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A 56ª BIENAL DE VENEZA DE OKWUI ENWEZOR É SOMBRIA, TRISTE E FEIABENJAMIN GENOCCHIO2015-05-13
A Bienal tem 120 anos de idade e se ainda tem valor como exposição está no facto dela oferecer, numa plataforma influente, perspectivas sucessivas e muitas vezes conflituosas sobre a prática artística contemporânea e a sua relevância para o mundo em que vivemos. Podemos não concordar com a visão de Enwezor da arte e do seu papel utópico no mundo de hoje - eu certamente não concordo - mas não há como negar que o mundo hoje enfrenta divisões e crises profundas e um futuro incerto. Vale a pena explorar como é que essas forças têm impacto nos artistas, eu concordo. Temos que admirar a sua perspectiva, pois esta é, possivelmente, a exposição da Bienal curatorialmente mais rigorosa que eu já vi em 20 anos que venho aqui. O Dogma impera numa mostra que é muito bem desprovida de beleza, aspiração, ironia ou diversão. Há também uma atenção para com a arte que está a mostrar ou a lidar com a violência, que para mim é profundamente perturbador. A suas preocupações pessoais são igualmente frontais e centradas: usa a sua autoridade como o primeiro curador da Bienal de ascendência africana para validar artistas da periferia do mundo, da África especialmente, reunindo 136 artistas de 53 países, 89 deles estão na Bienal pela primeira vez. Isto é bom e admirável.
Cartaz de protesto.
Enwezor, de origem nigeriana, é conhecido pelas suas preocupações com a diversidade geográfica e por uma firme abordagem anticapitalista à arte. Mas as suas obsessões curatoriais alimentam dúvidas persistentes sobre a legitimidade do tema geral da exposição, "Todos os futuros do mundo" (que, aliás, soa como o título sem sentido de um filme de James Bond) e a relevância do tipo de arte que ele pretende promover. Todos sabemos que o mercado é uma força na produção da arte contemporânea e ignorar as implicações mais amplas deste facto sobre a arte parece, digamos, inútil, perverso e ingénuo. Enwezor inteligentemente procura explorar o descontentamento generalizado do mundo da arte em relação à ordem actual das coisas. As pessoas não estão satisfeitas com o sistema da arte e com a forma como este perpetua uma desigualdade de oportunidades real e destructiva de muitas maneiras. A sua resposta mais controversa a este problema é ter um artista-arquiteto célebre, David Adjaye, a construir um palco no pavilhão italiano e, em seguida, convidar artistas para comissionar leituras de vários textos políticos; Por exemplo, a contribuição de Isaac Julien é uma leitura de todos os quatro volumes da obra de 1867 Das Kapital, de Karl Marx. É um golpe político pateta na fronteira do kitsch, dado que o texto de Marx tem relevância limitada para a arte ou para a vida em 2015, ou para um evento elitista do mundo da arte como a Bienal de Veneza. O gesto provocou uma resposta imediata de artistas que colaram panfletos de protesto sarcásticos em torno da mostra. Os panfletos gozavam com Okwui e Karl Marx, perguntando o que estes dois têm em comum no contexto de uma exposição de arte internacional. O debate sobre a fetichização do objeto como mercadoria encontrado nas páginas de Das Kapital já acabou, foi embora, pois hoje a nova mercadoria no nosso meio é a informação e a questão central que enfrentamos é como a podemos avaliar e comercializar. O objeto em si tem menos valor e identidade nos dias de hoje; é mais acerca do evento, especialmente para a arte. Teria sido mais relevante ler, digamos, a posição de Thomas Piketty sobre os padrões sociais e políticas que sustentam a actual desigualdade económica (uma ideia que me foi sugerida pelo curador Gianni Jetzer) ou qualquer quantidade de livros lidando com uma dissolução de uma distinção entre informação e conhecimento.
Leitura de Das Kapital.
Parece inútil, de certa forma, discutir mais com o tema da exposição. Esta é a visão de Enwezor do mundo de hoje através da arte que ele admira. Eu só não percebo por que tem que ser sem compaixão, amor, beleza ou esperança e tão implacavelmente séria e sombria que exclui todo o prazer estético e diversão, começando, no momento da entrada, com uma selecção dos mais deprimentes trabalhos em luz néon de Bruce Nauman, denunciando a violência e hipocrisia americana. Parece que o curador estava à procura de uma justificação para a sua visão de mundo anti-capitalista, descentrada e profundamente anti-americana, e que para mim serve apenas para marginalizar ainda mais a mostra em relação às verdadeiras forças no mundo de hoje. A partir daqui "Todos os futuros do mundo" rapidamente desce e se torna num catálogo de todas as misérias do mundo. Ébola, guerra civil, tráfico de seres humanos, os desastres naturais, a exploração do trabalho, destruição ambiental, a desigualdade - está tudo aqui, em trabalhos de arte tão conceptualmente dirigidos que são em muitos, muitos casos irritantemente didáticos. Esta é uma exposição moralizante que, paradoxalmente, é organizada de tal forma a se sentir menos como uma coabitação de mensagens artísticas alinhadas e mais como uma colecção aleatória de obras de arte isoladas. Em termos de organização, a exposição é uma verdadeira confusão devido à densidade da disposição. A salgalhada de artistas e trabalhos pode ter algum propósito deliberado – mais uma vez, talvez para deliberadamente perturbar e desalinhar os visitantes. Lorna Simpson, Adrian Piper, Steve McQueen, Chantal Akerman, Georg Baselitz, Chris Marker, Melvin Edwards e Katharina Grosse também estão na lista dos exibidos do curador, todos com um trabalho muito bom que se sente muito mais naturalmente alinhado com o tema e relevante no actual contexto. Theaster Gates tem um novo e comovedor vídeo em exposição, para mim um destaque no Arsenale, juntamente com, no pavilhão italiano no Giardini, o imponente e assustadoramente profundo "Dead Tree", de Robert Smithson, uma escultura natural de 1969. Grandes cortinas pretas pendem a partir do exterior do pavilhão italiano, parecendo que no edifício está a acontecer um velório. É o mundo da arte que está de luto? No interior, além do trabalho de Robert Smithson, há entre outras coisas um vídeo de Christian Boltanski que mostra um homem a vomitar sangue, também de 1969, e uma sala de pinturas de crânios de Marlene Dumas. Já estão a ver o cenário. Violência e morte estão por toda a parte aqui. Mesmo quando há beleza e alegria em exibição, como numa pintura da artista aborígene do deserto australiano Emily Kame Kngwarreye, "Criação de Terras", de 1994, é ofuscada pelo conhecimento das terríveis condições em que os artistas aborígenes vivem. Eu costumo ir à CNN e BBC World para obter as minhas notícias deprimentes do mundo, não à Bienal de Veneza. Para uma exposição supostamente sobre o futuro, é estranho como tantos dos pontos de referência intelectual de Enwezor estão algures num lugar do passado. Mesmo os seus heróis da história da arte parecem ser de uma época passada - Walker Evans, por exemplo, é um artista que ele admira e que está incluído na exposição. Neste sentido, "Todos os futuros do mundo" é profundamente retrógrada, o curador buscando no passado as últimas respostas para a relevância da arte como uma forma de encontrar novos caminhos para o futuro. É nostálgica e utópica, num bom sentido, acreditando na ideia de que a arte e os artistas podem mudar o mundo. Mas no geral, como uma experiência visual, é em grande parte triste e perturbadora.
Originalmente publicado na Artnet, 8 de Maio, 2015. |