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23 – JOALHARIA CONTEMPORÂNEA NA IBERO-AMÉRICA
CRISTINA FILIPE
Vinte e três é o número de cidades que integram a UCCI - União de Cidades Capitais Ibero-americanas. Na exposição “23 – Joalharia Contemporânea na Ibero-América”, o desenho expositivo de Fernando Brizio traz para o salão nobre da SNBA, em sentido metafórico, a ideia geográfica de meridianos, ao longo dos quais a Ibero-América está representada, tanto pela presença de artistas que a representam, como pela sua ausência. A ausência, que, por vezes, se mostra em alguns deste meridianos, deixa-nos em suspenso, constitui um não lugar de acolhimento que aguarda a chegada a qualquer momento de uma desejada presença.
São lugares e não lugares em trânsito, como todos estes trabalhos que transitaram de alguns destes 23 países. Os artistas sugeridos por uma comissão consultiva especializada e diversa foram selecionados segundo um critério de disparidades e afinidades. Procurámos “mesclar” artistas, cujo percurso estivesse enraizado no país natal, com artistas que se transferiram de um lugar para outro, e, muitos deles, já nem sequer vivem no seu lugar de origem. São estes, mas muitos outros também aqui poderiam estar. A escolha não está fechada e dependeu de muitas condicionantes. A própria estrutura expositiva sofreu percalços e alterações, mas tudo no seu conjunto nos traz até aqui, aquilo que hoje e agora a comissão executiva da PIN conseguiu reunir e apresentar como a joalharia contemporânea na Ibero-América.
A proposta expositiva assenta no desafio lançado ao público de indagar quem é quem, lançando assim os dados de um jogo sem rede, tal como as tiras em acetato, que suspendem as joias e as translocam para lugares por descobrir, pertencem de facto a um lugar. Partiram dele e é esse o repto: Qual o lugar de partida deste grupo de pessoas que reunimos em cada lugar suspenso? E, ao apostarmos no lugar, que diálogo conseguiremos estabelecer com ele, de que modo cada jóia nos traz essa identidade e/ou nos retrata esse lugar?
Se calhar não. Se calhar nada nos diz nada, tudo é uma amálgama de sentidos, de sonhos, de impressões, tudo pode ser tudo. A subjetividade inerente a essa aposta intrigou-nos. Perceber que validade tem hoje a identidade de uma jóia sobre a sua cultura e a sua época, estimulou esta paisagem extraordinária construída ao sabor das nossas dúvidas, das nossas tensões, paragens, desistências, desesperos. Seguimos em frente, nesta nave espacial transparente que nos leva a nós e às jóias nela presentes a uma travessia a todo o lado e a lugar nenhum.
Que lugares são estes, será que conhecemos bem a Ibero-América? Será que cada uma destas obras nos vai ajudar a pensar melhor sobre ela? O detalhe. Sim, o segredo está no pormenor. E o corpo, que importância tem o corpo? Talvez seja nesta dialética tripartida, entre a grandeza do espaço expositivo, a respiração da paisagem inerente e a minúcia de cada cultura, que o corpo encontra o seu lugar.
Por último, as bandeiras e o 23 em múltiplos letterings sobrepostos enfatizam diferenças e semelhanças entre cada um dos que o constitui. A identidade de cada país. Quinhentas pessoas serão requeridas para interagir com o espaço e pro- curar encontrar a nação de cada um dos vinte e três espaços demarcados. No final, junto de cada um, vamos ter 500 apostas dispostas numa matriz alinhada; vamos perceber que impressão cada visitante tem de cada lugar que elegeu. Como cada lugar o impressionou. Que diálogo estabeleceu, o que comunicou. Vamos talvez entender se tudo foi um enorme falhanço, ou se de facto se construiu uma possível reflexão sobre a joalharia contemporânea na Ibero-América.
Agradecemos aos artistas que confiaram neste projeto e investiram no envio das suas peças, que trabalharam especificamente para esta mostra, ou não, que partilharam experiências, arriscaram. À comissão consultiva [1]1 que com a sua experiência e generosidade ajudou a tecer esta rede densa e complexa e a estabelecer sinergias e diálogos. Ao Fernando Brizio que nos escutou, entendeu e construiu esta embarcação suspensa que sustenta esta conturbada viagem. Ao Arne Kaiser que paciente e habilmente nos atendeu e elaborou a imagem gráfica desta exposição. À SNBA que, pela segunda vez, confiou num nosso desafio e nos cedeu este magnífico salão. À CML por ter estimulado a PIN e permitido que esta grande travessia se iniciasse, abrindo assim uma “brecha” que permite entremostrar o que a exposição presente nos propõe. Continuamos.
Cristina Filipe
Co-curadora da exposição 23 – Joalharia Contemporânea na Ibero-América, que esteve patente de 27 de Junho a 22 de Julho de 2017 na Sociedade Nacional de Belas Artes.
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Notas
[1] Lúcia Abdenur, Eva Burton, Titi Berrio, Pamela de la Fuente, Holinka Escudero, Catalina Gibert, Carolina Gimeno, Francisca Kweitel, Klimt02 (Leo Caballero e Amador Bertomeu), Jorge Manilla, Natalia Olarte, Clara del Papa, Renata Porto, Ramón Puig Cuyàs, Andreina Rodriguez-Seijas, Estela Sàez, Alberto Soarez Chang, Andrea Tello, Valeria Vallarta Siemelink, Manuel Vilhena, WALKA.