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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE FEIRA DE ARTE

SÉRGIO PARREIRA

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O conceito de feira de arte não é novo e a noção contemporânea remonta a 1970 quando a Arte Basel na Suíça teve a sua primeira edição. Podemos assim dizer que temos hoje uma história de feiras de arte com mais de quarenta anos.

É inquestionável que a Feira de Arte está hoje instituída como o principal evento no mercado de arte, e certamente que se trata de um modelo de continuidade. Podemos, no entanto, verificar inúmeras variações na forma como estas exposições se apresentam e é aí que gostaria de concentrar a minha análise e tentar perceber o que poderá ser ou não um modelo respeitável e de sucesso.

Não quero acreditar que sou conservador ao ponto de afirmar que a Feira de Arte é um espaço em que as obras de arte são expostas de forma chocante pela falta de seriedade e desrespeito pela obra artística. No entanto, continuo profundamente ligado aos conceitos em que a experiência perante a obra de arte é privilegiada e onde naturalmente a configuração como estes produtos são dispostos e apresentados se revela determinante. O ambiente estéril da Feira de Arte pode seguramente questionar esta dignidade e respetiva contextualização.

A beleza da obra de arte é obviamente subjetiva, atribuída pelo julgamento individual a cada objeto em particular. É, no entanto, axiomático que o espaço e o ambiente em que qualquer objeto de arte é integrado, irão influenciar a experiência e qualquer outro acesso emocional e expectável por parte da audiência.

Inúmeros pensadores clássicos, como é o exemplo de Kant e Aristóteles, através de distintas reflexões, deixaram-nos conceitos estruturados no âmbito da estética e experiência do objeto de criação artística, que pessoalmente acredito e desejo aquando me predisponho à contemplação de objetos de arte.

Para tornar este “exercício” menos hermético, não vou julgar, criticar ou mencionar opiniões no que respeita aos objetos que habitualmente temos nas feiras de arte. Vou tentar focar-me na forma como estes objetos são apresentados, aquilo que os rodeia em termos expositivos e eventualmente o conceito por detrás destas apresentações.

O Armory Show em Nova Iorque, que acontece durante o mês de Março, despoleta uma frenética semana na cidade, em que acontecem nove feiras de arte. Estes eventos têm um objetivo bastante claro: vender obras de arte. Estas feiras não procuram especificamente desenhar ou explanar uma perspetiva rigorosa da arte contemporânea e do momento criativo presente, embora por vezes se promovam dessa forma. Muito sinceramente parece-me natural que não o façam, ou estariam a questionar o sucesso da sua ação que é muito cruamente medido em vendas.

Destas nove feiras de arte, apenas uma se destaca pelo conceito que adota e aplica meticulosamente. O foco desta feira está no artista e no projeto deste, desenvolvido especificamente para o evento. Os stands funcionam como exposições individuais e não como mostras assimétricas de diversos artistas, com várias proveniências ou técnicas. O vendedor, que não é mais que a galeria, é remetido para segundo plano e o artista apresentado como o principal ator desta manobra comercial. Este ato de reconhecimento da importância do criador, estabelece um parâmetro de apresentação que catapulta a perceção de comercialização de objetos de arte, do patamar corriqueiro da Feira de Arte, de regresso à essência da obra de arte, a obra e o artista. O artista deverá ser sempre o herói, independentemente do espaço ou objetivo da sua “exposição”, que em última análise nos salvará das nossas experiências traumáticas na vida, oferecendo-nos uma imitação da própria vida, que por fim descodificará em nós, audiência, prazer e satisfação pela identificação da semelhança.

O objeto de arte, na Feira de Arte, procura ser adquirido por quem quer que possa pagar o montante solicitado para passar a ser o proprietário dessa obra. Este ato é tão simples como complexo, pois por vezes, e hoje mais do que nunca, o vendedor procura o comprador mais adequado, sabendo que também este terá um papel determinante na valorização futura da mercadoria. Estou em crer que nós deveríamos exigir mais dos expositores além de empilharem objetos, o maior número que conseguem e que é aceitável nos metros quadrados que dispõe, de forma a evitarmos uma flagrante apresentação de liquidação de stock.

Se o artista, que está naturalmente ao corrente desta estratégia comercial, o vendedor que é o gestor desta operação e a audiência / consumidor, acreditassem que merecem mais que apenas isto que descrevi, estas apresentações sazonais de saldos, tornar-se-iam menos interessantes profit wise, mas iriam alinhar-se mais fielmente àquilo que eu acredito deve ser preservado como experiência do objeto de arte.

Esta proposta é obviamente viável, pode não estar ainda a ser acomodada na perfeição, mas está a ser exercitada por alguns que se aventuram perante esse risco, aplicando-a da forma que o mercado permite e que está no presente preparado para receber.

Quando nos deslocamos a um Museu, sabemos que os objetos de arte que estão expostos não podem ser adquiridos, pelo menos na maioria dos Museus. O objetivo dos Museus é de disponibilizar ao seu visitante uma mostra estudada e fiel da história do ser humano, seja qual for a temática de especialização desse mesmo Museu. Quando visitamos uma galeria de arte a perspetiva muda; os trabalhos expostos estão para venda e o objetivo final, é mesmo esse: vender arte. As exposições em galerias comerciais também procuram desenhar uma história rigorosa do trabalho do artista que estão a expor, seja ele contemporâneo ou proveniente de um mercado secundário. Em ambos estes casos, Museu e Galeria, as exposições têm um cuidadoso conceito curatorial, em que a apresentação dos trabalhos e o conceito por trás da mostra é facilitado nas exposições de arte contemporânea, pois na maioria das vezes o artista em foco ainda se encontra vivo. Nós, consumidores e amantes de arte, sabemos que nestes locais os objetos provavelmente estarão expostos da forma mais art friendly possível.

