­tulo votado a “O mercado e o museu”. SĂł que, numa dialĂ©tica de extrema complexidade, o mercado, galerias, feiras, leiloeiras, colecionadores e especuladores, tudo “recuperam”, forçando os museus a participar na lĂłgica dos mercados para as suas prĂłprias aquisiçÔes. “A dificuldade maior reside no facto que o valor estĂ©tico e os preços nĂŁo sĂŁo independentes: se o preço Ă© função de um presumido valor artĂ­stico, a estimativa do valor estĂ©tico Ă© [tambĂ©m], ao menos parcialmente, função do preço. Numa dialĂ©tica confusa, o juĂ­zo estĂ©tico torna-se o pretexto de uma operação comercial e uma operação comercial bem-sucedida toma lugar de juĂ­zo estĂ©tico. O estatuto que este ou aquele artista tem na rede internacional de exposiçÔes e de coleçÔes nĂŁo Ă© independente da galeria que o representa e do capital financeiro e cultural de que dispĂ”e: as instituiçÔes pĂșblicas nĂŁo podem nĂŁo estar advertidas e solidĂĄrias com as tendĂȘncias do mercado”, assinala Moulin.

Para retomar o mote que foi o do Dia Internacional dos Museus deste ano, “Museus num Mundo em Mudança: novos desafios, novas inspiraçÔes”, criam-se assim, num “mundo em mudança”, “novos desafios” de gestĂŁo e programação, novos constrangimentos tambĂ©m, em que os museus tĂȘm que preservar a sua autonomia e ter em conta as tais “questĂ”es fundamentais no respeitante Ă  [sua] Ă©tica e a finalidade”, assinaladas por Philippe Durey, mas nĂŁo podem tambĂ©m alhear-se do mercado, das galerias e das feiras. E assim os museus tĂȘm tambĂ©m de procurar, alĂ©m dos subsĂ­dios pĂșblicos, outras formas de financiamento, de mecenas e “sponsors”, perante os quais, genericamente que seja, nĂŁo podem deixar de apresentar as suas contas e nĂ­veis de “sucesso”. E os termos de todas estas equaçÔes, numa rede da arte globalizada, constituem tremendos desafios.


Augusto M. Seabra