Posto isto, porque mudamos nós da versão art friendly para a versão de exposição agressiva e competitiva de objetos de arte como é o caso das feiras de arte?

A resposta tem uma vez mais uma suma puramente comercial: para alcançar vendas de forma eficaz.

Apesar dos diretores destas feiras de arte aplicarem um eficiente escrutínio e curadoria nestas exposições, processo esse que vai desde a seleção das galerias presentes à validação dos seus stands, tudo isto se resume no final ao balanço do sucesso das vendas. Os líderes destes eventos concentram-se em construir uma reputação através de inúmeras etapas de seleção de expositores, escolha que irá afetar a afluência e tipologia de público, que se traduzirá ou não nas ansiadas transações.

As casas de leilões sempre mantiveram o estatuto de instituição onde se podem adquirir as obras de arte mais desejadas e inacessíveis, mas estes locais na sua generalidade não consideram a produção contemporânea. Na maioria das leiloeiras, não é possível encontrar trabalhos de artistas ainda vivos, o que está a mudar nos dias de hoje com a aprovação dos leilões online, muitas vezes realizados em parceria com as principais casas de leilões, que credibilizam a ação, e aí sim, podemos solicitar as mais variadas obras da contemporaneidade.

Seja como for, vou tentar regressar ao tópico basilar: Porque não considero as feiras de arte uma prática artística minimamente satisfatória, como o é o Museu de arte ou uma galeria, onde por norma somos sujeitos a uma experiência estética respeitável. A resposta é simples e simultaneamente complexa. Exceto dois ou três exemplos a nível mundial ao longo do ano, as feiras de arte na generalidade são extremamente básicas. Mesmo quando tentam transparecer exclusividade e excelência, raramente o são.

Há dezenas de importantes e significativos tópicos passíveis de abordagem, mas não me quero esquecer que estou a falar de arte, e arte para mim será sempre, de entre inúmeras outras reflexões, maioritariamente a experiência. A mesma experiência que nunca poderemos dissociar de sentimentos e emoções, que ultimamente farão de nós, melhores seres humanos. Experienciar e cooperar na libertação emocional através da interação, voluntária ou involuntária, com objetos de arte deveria ser o objetivo primário de qualquer espaço que se dedica à exposição de objetos de arte.

Podemos nós identificar e apontar estas caraterísticas na Feira de Arte? Na maioria delas, não. O ambiente é desenhado para encorajar e intensificar a compulsão consumista como experienciamos em qualquer outro espaço de eminente concretização comercial. O cuidado e sensibilidade que respeita habitualmente o artista e a sua criação assim como a experiência da audiência é predominantemente esquecido. A ativação da atmosfera que incentiva o consumo e precipita o impulso, não estabelece qualquer relação destes acontecimentos com um local de contemplação artística; aqui anseia-se a comercialização da mercadoria que se promove, que acontece serem objetos de arte.

Acredito que não existe nada de errado ou destorcido na Feira de Arte convencional; se aceitarmos e reconhecermos estes espaços e eventos simplesmente como um serviço à comunidade. Consequentemente, se comprovarem o seu sucesso, irão gerar vendas, que pagarão ao artista a sua jornada criativa, e perante isto, como poderíamos criticar ou excluir tal ação de carácter particularmente romântico e generoso. Mas o problema é que estamos normalmente a um nível em que os menos afortunados não experienciam este romantismo, alimentando estas concentrações de comercialização, por norma, os já estabelecidos, sejam eles artistas ou galeristas.

Acaba por ser um pouco autista compactuar e aprovar um modelo de negócio que não está conceptualmente nivelado com o produto que comercializa; convenhamos que o que está a ser trocado não são meros produtos de retalho, mas objetos de arte.

Nos dias de hoje, os colecionadores e compradores de objetos, revelam-se inerentemente emocionais, algumas das vezes extremamente ignorantes e sem qualquer noção da história da produção artística. Agem de forma errática e descompensada, e fazem com que os próprios agentes do mercado, entre estes galeristas e curadores, atuem também de forma disfuncional. Muitas das vezes o negócio de objetos de arte, uma mera operação de aquisição, transforma-se numa batalha de egos, em que a reflexão e pensamento são negligenciados, e o que é considerado é a operação mais lucrativa, que no final não passou por qualquer filtro de senso comum ou base fatual que poderia de forma consciente proporcionar um crescimento cultural informado.

É por vezes contraditório, ao considerar que eventualmente terei todas as respostas que circunscrevem este assunto, o fato de continuar a visitar feiras de arte na procura de algo, daquela experiência, para a qual eternamente me inclinarei e que acredito poder estar eminente em qualquer espaço onde obras de arte estão em exposição. No entanto, é improvável que isso vá acontecer dentro de uma Feira de Arte, que poderia efetivamente ser o local de excelência para surpreender e deslumbrar uma audiência desprevenida, que habitualmente vê o que prevê, e não encontra a experiência de sublimação da obra de Arte.

 

 

Sérgio Parreira